Moradores vivem “pesadelo e desespero” com praga de percevejos em Guimarães

Há várias queixas sobre a presença de percevejos-asiáticos em Guimarães e em Braga. Autoridades e autarquias dizem estar atentas ao problema.

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Um dos mais comuns tipos de percevejo, Halyomorpha halys, um insecto da família Pentatomidae Edwin Remsberg/GettyImages

Moradores na freguesia de Creixomil, concelho de Guimarães, dizem estar “a enfrentar um verdadeiro pesadelo e a viver em desespero”, face a uma praga de percevejos-asiáticos, apelando às autoridades para que adoptem medidas urgentes. A praga que estará a afectar algumas cidades portuguesas envolve um tipo de percevejo diferente do que invadiu recentemente Paris e que não pica humanos ou animais, não representando perigo para a saúde.

Em declarações à agência Lusa, Daniela Guimarães, porta-voz dos moradores e que está a preparar um abaixo-assinado, explica que a praga destes insectos asiáticos na cidade começou há dias, dando conta de que são às centenas.

“Os percevejos voam até à fachada dos prédios e janelas, conseguindo entrar nas casas mesmo com tudo fechado. Fazer coisas banais como colocar roupa a secar nas varandas ou abrir as casas para renovar o ar tornaram-se um completo pesadelo. Os moradores que enfrentam, desde há várias semanas, esta praga, sem qualquer perspectiva de resolução, sentem-se completamente desgastados e esquecidos por parte da autarquia”, acusa Daniela Guimarães.

A moradora já fez uma exposição ao Ministério do Ambiente e várias denúncias à Câmara de Guimarães, mas a situação mantém-se.

“Os serviços da Câmara de Guimarães foram notificados da situação, tendo prontamente alocado recursos para investigar e, subsequentemente, resolver o problema. Verificou-se a ocorrência de alguns incidentes em alguns locais que ainda estão a ser avaliados”, explica o município, liderado por Domingos Bragança (PS), em resposta enviada à Lusa.

A autarquia diz que “tem vindo a responder aos cidadãos que reportaram, informando que a situação está a ser analisada por empresa especializada para o efeito, sendo que nos últimos dias já não tem existido reportes de situações anormais” e que a espécie encontrada em Guimarães não é idêntica às espécies identificadas em França, que levaram, inclusivamente, ao encerramento de várias escolas.

Por seu lado, Daniela Guimarães conta que, após uma das suas denúncias, os serviços camarários procederam ao corte de arbustos e ervas daninhas da berma junto ao prédio onde reside, os quais, refere a moradora, foram deixados no local, sem a recolha de entulho ou alvo de qualquer desinfecção.

“Os insectos continuam a voar para o prédio (paredes e janelas) às dezenas, para não dizer centenas. As árvores de grande porte sem qualquer tratamento ou poda há vários anos estarão, porventura, a alimentar esta praga, além das ervas entretanto cortadas e não recolhidas”, ressalva a moradora.

ICNF diz que é matéria de saúde pública

A Lusa questionou o Instituto da Conservação da Natureza e das Florestas (ICNF) sobre o assunto, que respondeu tratar-se “de matéria de saúde pública e controlo de pragas”, o qual “se encontra fora das competências e atribuições do ICNF”.

A Direcção-Geral de Alimentação e Veterinária (DGAV) diz, por seu lado, que “acompanha a ‘questão percevejo-asiático’, assim como todas as matérias relativas à segurança alimentar e vegetal e respectivos impactos na vida humana".

“No caso em concreto: embora não se trate de uma praga de quarentena, não estando sujeita a medidas de controlo oficiais, a DGAV, ainda assim, implementou um programa nacional de prospecção nas áreas de cultivo e cuja execução é assegurada pelos vários serviços regionais de Agricultura e Pescas. No seguimento deste, não têm sido observados exemplares desta praga em campos de cultivo”, refere a DGAV.

DGAV remete para a Direcção-Geral da Saúde

A DGAV esclarece ainda que, nos casos reportados em habitações, “será competência da Direcção-Geral da Saúde (DGS), importando identificar correctamente qual o percevejo em causa”.

Em resposta enviada à Lusa, a DGS diz que “não tem nenhum reporte formal sobre eventuais pragas de percevejos pelas autoridades de saúde humana e saúde animal em Portugal, tanto a nível regional como local”, salientando que “são conhecidas algumas notícias nos órgãos de comunicação social e reportes pontuais de cidadãos referindo queixas sobre percevejos”.

