Café sem café? Já replicaram a bebida sem os grãos (para proteger o planeta)
Empresa dos Estados Unidos afirma ter desenvolvido o “primeiro” café sem grãos. O objectivo é reduzir o impacto climático da bebida, evitando o consumo de água e a desflorestação.
Podemos beber café sem café? Uma jovem empresa norte-americana garante que sim. Uma start-up de Seattle prometeu apresentar, este fim-de-semana, o “primeiro” café produzido sem grãos. O objectivo é reduzir o impacto climático da bebida, evitando a desflorestação e o consumo de água.
“Pensamos o nosso produto para replicar o café original, comportando-se de maneira muito semelhante na preparação (usamos um torrador de café tradicional, por exemplo). Isto permite-nos oferecer o mesmo aroma e sabor, assim como a mesma sensação na boca, uma vez que é idêntico ao café ao nível molecular”, afirma ao PÚBLICO Ed Hoehn, director operacional da Atomo Coffee.
A inovação tem despertado o interesse dos investidores, que, segundo a Reuters, deram 51,6 milhões de dólares (o equivalente a cerca de 49 milhões de euros) ao projecto Atomo Coffee, na esperança de que a novidade seja bem-sucedida entre os consumidores – a exemplo do que aconteceu com bebidas vegetais que substituem o leite de vaca, por exemplo.
Para substituir os grãos, a Atomo Coffee recorre a alimentos e substâncias que “replicam exactamente a estrutura molecular do café tradicional”, assegura uma nota de imprensa.
“Tivemos de identificar os mesmos 28 compostos encontrados no café tradicional em outras fontes alimentares, todas elas naturais. Queríamos não só conseguir identificar os ingredientes e uma cadeia de abastecimento, mas também desenvolver um processo de fabricação que permitisse construir o negócio em escala”, diz Ed Hoehn.
Parte desses ingredientes são “reciclados”, garantem. É o caso das sementes de tâmara, um recurso que geralmente é visto como um resíduo pela indústria alimentar. A página da Atomo cita ainda entre os ingredientes extracto de semente de girassol, frutose, proteína de ervilha, milho, limão, goiaba, cafeína e bicarbonato de sódio.
“Em última análise, o maior desafio foi garantir que tudo no ritual de fazer o café permanecesse igual durante o processo de moagem e passagem da água quente”, acrescenta Ed Hoehn, numa resposta enviada por e-mail.
A Atomo garante que os testes, feitos durante o desenvolvimento do produto, indicam que o novo método gera não só menos 93% de gases com efeito de estufa, mas também consome menos 94% de água que o café original. Perante estes números, a revista Time considerou o produto uma das melhores invenções de 2022.
“Num mundo cada vez mais repleto de produtos alternativos à carne e ao leite, que se gabam de ostentar pequenas pegadas carbónicas, não é surpresa que os investidores tenham posto milhões de dólares na alternativa sustentável de café Atomo, permitindo que coloquem café sem grãos no mercado”, lê-se no texto da Time intitulado “Reimaginando o café”. O artigo refere que o sabor da cópia é fiel ao original, sendo a bebida apenas um pouco menos ácida.
Reduzir a desflorestação
À medida que a temperatura média do planeta sobe, o cultivo de variedades delicadas como a Arábica torna-se mais difícil. A solução é, muitas vezes, deslocar as zonas de cultivo para zonas mais altas, o que pode implicar desflorestação e destruição de ecossistemas. Estas mudanças do uso do solo são consideradas, depois da queima de combustíveis fósseis (petróleo, gás e carvão), a segunda maior causa da crise climática.
“O café está a causar desflorestação num ritmo bastante alarmante – algo equivalente a dez Central Parks [extensa zona verde de Nova Iorque] por dia”, disse o presidente executivo e co-fundador da Atomo, Andy Kleitsch, citado pela Reuters.
“Estamos a falar de uma máquina que nunca pára, que está sempre à procura de novos solos [à medida que os actuais se tornam improdutivos]”, acrescenta Andy Kleitsch, que apresenta o novo produto, juntamente com a equipa, no Festival do Café de Nova Iorque, que começou sexta-feira na cidade homónima.
Não é só a subida da temperatura que afecta a produção – há também a escassez hídrica e a geada fora de época. Vejamos o exemplo do Brasil, o maior produtor de café do mundo, que enfrentou uma seca severa em 2021. Entre Abril de 2020 e Dezembro de 2021, os preços do café aumentaram 70% com as secas e geadas a degradar as grandes zonas de cafeicultura.
O anúncio do El Niño este ano também pode ser uma má notícia para os produtores (e apreciadores) de café no mundo inteiro. Com piores colheitas, o preço do produto pode disparar.
“Parece que as influências negativas do El Niño são exacerbadas pelas alterações climáticas a longo prazo, o que é preocupante para os produtores de café e para a segurança alimentar em geral”, afirmou ao The Washington Post Aaron P. Davis, investigador e especialista no estudo de culturas e alterações globais no Royal Botanic Gardens, Kew, da Grã-Bretanha.
Daí que os criadores do café sem grãos acreditem que a nova bebida traz não só soluções climáticas, mas também alternativas aos consumidores. “Cerca de metade das terras de cultivo de café serão inadequadas para o cultivo nos próximos 50 anos. Isto significa que as propriedades agrícolas precisam migrar, provocando uma enorme desflorestação. A demanda por café está a aumentar, a oferta está a diminuir e o custo mantém-se sem causar mais danos ao ambiente”, disse Ed Hoehn ao PÚBLICO.
A empresa afirma já estar em negociações com “a maioria das principais empresas de café do mundo”, com o objectivo de encontrar parceiros para expandir o negócio.