O PS e o novo cardeal

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Tenho assistido com incredulidade à forma como altos dirigentes do Partido Socialista se têm relacionado com Américo Aguiar e reagido à sua ascensão na cúria romana.

Uma coisa é, num quadro de um Estado laico, existirem boas relações institucionais, tanto com o Vaticano, como com a comunidade católica portuguesa e os seus representantes, sabendo-se que o catolicismo é a religião com maior número de crentes (praticantes e não praticantes) em Portugal, e que a Igreja Católica desempenha uma relevantíssima função social em domínios como a saúde, a educação, o apoio à terceira idade, o apoio aos mais desfavorecidos, etc., muitas vezes suprindo a falta de respostas do próprio Estado.

Noutro plano, também admito que políticos progressistas vejam com bons olhos o surgimento na Igreja Católica de um novo aggiornamento trazido pelo Papa Francisco, que propõe uma conceção teológica e uma prática pastoral socialmente engajadas e muito mais próximas daqueles que sofrem.

Nesse sentido, os passos que têm sido dados pelo Papa Francisco no caminho da renovação da cúria romana e da nomeação de novos cardeais próximos da visão da Igreja que defende é algo que deve ser saudado por aqueles que têm do mundo uma conceção humanista e solidária. É nesse contexto que se insere a ascensão de Américo Aguiar, uma figura confessadamente próxima do Papa Francisco.

Por último, também admito que as funções exercidas por Américo Aguiar, como responsável máximo da Jornada Mundial da Juventude, ocorrida em Portugal no mês de agosto, tendo em conta a intensidade da colaboração exigida com o Governo e demais instâncias do poder político, tenha contribuído, por via das relações institucionais, para o estreitamento das relações pessoais com muitos dos protagonistas políticos.

Tudo isto é razoável e perfeitamente compreensível, sobretudo atentas as qualidades humanas de Américo Aguiar, as suas elevadas competências socioemocionais e relacionais e até mesmo o seu percurso de vida sui generis para homem da Igreja, onde se conta um forte empenhamento cívico e até uma passagem fugaz pela política como autarca do PS, a convite de Narciso Miranda, antes de se decidir pela carreira sacerdotal.

Todavia, nada disto justifica, na minha opinião, a inusitada e ostensiva colagem que tem sido feita pelas principais figuras do Partido Socialista, e não exclusivamente por governantes, que se acotovelam para posar ao lado de Américo Aguiar, chegando ao ponto de uma comitiva oficial do Partido Socialista se ter deslocado a Roma para participar nas cerimónias da sua nomeação como novo cardeal.

Creio tratar-se de uma prática sem precedentes em democracia, que promove uma imagem de excessiva proximidade entre dirigentes partidários e um alto dignitário religioso, que não salvaguarda o princípio da separação entre a Igreja e o Estado, inscrita no código genético de um partido “socialista, republicano e laico”, e que cria, creio, um embaraço ao próprio Américo Aguiar, que estou seguro de que quererá manter a sua independência face ao poder político e preservar a sua imagem de homem independente ao serviço de uma Igreja de "todos, todos, todos", como não se cansa de repetir.

O autor escreve segundo o novo acordo ortográfico

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