Atirar ovos ou parar o trânsito em Lisboa: quem é quem na luta climática

Diferentes protestos climáticos têm ocorrido nos últimos meses, mas há diferentes grupos a planear e a pôr em prática estas acções. Climáximo e Greve Climática Estudantil são os principais.

Foto
Climáximo promove acções como interromper a circulação em artérias de Lisboa Climaximo/DR
Ouça este artigo
00:00
06:50

Exclusivo Gostaria de Ouvir? Assine já

Diferentes protestos climáticos têm ocorrido nos últimos meses, todos em prol da mesma causa – o fim da queima de combustíveis fósseis –, mas há diferentes grupos a planear e a pôr em prática estas acções. Um exemplo: o colectivo que atirou ovos com tinta verde ao ministro Duarte Cordeiro, que tutela a pasta do Ambiente, não é o mesmo que interrompeu o trânsito na Segunda Circular de Lisboa. Explicamos quem é quem na luta climática.

Há dois grandes grupos a organizar protestos a exigir do Governo medidas de mitigação mais robustas: Greve Climática Estudantil (GCE) e Climáximo. Ambos se inserem no movimento pela justiça climática, tanto nacional como internacionalmente.

“Os princípios e valores são bastantes semelhantes”, nota Matilde Alvim, activista que integra os dois colectivos, mas fala ao PÚBLICO na qualidade de porta-voz apenas da Greve Climática Estudantil.

Existem, contudo, distinções. “A GCE compromete-se a interromper a normalidade das escolas, que é o nosso espaço, e das instituições de poder. Cortar estradas, por exemplo, não é algo que fazemos”, diz Catarina Bio, activista da GCE, lembrando que as raízes do movimento estão nos espaços estudantis.

Já a Climáximo, criada há oito anos, agrega membros de todas as idades, estudantes ou não, e aposta em protestos de desobediência civil como cortes de artérias de grande circulação. Este mês, por exemplo, activistas sentaram-se na Segunda Circular e bloquearam um dos sentidos. Esta quarta-feira, taparam com cimento buracos de campo de golfe em Lisboa.

Um movimento de estudantes

A Greve Climática Estudantil (GCE) surgiu em Portugal em linha com o movimento internacional Fridays for Future, que ganhou notoriedade com Greta Thunberg. Esta activista sueca começou, aos 15 anos, a faltar as aulas para fazer greve pelo clima, sentando-se com um cartaz junto à sede do Parlamento em Estocolmo.

“No fim de 2018, as pessoas começaram a olhar para o movimento Fridays for Future e a achar que devíamos fazer o mesmo em Portugal. A primeira grande marcha foi organizada em Portugal em 15 de Março de 2019”, recorda Catarina Bio, activista da GCE.

Catarina Bio explica ao PÚBLICO que o grupo começou por organizar greves e marchas que chegaram a atrair milhares de pessoas às ruas. Em 2022, alteraram a estratégia e passaram a apostar na ocupação de espaços académicos, ou seja, escolas e faculdades.

Foto
Greve climática estudantil passou a adoptar acções de resistência pacífica, como a que bloqueou a entrada do local onde decorreria uma reunião do Conselho de Ministros MIGUEL A. LOPES/DR

“Rapidamente percebemos que isso não era suficiente uma vez que os governos aceitavam sentar-se à mesa connosco mas tudo o que saía de lá eram falsas promessas. Todos os anos, Portugal emite mais gases com efeito de estufa [do que no ano anterior]. Isto significa que só greves e marchas de alunos não funcionam”, acredita a activista da GCE.

Este ano, o colectivo fez uma “reavaliação da situação” e entendeu que os protestos “não eram suficientes”, uma vez que as exigências estudantis continuavam “a ser ignoradas”. Assim nasce a decisão de confrontar “os órgãos de poder”, escalando para acções como “bloquear a entrada do Conselho de Ministros” ou atirar ovos a Duarte Cordeiro, ministro da Acção Climática e do Ambiente.

