Sobre a resistência e libertação da Palestina

Algumas notas sobre o que não tem sido dito nos media portugueses sobre a resistência e libertação da Palestina, tentando colmatar a crónica falta de perspectiva baseada na tendência ao eurocentrismo.

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Megafone P3: Uma mulher palestiniana, Sabreen Abu Daqqa, reage antes do funeral da filha e dos dois filhos, mortos em ataques israelitas, em Khan Younis, no sul da Faixa de Gaza, a 8 de outubro de 2023 EPA/HAITHAM IMAD
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O primeiro-ministro israelita referiu nestes últimos dias que isto é uma guerra, mas sejamos factuais historicamente: a guerra começou há muito, pelo menos desde 1948, durante o Nakba, quando os territórios palestinianos foram ocupados, vilas inteiras destruídas, massacres perpetrados, milhares de pessoas mortas e centenas de milhares deslocadas para dar lugar ao projecto sionista de criação do estado de Israel. Por isto, não existe um conflito israelo-palestiniano, existe uma força colonial israelita e a resistência de libertação palestiniana. Não são duas forças iguais, não têm a mesma capacidade militar, não têm os mesmos recursos. Existe um ocupante e um ocupado, opressor e oprimido.

A comunidade internacional refere que os acontecimentos destes dias vêm causar instabilidade na região, como se para as pessoas palestinianas alguma vez tivesse existido estabilidade ou paz. Dizer isso é ignorar por completo o dia-a-dia de um povo colonizado e ocupado, é viver cómoda e confortavelmente com a tentativa de limpeza étnica e genocídio do povo palestiniano. Não é surpreendente que os estados e líderes políticos europeus apoiem e defendam o colonizador, já que Israel é um projecto colonial criado pelo "ocidente". Não é também surpreendente que as forças de resistência palestiniana sejam denominadas de terroristas, todas as forças de libertação das ex-colónias europeias o foram. Todo o movimento que resiste ao imperialismo é apelidado de terrorismo.

Os líderes europeus dizem que Israel tem o direito de se defender, mas, independentemente das atrocidades cometidas contra o povo palestiniano, a este nunca foi dado o direito de resistir, de se defender, de se libertar. Não cabe ao colonizador, nem ao "ocidente", dizer como é que o povo palestiniano pode resistir, que nível de violência é aceitável usar para se libertar da força opressora. A descolonização é violenta porque a colonização é violenta, porque o opressor é violento. A descolonização não é teórica, não é abstracta, não é uma construção intelectual. É real, explode, sangra, dói. Mas o que a torna violenta é a recusa do colonizador em cessar o seu poder opressor sobre o povo e sobre o território. Ainda que seja violenta, a violência de quem luta para se libertar nunca pode ser comparada à de quem oprime.

Independentemente do massacre a decorrer em Gaza neste momento, a resistência armada palestiniana não legitima a violência de Israel nem esse massacre. A violência colonial é prévia à resistência, não começou hoje como retaliação, é diária, simplesmente não é notícia porque é normalizada e branqueada. O número de mortes em Gaza que não pára de aumentar não é consequência do estado de Israel a defender-se a si próprio, é consequência do estado de Israel a recusar pôr um fim ao projecto colonial e de ocupação da Palestina. Não é possível cometer crimes contra a humanidade, violar direitos humanos, ocupar, roubar, matar, prender, destruir, terra e povo, e ainda assim dizer que o que aconteceu hoje é sem precedentes. Sem precedentes para quem?

Como pessoas europeias e brancas temos o dever de nos informarmos de forma crítica, de não nos deixarmos endoutrinar por moralismos eurocêntricos, de exigir a quem nos representa politicamente a tão prometida descolonização, que inclui o boicote a Israel e o apoio à libertação da Palestina. A Palestina será livre porque o povo palestiniano tem o direito a ser livre.

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