Um novo volume de águas radioactivas oriundas da central nuclear de Fukushima, previamente tratadas, começou a ser despejado no oceano Pacífico esta quinta-feira às 10h18 (hora local, 2h18 em Portugal). Esta operação faseada de descarga tem o aval da Agência Internacional de Energia Atómica – mas está a desagradar à China e à Rússia.
“As inspecções após a primeira descarga foram concluídas. A [segunda] descarga começará a 5 de Outubro”, referiu uma fonte da Tokyo Electric Power (Tepco), a empresa que gere a Central de Fukushima Daiichi, citada pela agência francesa AFP.
A operação de descargas deverá durar cerca de três décadas. Ao todo, havia 1,34 milhões de toneladas de água radioactiva nos reservatórios de Fukushima Daiichi, cujos reactores foram destruídos por um tsunami em 2011. O plano de escoamento destas águas filtradas, aprovado há dois anos pelo Governo japonês, é considerado uma peça-chave do processo de desmantelamento da central nuclear.
Este enorme volume de água, que daria para encher mais de 500 piscinas olímpicas, serviu sobretudo para arrefecer os reactores após o desastre. Para que a central seja desmantelada, os gigantescos reservatórios que hoje guardam esse caudal têm de ser esvaziados. E daí a importância, segundo os responsáveis japoneses, de retirar gradualmente água dos tanques de Fukushima Daiichi.
Depois da China vem a Rússia?
Após a primeira fase de descarga, que consistiu na descarga de 7800 toneladas de água no Pacífico, entre 24 de Agosto e 11 de Setembro, a China proibiu todas as importações produtos aquáticos japoneses.
Pequim manifesta-se “muito preocupada com o risco de contaminação radioactiva provocada pelos produtos alimentares e agrícolas do Japão”, refere a autoridade alfandegária chinesa num comunicado.
A Rússia afirmou esta quarta-feira que o Japão não forneceu todas as informações sobre as descargas de água radioactiva, apesar dos reiterados pedidos tanto de Moscovo como de Pequim.
“Nós e a China instámos repetidamente o Japão a ser transparente e a facultar a todos os Estados interessados acesso irrestrito às informações sobre a descarga de água da central nuclear”, sublinhou a porta-voz do Ministério dos Negócios Estrangeiros russo, Maria Zakharova, citada pela Reuters.
“O Japão não fez isso”, disse Zakharova. “O Japão não conseguiu responder adequadamente a estas questões e não garantiu a ausência de uma ameaça, incluindo uma ameaça de longo prazo”, acrescentou.
A Rússia aventa a hipótese de se juntar à China no embargo aos produtos nipónicos. A agência russa de segurança alimentar, a Rosselkhoznadzor, afirmou no dia 26 de Setembro que estava a debater a questão das exportações japonesas com a entidade homóloga em Pequim.
“Tendo em conta os possíveis riscos de contaminação radioactiva dos produtos, a Rosselkhoznadzor está a considerar a possibilidade de aderir às restrições chinesas ao fornecimento de produtos piscícolas provenientes do Japão”, disse a agência russa num comunicado citado pela Reuters.
“A decisão final será tomada após negociações com o lado japonês”, acrescenta o documento. A Rússia, um dos maiores fornecedores de produtos marinhos da China, ambiciona expandir a quota de mercado, refere a Reuters.
Só este ano, a Rússia importou 118 toneladas de produtos aquáticos do Japão. Moscovo afirma ter enviado uma carta ao Japão mencionando a importância de testar a radioactividade presente nos bens alimentares exportados até 16 de Outubro, incluindo o trítio.
A questão do trítio
O Japão garante que a operação é segura e que os ecossistemas marinhos não são afectados pela água filtrada de Fukushima. As águas radioactivas dos tanques passam por um tratamento, asseguram as autoridades nipónicas, capaz de remover a maior parte dos elementos radioactivos à excepção do trítio.
O trítio está presente nas águas de Fukushima sob a forma de água tritiada (HTO). Trata-se de uma molécula de difícil separação devido ao seu comportamento químico, que é semelhante ao da água não radioactiva.
Apesar de este elemento químico, em baixas quantidades, ser relativamente inofensivo para os seres vivos, a sua maior abundância nas águas japonesas tem causado apreensão e pode abalar ainda mais a confiança dos consumidores.
“Tal como aconteceu na primeira descarga, continuaremos a monitorizar os níveis de trítio. Continuaremos a informar o público de forma compreensível e com base em dados científicos”, disse Akira Ono, funcionário da Tepco, aos repórteres na quinta-feira dia 28 de Setembro, citado pela AFP.
Como não se consegue separar o trítio da água, foi necessário diluir o conteúdo dos reservatórios até que este apresentasse os níveis considerados aceitáveis pela Agência Internacional de Energia Atómica. Esta agência das Nações Unidas deu luz verde para a operação: após dois anos de análise, a entidade concluiu que as descargas teriam um “impacto radiológico negligenciável para as pessoas e o ambiente”.
O Ministério do Ambiente do Japão garante que os resultados da análise da água do mar, colhida no dia 19 de Setembro, mostram que as concentrações de trítio estavam abaixo do limite inferior de detecção em todos os 11 pontos de amostragem. Por outras palavras, refere a Reuters, não teriam efeitos nocivos na saúde humana ou nos ecossistemas.
No dia 11 de Março de 2011, um terramoto de magnitude 9 na escala de Richter, seguido de um tsunami, abalaram a costa nordeste do Japão, levando à ruptura de três reactores da unidade.
Os danos estruturais eram demasiado grandes, pelo que as autoridades japonesas optaram pelo desmantelamento da central. A fuga de material radioactivo – incluindo grandes quantidades de Césio-137 – contaminou a área circundante.
Nas semanas que se seguiram ao desastre de 2011, foram encontrados iodo e césio radioactivos na água, no leite, no peixe e em diferentes vegetais japoneses. Tantos os pescadores como os agricultores da região envidam, há mais de uma década, todos os esforços para restaurar a reputação dos produtos locais. Agora, temem que o plano de descarga volte a abalar a actividade que é, para muitas famílias, um meio de subsistência.
“O que dizemos aos pescadores é que temos equipamentos para tratar a água com segurança”, afirmou à Reuters Tomohiko Mayuzumi, porta-voz da Tepco, em declarações numa visita à central nuclear em Março deste ano. Para provar que o produto da pesca é seguro, a Tepco cultiva linguado nos próprios tanques.
Com um objectivo semelhante, o gabinete do Presidente da Coreia do Sul, Yoon Suk Yeol, anunciou na semana passada que o chefe de Estado almoçou marisco. Ao dar o exemplo, Yeol pretendia passar uma mensagem de tranquilidade à população no que toca à segurança alimentar do produto da pesca na região.
Notícia actualizada às 12h09: foi acrescentada a hora do início da descarga.