A GCE tem duas reivindicações: o fim do uso de combustível fóssil em Portugal até 2030 e electricidade de fontes 100% renováveis e acessível a todos até 2025. A Climáximo, cujas acções são apoiadas pela GCE, “são diferentes”, diz a activista.

Os protestos levados a cabo limitam-se, segundo Catarina Bio, a “acções de resistência pacífica” ou de “interpelação à pessoa que representa o órgão de poder”, como foi no caso do arremesso de ovos com tinta verde. A activista assegura que a violência física é um limite que a GCE não vai transpor.

“Falou-se muito em violência, mas nunca foi a nossa intenção agredir o ministro de qualquer modo. As nossas acções centram-se mais em tinta, farinha, ovos e coisas deste género. Nunca passaremos para o lado da agressão. Não vamos pôr nenhuma pessoa ou animal em risco físico”, afirma Catarina Bio numa chamada telefónica.

O grupo GCE não vê no acto de arremessar ovos uma violência física. O comportamento pode constituir, contudo, segundo especialistas ouvidos na altura pelo PÚBLICO, “um crime de ofensas corporais”, punível com até três anos de prisão. E também de “um crime de danos”, porque a roupa do ministro “ficou estragada”, referiu o constitucionalista Jorge Bacelar Gouveia.

Movimento anticapitalista

O colectivo Climáximo nasceu em 2015, numa altura em vários movimentos grass roots emergem em diversos países a pedir acção climática. O colectivo afirma ter uma postura “anticapitalista, aberta e horizontal”, ou seja, acredita que só a mudança do modelo económico vigente poderá pôr fim à emissão desenfreada de gases com efeito de estufa.

“A Climáximo nasceu como uma resposta à inacção da COP [a cimeira do clima organizada anualmente pelas Nações Unidas] e das próprias ONG que não estavam a conseguir respostas satisfatórias. Em Portugal, surge na altura com duas frentes fortes: a campanha Empregos para o Clima, em prol de uma transição justa, e meta de parar com cinco contratos de exploração de gás e petróleo”, explica ao PÚBLICO Mariana Rodrigues, porta-voz do Climáximo.

Foto
Activistas da Climáximo interrompem o trânsito na rua de São Bento, em Lisboa Climaximo/DR

Possui ainda uma estrutura “horizontal”, sem hierarquias, ou seja, “todas as decisões são tomadas em conjunto”. Consideram-se também “abertos”, o que quer dizer que qualquer pessoa preocupada com a crise climática é bem-vinda.

“A Climáximo é para qualquer pessoa – e não só para estudantes, como é o caso da GCE. Temos uma amplitude de idades mais ampla. Mas somos organizações diferentes, embora haja pessoas que fazem parte de ambas”, refere a activista.

“A luta climática é grande e complexa e vai ter de envolver várias frentes com o mesmo objectivo: mudar o sistema. Estou nos dois grupos porque sinto que tenho muito a aprender e fazer nas duas organizações [Climáximo e GCE]”, acrescenta Matilde Alvim.

O grupo tem, nos últimos anos, avançado com acções disruptivas como protestos junto a petrolíferas, cortes de trânsito em vias de grande circulação e em horário de ponta ou a inutilização de estruturas de campos de golfe. O limite colocado no planeamento das iniciativas é, segundo Mariana Rodrigues, “nunca pôr nenhuma vida em risco” – e, aqui, vida é entendida num sentido lato, abrangendo todos os seres vivos.

Aliados noutras gerações

Existem ainda outras estruturas que simpatizam com a causa, como a Frente Grisalha pelo Clima, que se apresenta como aliada dos jovens activistas. Em Maio deste ano, membros da Frente Grisalha definiam-se como um grupo de “indignados” que percebeu que estava na hora de outras gerações se solidarizarem com uma luta que, de resto, “é de todos nós”.

“Queremos solidarizar-nos com as pessoas, estudantes na sua maioria, que têm levado a cabo diferentes acções de protesto e bloqueio na tentativa de levar o Governo a agir, realmente a agir, e não perder mais tempo. Eles sabem que são precisas políticas diferentes já”, escreve a Frente Grisalha numa carta aberta publicada esta semana.