Os reservatórios de água dos maias têm lições para combater as alterações climáticas

Estudo sobre os reservatórios de água da civilização maia traz ensinamentos sobre como travar alguns dos efeitos das alterações do clima de hoje e manter a água limpa em zonas tropicais.

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Francisco Estrada-Belli/PAQUNAM LiDAR Initiative
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Há mais de mil anos, os maias construíram reservatórios em zonas húmidas que, nos dias de hoje, nos podem ajudar na gestão de água. A investigadora Lisa Lucero, da Universidade do Illinois em Urbana-Champaign (EUA), analisou os resultados de diversas escavações arqueológicas, amostras de sedimentos e registos de hieróglifos e de iconografia dos maias e concluiu que os seus reservatórios de água eram bastante semelhantes aos nossos.

Localizadas nas zonas tropicais baixas da América Central, as cidades maias dependiam de reservatórios de água durante os períodos de seca e de instabilidade climática. Na imagem na abertura deste artigo, vemos a antiga cidade de Tikal, na Guatemala, com alguns dos seus reservatórios de água. A imagem foi obtida pela tecnologia óptica de detecção remota LiDAR, um sistema de lasers que permitiu pôr a descoberto um conjunto de ruínas, como os reservatórios de água do palácio e do templo.

As primeiras comunidades maias sugiram há cerca quatro mil anos e mantiveram-se até aproximadamente há 1750 anos, período conhecido como pré-clássico. Estas comunidades destacaram-se pela construção das primeiras pirâmides, pela cerâmica e pelas abóbadas dos seus templos. Já o período clássico iniciou-se por volta do 250 d.C. e terminou por volta do ano 900 d.C., correspondendo à época em que os maias atingiram a expansão máxima do seu território. Além da construção das primeiras pirâmides, os maias são conhecidos por terem tido um sistema de escrita sofisticado e também por um calendário criado com base em observações da Lua e do Sol.

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A investigadora Lisa Lucero, que analisou as lições a tirar sobre as técnicas utilizadas pelos maias na gestão da água Fred Zwicky

Porém, no período clássico, os territórios e as cidades maias começaram a ser abandonados devido à escassez de mantimentos face ao número de pessoas. Grandes períodos de seca afectaram também a sobrevivência desta civilização.

Já se sabe, de escavações arqueológicas anteriores, que permitiram desenterrar reservatórios de água dos maias, que estas estruturas funcionavam por acção da gravidade, como explica um comunicado da revista Proceedings of the National Academy of Sciences (PNAS), onde a investigadora publicou agora o seu estudo. Os primeiros reservatórios terão sido construídos por volta do ano 400 a.C. e já teriam evoluído, por volta do ano 700 d.C., para sistemas de gestão de água sofisticados, como barragens, canais e sistemas de filtragem.

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Nenúfares da espécie Nymphaea ampla na Guatemala Reinhard Jahn

Ter água potável com nenúfares

Para manterem a água potável e limpa, os maias utilizavam plantas aquáticas, refere ainda o artigo científico. “As plantas aquáticas removem o excesso de nutrientes da água e estão na base da diversidade do zooplâncton, resultando em abastecimento de água que se auto-limpa”, salienta o comunicado. “O pólen de nenúfares (Nymphaea ampla), que só crescem em água limpa, foi encontrado em testemunhos de sedimentos oriundos de vários reservatórios dos maias. Os nenúfares são também muito importantes na iconografia maia e estavam associados à realeza”, acrescenta o comunicado.

Para Lisa Lucero, saber como os maias mantinha a sua água em condições de beber dá pistas para melhorarmos os sistemas de abastecimento actuais em zonas húmidas.

Também hoje estão a verificar-se condições meteorológicas semelhantes às que ocorreram no fim da civilização maia. “Secas ou inundações prejudicam muitas vezes o abastecimento de água e agravam a propagação de doenças endémicas”, escreve Lisa Lucero no artigo.

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Vaso maia da Guatemala (de cerca de 700 a 800 d.C.): representa um rei sentado num trono com um adorno de nenúfares na cabeça Cortesia do Museu de Belas-Artes de Boston

A água armazenada tinha (e tem) a tendência para se tornar estagnada, criando um ambiente favorável a mosquitos portadores de doenças e algas poluentes. “Actualmente, águas estagnadas tornam-se locais de propícios ao surgimento de mosquitos que propagam a malária, a febre-amarela, o vírus do Nilo e a dengue”, lê-se no artigo científico. Perceber como este povo prevenia estes riscos e mantinha as fontes de água limpas pode também trazer-nos lições do passado e ser útil hoje para nós.

Para evitar os impactos graves das alterações climáticas, o Painel Intergovernamental sobre Alterações Climáticas (IPCC) propõe não só o armazenamento de água como técnicas de conservação e reutilização de água e dessalinização.

“Tal como os reservatórios maia, as zonas húmidas forneceriam água potável e suportariam a vida de peixes, caracóis, tartarugas, moluscos, plantas comestíveis e medicinais, e muito mais”, escreve a investigadora. Mas Lisa Lucero chama a atenção que estas não podem ser as únicas fontes de água potável. “Precisamos de considerar diversos meios para proporcionar água potável, para conseguirmos responder aos desafios das alterações climáticas globais.”

Texto editado por Teresa Firmino

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