Lago glaciar transborda e causa mais de 40 mortes nos Himalaias indianos. Há dezenas de desaparecidos
É uma das piores catástrofes registadas na região em 50 anos. Os Himalaias têm sido afectados por fenómenos meteorológicos extremos, que os cientistas dizem ser agravados pelas alterações climáticas.
O estado montanhoso de Sikkim, nos Himalaias indianos, mergulhou no caos na quarta-feira, quando chuvas fortes e uma aparente avalanche fizeram transbordar um lago glaciar e causaram inundações na região. Pelo menos 40 pessoas morreram e estima-se que 75 pessoas estejam ainda desaparecidas, naquela que é uma das piores catástrofes registadas na região em 50 anos. Esta sexta-feira, as equipas de salvamento continuam a procurar dezenas de desaparecidos, informaram à Reuters as autoridades governamentais.
O transbordar do lago Lhonak, no estado montanhoso de Sikkim, no nordeste da Índia, depois de chuvas torrenciais e uma aparente avalanche, causou grandes inundações no rio Teesta. Trata-se de uma das piores catástrofes registadas na região em mais de 50 anos e a última de uma série de fenómenos meteorológicos extremos que causaram danos generalizados nos Himalaias nos últimos anos, atribuídos pelos cientistas às alterações climáticas.
O Departamento de Meteorologia da Índia informou que Sikkim teve 101 mm de chuva nos primeiros cinco dias de Outubro, mais do dobro dos níveis normais, desencadeando inundações piores do que as de Outubro de 1968, em que cerca de mil pessoas morreram. De acordo com as autoridades de Sikkim, a última catástrofe afectou a vida de 22 mil pessoas, tendo ocorrido antes de uma época festiva e turística popular na região.
Cientistas e autoridades governamentais estavam a trabalhar num sistema de alerta precoce para inundações glaciares no lago Lhonak, que poderia ter dado às pessoas mais tempo para serem retiradas se estivesse totalmente operacional, disseram à Reuters autoridades envolvidas no projecto.
Localidades isoladas
"O nível da água baixou em algumas zonas, mas o norte de Sikkim ficou totalmente isolado. As equipas de socorro não conseguem chegar às áreas afectadas", disse Tseten Bhutia, um membro do governo, à Reuters por telefone. As redes de telecomunicações móveis e fixas não estavam a funcionar na zona, acrescentou.
Cerca de 2400 pessoas foram retiradas até ao momento e 7600 pessoas encontram-se em campos de assistência, disse Bhutia. As instituições privadas e governamentais foram encerradas na zona até 15 de Outubro.
As autoridades de Sikkim tinham estimado o número de mortos em 18 pessoas na quinta-feira à noite. As autoridades do estado vizinho de Bengala Ocidental disseram à Reuters que as equipas de emergência recuperaram outros 22 corpos que tinham sido arrastados pelas águas.
Destruição pelo caminho
Prevê-se chuva forte em partes da região nesta sexta-feira, mas a intensidade dos aguaceiros deverá diminuir, segundo o Departamento de Meteorologia da Índia. O Exército disse que está a planear retirar cerca de 1500 turistas retidos utilizando helicópteros, à medida que o tempo na região vai melhorando.
Quinze pontes da região foram varridas pelas águas, dificultando as operações de salvamento. Todas as pontes a jusante de uma central hidroeléctrica da NHPC, Teesta-V, ficaram submersas ou foram levadas pelas águas, informou o governo indiano.
Sikkim, um pequeno Estado budista com cerca de 650 mil habitantes, situado nas montanhas entre o Nepal, o Butão e a China, ficou isolado de Siliguri, em Bengala Ocidental, devido ao desmoronamento da principal auto-estrada que o liga ao resto do país.
Explosivos levados pelas águas
Fotos e vídeos nas redes sociais mostram estradas e caminhos cobertos de lodo e pedras, veículos atolados e pequenos ribeiros lamacentos que correm pelas encostas.
Equipamento militar, incluindo armas de fogo e explosivos, foi arrastado pelo rio Teesta, afirmou um porta-voz do Ministério da Defesa numa publicação nas redes sociais.
Um morteiro foi apanhado por pessoas num distrito vizinho do estado de Bengala Ocidental, tendo explodido mais tarde, matando uma criança e ferindo seis pessoas, disse o deputado municipal Pradeep Kumar Barma à agência noticiosa ANI.
Sistema de alerta precoce não estava pronto
Cientistas e autoridades governamentais estavam a trabalhar num sistema de alerta precoce para inundações glaciares num lago dos Himalaias, no nordeste da Índia, quando este transbordou esta semana com consequências mortais. Os pormenores do sistema de alerta do lago Lhonak, contudo, não tinham sido divulgados anteriormente.
A primeira parte do sistema, uma câmara para monitorizar o nível do lago Lhonak e os instrumentos meteorológicos, foi instalada no mês passado, disseram à Reuters funcionários envolvidos no projecto. Se estivesse totalmente operacional, o sistema de alerta poderia ter dado mais tempo às pessoas para saírem do local, disseram os cientistas.
"É realmente absurdo", disse o geógrafo Simon Allen, da Universidade de Zurique, que está envolvido no projecto. "O facto de ter acontecido apenas duas semanas depois de a nossa equipa ter estado no local foi um azar total".
Allen disse que planeavam acrescentar um sensor de disparo que seria accionado se o lago estivesse prestes a rebentar. Este sensor seria ligado a um sistema de alerta que avisaria os residentes para saírem imediatamente. "O governo indiano não estava preparado para o fazer este ano, pelo que o processo estava a ser feito em duas fases", disse.
A configuração exacta do sistema ainda está em desenvolvimento, disse à Reuters um membro do governo indiano com conhecimento dos pormenores do projecto.
Prevenção difícil
Os dispositivos de monitorização instalados deveriam enviar dados às autoridades, mas a câmara perdeu energia no final de Setembro por razões desconhecidas, de acordo com uma fonte da embaixada suíça, que apoiou o projecto.
Um membro do governo indiano com conhecimento do projecto disse que o plano era testar os primeiros sistemas de alerta precoce da Índia para inundações glaciais no lago Lhonak e outro no vizinho Shako Cho, em Sikkim, antes de expandir para outros lagos perigosos.
Há anos que os cientistas afirmam que estes dois lagos correm o risco de inundações súbitas, mas o processo de concepção e a procura de financiamento fez com que o tempo passasse sem progressos.
Farooq Azam, glaciologista do Instituto Indiano de Tecnologia de Indore, observou que, mesmo que o sistema estivesse a funcionar, os potenciais benefícios não seriam claros. "Este tipo de acontecimentos é tão rápido que, mesmo que tenhamos um sistema de alerta precoce, podemos ganhar apenas alguns minutos, talvez uma hora", afirmou.