Comunidades de Energia Renovável em municípios: o passo que falta na transição

A transição energética é inevitável, mas os desafios são grandes. O caminho tem de envolver municípios, quer pelo seu posicionamento estratégico, quer pela proximidade à comunidade.

Há uma revolução a decorrer que reabilita o sentido comunitário, com vantagens sociais, económicas e ambientais. Um novo paradigma na área da energia, disponível a todos e sustentado em mercados locais facilitadores de uma transição energética total, justa e democrática. São as Comunidades de Energia Renovável (CER), um conceito relativamente novo, no qual Portugal é pioneiro. Uma solução que possibilita que deixemos o tradicional papel de consumidores passivos e passemos a ter uma palavra a dizer na forma como se produz, compra, vende e partilha eletricidade, seja no litoral ou no interior.

A resposta passa por agir localmente e, com isso, reduzir os custos de produção e transporte, contribuindo para a descarbonização do mundo onde vivemos. Tudo isto, garantindo uma poupança real na fatura de eletricidade. Sendo esta solução tão vantajosa e, acima de tudo, enquadrada numa lógica local de funcionamento em comunidade, por que razão não há, ainda, uma forma de enquadrar as CER na definição de políticas públicas locais e de gestão dos territórios com os consequentes processos de contratação? O que falta? Mudar a legislação ou flexibilizar a existente?

A variedade de entidades a participar no setor energético pode torná-lo mais dinâmico e forte, contribuindo com respostas alternativas para a produção e consumo de energia, uma das quais será a constituição e dinamização das CER. A transição energética é inevitável, mas os desafios são grandes. O caminho tem de envolver municípios, quer pelo seu posicionamento estratégico, quer pela proximidade à comunidade. Na verdade, as câmaras são um dos elementos-chave para envolver os cidadãos, com uma participação direta nesta transição de que todos andamos há muito a falar, mas que é, ainda, pouco incentivada.

Neste caminho que é preciso trilhar, os municípios figuram como elementos fundamentais por várias razões: gerem o território e o seu desenvolvimento, são agentes locais de educação e disseminação de conhecimentos relacionados com o clima, o ambiente e a energia. Têm uma relação de forte proximidade com os cidadãos e empresas, essencial para a construção de redes locais. Podem intermediar e implementar programas e estratégias adaptadas às circunstâncias e necessidades locais, em particular no domínio energético.

Por tudo isto, é essencial envolver os municípios na transição energética, na descarbonização da economia, no combate (local e nacional) à pobreza energética e na democratização do setor. Então, o que é que falta? O que é que nos está a impedir de darmos mais este importante passo, rumo ao futuro?

As Comunidades de Energia Renovável (CER) encontram-se previstas no artigo 189.º do Decreto-Lei n.º 15/2022, de 14 de Janeiro, onde se determina: “A CER é uma pessoa coletiva constituída nos termos do presente decreto-lei, mediante adesão aberta e voluntária dos seus membros, sócios ou acionistas, os quais podem ser pessoas singulares ou coletivas, de natureza pública ou privada, incluindo, nomeadamente, pequenas e médias empresas ou autarquias locais, por estes controladas”.

Com base nestes pressupostos, fica claro que as autarquias podem constituir uma CER, em que entidades públicas e privadas colaborem, tornando possível atingir todos os benefícios que resultam da constituição de uma CER, tais como a redução da emissão de gases poluentes; a criação de empregos locais; a redução da dependência de combustíveis fósseis; a contribuição para as metas climáticas; a redução da conta de eletricidade; a geração de receita e a atração de investimentos.

Contudo, o facto de a CER ser um modelo ainda pouco implementado, aliado à falta de enquadramento na contratação pública e inexistência de modelos contratuais, faz com que a maioria dos municípios, apesar de reconhecerem interesse em dinamizar e participar em CER, resistam a avançar. O código dos contratos públicos está pensado para a despesa pública (custa X e tem de responder às necessidades Y), mas no caso das CER as necessidades não são facilmente quantificáveis. Por outro lado, os contratos de gestão de eficiência energética por Empresas de Serviços Energéticos (ESE) também não funcionam neste âmbito porque o fotovoltaico não pode ultrapassar mais de 50% do valor do projeto, mas na maioria dos casos é superior a isso e não se limita apenas a um edifício específico (que é uma exigência atual).

A resistência resulta também dos muitos obstáculos que encontram na autorização prévia do Tribunal de Contas, no licenciamento da Direção-Geral de Energia e Geologia (DGEG) ou na dificuldade que as áreas de contratação dos municípios têm em desenvolver os procedimentos de contratação pública adequados. A existência de pouca informação legislativa sobre o tema e a partilha pública do que tem sido o difícil processo de submissão e licenciamento parecem estar a levar ao bloqueio dos projetos. Em alguns casos, há também a dificuldade de saber quais as entidades a envolver e quais terão responsabilidades sobre o tema em causa, nomeadamente Comunidades Intermunicipais e Agências de Energia.

É urgente clarificar e agilizar todo o processo. Estamos convictos de que, em breve, vão surgir as primeiras CER municipais, mas tem sido um caminho demorado, e os municípios mais dinâmicos que, mediante pareceres jurídicos e consultas ao mercado, chegaram a uma solução precisam de ver as suas CER aprovadas porque será certamente isso que vai incentivar os próximos a avançar.

A autora escreve segundo o novo acordo ortográfico