É no ecrã do telemóvel que se passa a peça de Borralho e Galante

Esta sexta-feira e sábado, no Teatro do Bairro, Lisboa, a BoCa apresenta Chatroom, de Ana Borralho e João Galante e em que o público participa comunicando através de GIFs numa rede social.

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Chatroom está integrado na programação da BoCA - Bienal de Artes Contemporâneas dr
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Chatroom nasceu de uma frustração. Num anterior espectáculo da dupla Ana Borralho e João Galante, Romance Familiar ou a Realidade Aumentada (2019), os intérpretes em palco fotografavam-se uns aos outros durante a performance e trocavam mensagens num chatroom. De telemóvel em punho, contavam pormenores sobre as suas vidas, escreviam histórias pessoais, registavam os seus corpos – e tudo era projectado num ecrã. Depois, no final do espectáculo, o espaço de partilha era aberto ao público. E não correu especialmente bem. Porque o tom poético que Borralho e Galante construíam durante o espectáculo, trabalhado e ensaiado com o elenco, entrava numa outra zona que lhes parecia demasiado deslocada da peça.

Essa frustração acabou por levá-los a pensar que, se essa intervenção do público lhes parecera dissonante, talvez devessem criar um outro espectáculo – ou experiência – em que essa fosse, afinal, a essência do que queriam trabalhar. Chatroom, nesta sexta-feira e sábado no Teatro do Bairro, Lisboa, integrado na programação da BoCA - Bienal de Artes Contemporâneas, é essa criação em que tudo acontece nos telemóveis do público e é exposto no ecrã rectangular que ocupa o palco. Para participar, o público tem apenas de instalar a aplicação Telegram, aceder através de um QR code a uma “sala” do espectáculo e comunicar somente através de GIF (as imagens, fixas ou animadas, que servem para comentar tudo e mais alguma coisa nas redes sociais).

“Quando começámos a trabalhar com as mesmas premissas da outra peça – escrita, imagem e som”, explicam Borralho e Galante ao PÚBLICO, “aborrecemo-nos facilmente, porque estávamos a criar a mesma coisa. E não era por aí que queríamos ir. Depois de testarmos algumas hipóteses, chegámos a esta proposta de utilizarmos apenas GIFs – porque o GIF tem uma ideia de resumo de qualquer coisa e de ready-made. E aquilo que nos atraiu foi também o afastamento do ultra pessoal e íntimo, que trabalhamos sempre muito nas nossas criações.”

Aquilo para que Chatroom convoca a sua plateia – estar de olhos no telemóvel, participando no abastecimento de um feed em que se desenvolvem várias linhas temáticas – pode parecer bizarro, mas não será muito diferente daquilo a que assistimos nos transportes públicos de qualquer cidade do mundo. Depois da deixa inicial lançada pela equipa de Chatroom, a torrente de imagens torna-se desenfreada – “isto está muito ligado à máquina do capitalismo, impessoal e imparável”, compara Galante –, a atenção divide-se entre a frenética sequência de GIFs que ocupa o ecrã em palco e a pesquisa de termos ou palavras-chave no pequeno ecrã do telemóvel. E a dupla sabe bem o quanto o apelo ao ego e ao pequeno momento de glória de cada espectador/a não deixará de estar presente. Até porque, admitem, o processo de pesquisa para Chatroom se tornou, ele próprio, um sorvedouro de atenção da equipa. “Quer-se sempre mais”, resume Ana Borralho.

Embora haja uma partitura que os dois definiram e que prevê um ponto de partida, um final e uma zona intermédia, a verdade é que não lhes escapa o quanto a experiência não é controlável pelos membros da equipa de Chatroom também ligados à rede. “Já tivemos momentos em que achámos que isto ia ser impossível”, admitem. “Mas agora confiamos que as pessoas vão conseguir comunicar através deste dispositivo, nesta lógica de criação de narrativas e histórias.”

Se é possível que, perante a rápida sequência de GIFs que terão um reduzido tempo de glória no ecrã, o dispositivo possa gerar tanta frustração quanto um recuo de quem percebe que a eficácia da comunicação dependerá de uma relação mais refreada com o telemóvel, Galante tende a comparar a situação com as mensagens escritas nas portas das casas de banho públicas: “De vez em quando, vamos conseguir ler ou rir com uma imagem, mas é um pouco aquele sítio onde toda a gente pode escrevinhar, pode pôr alguma coisa e acabar por criar um grande ruído. E se essa falta de entendimento acontecer, espelha também o mundo em que vivemos.”

Assim como o espelha o momento em que, aproximando-se do final, os participantes vão sendo excluídos do chatroom e deixados a olhar apenas para o feed projectado em palco e para todos os outros participantes sugados ainda pelos telemóveis. Levando, certamente, a pensar como nos deixamos invadir por estes objectos, nem que seja para comentar o fim dos tempos com a imagem de um gatinho a saltar para o vazio.

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