Alan Friedlander: “Os recifes de coral remotos deram-nos uma janela para o passado”

Cientista-chefe de uma expedição em locais remotos do Pacífico descreve como os recifes de corais se têm mantido resilientes à ameaça do aquecimento dos oceanos.

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Alan Friedlander Steve Spence/National Geographic Pristine Seas

Neste preciso momento, Alan Friedlander está em plena expedição científica em busca de mais informação sobre ecossistemas marinhos em zonas remotas do Pacífico. Nesta viagem, recifes de coral de zonas mais recônditas – mas ainda assim afectadas pelo aquecimento global – têm mostrado a sua resiliência e demonstrado que podem ser uma boa ferramenta na conservação de corais por outras paragens.

“Os recifes de coral remotos que estudámos deram-nos uma janela para o passado”, indica o cientista-chefe da expedição ao PÚBLICO por e-mail, a partir do Pacífico. “Deram-nos um vislumbre, sem precedentes, de como estes ecossistemas [os recifes de coral] funcionam na ausência de uma influência directa dos seres humanos.”

A expedição em que participa inclui-se no programa Mares Prístinos (Pristine Seas, em inglês) da National Geographic, que integrou mais de 40 expedições desde 2008. Agora, estão no Pacífico. Esta viagem científica vai englobar o Kiribati, a Tongareva, Niue, e a República das Ilhas Marshall, sempre com uma preocupação: a forma como as alterações climáticas pode afectar os ecossistemas.

Quais têm sido os principais destaques da expedição no Kiribati, em Tongareva, em Niue e na República das Ilhas Marshall?
Kiribati: em 2009, fizemos a nossa primeira expedição científica subaquática para um grupo de ilhas onde se inclui o Kiribati. Em 2016, essas ilhas tiveram um aquecimento sem precedentes nas suas águas oceânicas. A nossa expedição – a Mares Prístinos – voltou à região em 2021 e 2023, o que nos deu uma oportunidade inigualável para investigar a resiliência dos recifes de coral ao aquecimento global, concretamente nessa área.

Analisámos todo esse ecossistema marinho, desde corais até tubarões, a partir de ADN ou da fotogrametria. Esses dados deram-nos uma rara visão de recifes de corais muito bem preservados e mostraram-nos a sua resiliência.

Tongareva: em Junho, houve uma expedição colaborativa entre a Mares Prístinos​, o Ministério dos Recursos Marítimos, o Serviço Nacional Ambiental, a Natural Heritage Trust [uma plataforma de investimento para protecção ambiental] e a própria comunidade em Tongareva. Basicamente, fez-se um pequeno estudo num atol pouco estudado das Ilhas Cook. A equipa seguiu a movimentação de tubarões, avaliou a sua abundância e tamanho, bem como a saúde dos recifes em geral.

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Cientista assinala que a pesca ilegal é um dos grandes desafios na protecção dos ecossistemas marinhos National Geographic Pristine Seas

Niue: juntamente com os investigadores de Niue, fizemos uma investigação científica, que envolveu o estudo de atóis, baleias e da zona costeira. Esta foi a primeira análise científica no monte submarino de Antíope, o que revelou a abundância de vida marinha e a sua enorme ligação a toda a zona económica exclusiva de Niue. Voltámos também a estudar recifes já investigados em 2016 e completamente protegidos em 2017.

Percebemos que, desde então, a cobertura de corais aumentou cerca de 40% durante este período e a biomassa dos peixes cresceu 60%. Já a biomassa de tubarões e outros predadores aumentou 45% desde que esta área ficou protegida. De forma geral, os ecossistemas marinhos de Antíope e do atol de Beveridge estão muito saudáveis, mas outros ecossistemas à volta de Niue poderão ter uma protecção maior e uma melhoria da sua gestão.

República das Ilhas Marshall: a nossa expedição às Ilhas Marshall foi liderada por investigadores locais. Estudámos as ilhas mais remotas de Bikar e Bokak. Acabámos por encontrar alguns dos ecossistemas marinhos mais saudáveis das Ilhas Marshall e da região. As Ilhas Marshall têm um grande número de predadores, como tubarões e garoupas, bem como recifes de coral saudáveis que sobreviveram ou recuperaram a aquecimentos globais anteriores.

Como me descreve a situação dos recifes de coral remotos que estudaram no Pacífico?
Os recifes de coral remotos que estudámos deram-nos uma janela para o passado. Deram-nos um vislumbre, sem precedentes, de como esses ecossistemas funcionam na ausência da influência directa dos seres humanos. Estes recifes são também as únicas verdadeiras bases de referência que temos para entender o que perdemos noutros locais. Também nos podem dar pistas fundamentais para que arranjemos esforços de conservação e restauração mais eficazes.

Tem alguma preocupação relativamente à situação dos recifes de coral mais remotos do Pacífico?
É importante proteger esses locais antes que se percam. O grande impacto directo nesses locais é o da pesca ilegal. A frota de pesca em alto-mar tem milhares de embarcações, mas pouca regulamentação. Essas embarcações geram grandes quantidades de destroços, incluindo redes de pesca e vários tipos de plástico que acabam por chegar aos recifes.

A criação de áreas marinhas protegidas é uma ferramenta que já demonstrou ser eficaz e sem grandes custos para assegurar a saúde do oceano e evitar catástrofes ambientais – ainda que actualmente apenas 3% do oceano tenham uma protecção realmente forte. Há hoje um compromisso global para proteger 30% da terra e do mar até 2030 para que as ameaças de extinção e a perda de valor dos ecossistemas possam ser minimizados.

Mesmo assim, há hoje uma necessidade urgente para que se aumente o apoio à conservação do oceano para que tanto as pessoas como a natureza possam prosperar. A longo prazo, temos de travar as emissões de dióxido de carbono e reduzir a pegada humana no planeta. A longo prazo, as alterações climáticas são a maior ameaça para os recifes e para o mundo. As áreas marinhas protegidas e as zonas geridas a nível local permitem-nos ganhar tempo enquanto tentamos resolver a crise climática.