PFAS: compostos químicos “eternos” detectados no sangue humano

Cientistas analisaram amostras de poeira, água potável, sangue e urina nos Estados Unidos. Encontraram 39 substâncias perfluoroalquiladas (PFAS), incluindo moléculas alternativas às que foram banidas.

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Das capas de sofá aos tecidos infantis, são inúmeras as aplicações das PFAS, compostos fluorados que se acumulam no corpo humano e no ambiente Josh Applegate/Unsplash
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As substâncias perfluoroalquiladas (PFAS) ficaram conhecidas, informalmente, como compostos químicos “eternos” porque não se degradam, acumulando-se nos organismos vivos. Com a proibição de algumas destas PFAS, surgiram alternativas com uma estrutura molecular mais pequenina e, em teoria, mais segura. Agora, um novo estudo sugere que estas PFAS menores podem estar tão presentes nas nossas casas, e até nos nossos corpos, quanto as PFAS grandes e proibidas.

Os autores analisaram mais de 300 amostras de poeira, água potável, soro sanguíneo e urina de 81 pessoas (e das suas respectivas casas) nos Estados Unidos (EUA). Foram realizados testes para 47 PFAS diferentes, grandes e pequenas. Os resultados, publicados esta quinta-feira na revista Environmental Science & Technology, revelam a presença de 39 compostos fluorados, incluindo PFAS com uma estrutura molecular menor.

A característica única deste trabalho é que fomos capazes de analisar uma ampla gama de PFAS, incluindo PFAS de cadeia ultracurta, em ambiente construído [ou seja, casas e edifícios], na água potável e em amostras humanas. Este é o primeiro estudo nos EUA que analisou PFAS de cadeia ultracurta nestes vários tipos de amostras da população em geral”, explica ao PÚBLICO a co-autora Amina Salamova, investigadora da Universidade Emory, nos EUA.

As PFAS constituem uma vasta família de substâncias químicas sintéticas utilizadas, desde o final dos anos 1940, em diferentes produtos e processos industriais. Das palhinhas de bebidas aos tecidos infantis, passando pelo papel higiénico, são inúmeras as aplicações destes compostos fluorados. Estudos publicados em revistas científicas sugerem uma relação entre estes compostos e determinados riscos para a saúde humana.​

Os autores do estudo explicam, numa nota de imprensa, que as PFAS mais pequeninas “podem passar pelos filtros e chegar à água potável ou acumular-se facilmente no pó doméstico”. É por isso que os cientistas sublinham a importância de haver mais estudos sobre os efeitos de PFAS de cadeia curta, e até ultracurta, na saúde humana.

Estudos como este são importantes porque fornecem dados sobre outras PFAS presentes no nosso ambiente e no corpo humano. Embora não saibamos muito sobre as fontes ou toxicidades das PFAS de cadeia ultracurta, este estudo mostra que estes compostos estão a acumular-se no ambiente construído, na água e nos corpos humanos e devem ser investigados mais detalhadamente”, diz Amina Salamova.​

O estudo indica que amostras de poeira de casas sem alcatifa e aspiradas regularmente continham níveis substancialmente mais baixos de PFAS. Ao estudar o conjunto de dados obtidos, os cientistas estimaram que a ingestão de poeira e água contribuiu apenas com cerca de 20% da carga total de PFAS nas pessoas que participaram no estudo.

Esta conclusão sugere que as PFAS detectadas têm origem noutras fontes de contaminação. Muitos precursores de compostos fluorados estão presentes em diversos produtos usados na vida quotidiana – têxteis e panelas, por exemplo –, pelo que não se exclui a hipótese de tais substâncias se decomporem em compostos com diferentes estruturas moleculares.

O tamanho da molécula importa

Consoante a extensão da cadeia molecular, composta por átomos de carbono e flúor, as diferentes PFAS podem ser identificadas como substâncias de cadeia curta ou longa. O tamanho da cadeia importa, uma vez que implicam propriedades físicas e químicas diferentes. Estas características, por sua vez, condicionam a forma como a substância se comporta no ambiente e interfere com a saúde humana.

As PFAS tendem a persistir no ambiente, entrando na cadeia alimentar e acumulando-se nos organismos vivos. Cientistas já detectaram PFAS nas mais diferentes amostras ambientais (solos e reservatórios de água, por exemplo), em animais e em tecidos humanos.

Algumas PFAS de cadeia longa – mais especificamente a PFOS e a PFOA – foram proibidas ou descontinuadas precisamente por causa desta persistência e do impacto na saúde humana e ambiental. Em seguida, considerou-se que os compostos fluorados de cadeia curta (com menos de oito átomos de carbono), assim como os de cadeia ultracurta (com dois ou três átomos de carbono), eram substitutos adequados para as substâncias banidas. Mas ainda não existem estudos exaustivos sobre os seus efeitos na saúde humana.

Várias PFAS, e especialmente PFOS e PFOA, têm sido associadas a efeitos adversos na saúde humana, incluindo distúrbios imunológicos, renais e hepáticos, bem como certos tipos de cancro. Com o progresso na investigação, vemos agora níveis crescentes de PFAS de cadeia mais curta no ambiente e nas pessoas. A razão é que alguns dessas PFAS de cadeia mais curta, como PFBA e PFBS (quatro carbonos), bem como GenX (seis carbonos), foram usadas ​​como substitutos dos PFAS de cadeia longa (oito carbonos). Pouco se sabe sobre as PFAS de cadeia ultracurta e as fontes são desconhecidas”, esclarece Amina Salamova, numa resposta enviada por e-mail.​

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Neste novo estudo, as versões longas PFOS e PFOA foram frequentemente detectadas na poeira, água potável e no sangue humano, mas surgiram nos resultados em menor quantidade do que as PFAS pequenas.

Existem hoje milhares de PFAS, sendo que o número aproximado varia, conforme a fonte, entre 4700 e 10.000. A União Europeia está a considerar banir toda a classe das PFAS em 2026 ou, o mais tardar, no ano seguinte.

Uma vez que podem ter impacte na saúde humana e ambiental, Bruxelas acredita ser importante eliminar gradualmente a produção e a utilização destas substâncias químicas “eternas”, independentemente do tamanho da estrutura molecular.​