“Relativamente a conselhos, recordamos que os percevejos são insectos parasitas que vivem longe da luz, em espaços escuros. Os quartos, camas e salas de estar com sofás são, geralmente, os mais afectados. No caso de uma infestação numa casa, é necessário tomar medidas rigorosas para limitar a proliferação de percevejos, até à sua eliminação”, sublinha a DGS.

À Lusa chegaram ainda relatos de moradores na cidade vizinha de Braga a dar conta de que também estão a ser afectados pela praga de percevejos-asiáticos. Em resposta enviada à Lusa, o município confirma a recepção de várias denúncias efectuadas nos últimos dias.

“Não sendo uma situação de protecção civil, encaminhamos essa denúncias, no dia 2 de Outubro, também por e-mail, para a Direcção-Geral de Alimentação e Veterinária e para o Instituto de Conservação da Natureza e Florestas [ICNF], a solicitar informação adicional no âmbito das suas competências, estando neste momento a aguardar uma resposta destas entidades”, adianta a Câmara de Braga.

Paris lida com outros percevejos

Recentemente, a Câmara de Paris pediu um plano de acção para lutar contra estes insectos e apoiar cidadãos a braços com infestações. Porém, no caso da infestação em Paris, trata-se de outro tipo de percevejos. Em Paris, os moradores lidam com os chamados percevejos-de-cama, que pertencem a outra família (Cimicidae). São insectos sem asas, parasitas externos de vários animais que, assim como as pulgas, se alimentam exclusivamente de sangue.

As pragas regressaram às grandes cidades, acompanhando o aumento de viagens das pessoas. Um estudo da Agência Nacional de Segurança Sanitária e da Alimentação (ANSES) francesa, divulgado em Julho, estimava que cerca de 11% das habitações francesas foram infestadas por percevejos entre 2017 e 2022.

Desde a década de 1990, com o enorme aumento das viagens de pessoas e comércio internacional, estes insectos começaram a regressar às grandes cidades por todo o mundo. Instalaram-se praticamente sem que déssemos por isso e, agora, os percevejos são uma praga em grandes cidades, como Nova Iorque ou Paris – e Lisboa. Em especial aquelas que atraem viajantes de muitos locais diferentes do mundo, que se deslocam com as suas bagagens, onde os percevejos podem viajar, passando despercebidos.

Não há um grande estudo em Portugal equivalente ao da ANSES em França. Mas uma tese de mestrado de Edna Migueis Bernardo, de 2019, no Instituto de Higiene e Medicina Tropical da Universidade Nova de Lisboa, fez um estudo em 11 freguesias da Área Metropolitana de Lisboa (concelhos de Lisboa, Oeiras e Cascais), aproveitando pedidos de erradicação de percevejos feitos a uma empresa especializada. Dos 45 quartos ou salas infestados, 35,55% encontravam-se no grau 5 (grau máximo de infestação). No grau 1, estavam 48,89%.

Os percevejos-de-cama que invadiram Paris alojam-se preferencialmente nos quartos de dormir, na cama onde as pessoas se deitam à noite, quando estes insectos estão activos, e saem dos seus esconderijos para se alimentar do sangue dos humanos. Sim, são os humanos a sua presa natural. Podem também instalar-se em sofás, nos assentos dos transportes ou dos cinemas forrados a tecido e espuma.

As alterações climáticas não ajudam propriamente os percevejos a conquistar novos territórios – eles deslocam-se com os humanos, acompanham-nos nas nossas viagens. No entanto, a temperatura elevada e bom grau de humidade aceleram o seu desenvolvimento, admitem os especialistas.

Mas os percevejos não transmitem doenças, ao contrário das carraças ou de alguns mosquitos. A sua picada pode, no entanto, causar reacções inflamatórias e alérgicas. E há um certo receio de estigma social associado à picada dos percevejos, salienta o relatório da ANSES, uma ideia de que a infestação está relacionada com falta de higiene ou pobreza. Mas essa relação não se confirma, salientam os especialistas.

Notícia actualizada às 8h30 com dados mais precisos sobre as diferenças entre os percevejos que afectam a cidade de Paris e os percevejos-asiáticos que estão a aparecer nas cidades portuguesas e que não representam perigo para a saúde.

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