Nobel da Química distingue a descoberta dos minúsculos pontos quânticos

A edição deste ano destaca a área da nanotecnologia quântica na atribuição do Nobel da Química, premiando os cientistas Alexei Ekimov, Louis Brus e Moungi Bawendi.

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Moungi Bawendi recebeu a notícia na companhia do cão e é um dos premiados com o Nobel da Química, juntamente com Alexei Ekimov e Louis Brus BRIAN SNYDER/REUTERS

O Prémio Nobel da Química de 2023 distingue os cientistas Alexei Ekimov, Louis Brus e Moungi Bawendi, pelo seu contributo para a criação dos chamados “pontos quânticos” – partículas minúsculas de semicondutores que podem ser aplicadas em transístores, lasers ou computadores quânticos (sem ocupar muito espaço).

O Comité do Nobel destaca o papel destes cientistas na “descoberta e desenvolvimento dos pontos quânticos, nanopartículas tão pequenas que o seu próprio tamanho determina as suas propriedades”. Estes pontos quânticos têm, geralmente, entre dois e cinco nanómetros, ou seja, um milionésimo de milímetro – algo irrisoriamente pequeno.

No entanto, é o formato destes nanocristais que permite pensar na sua utilização para criar processadores mais pequenos e rápidos, produzir semicondutores com menores custos (a maioria da nossa tecnologia, como a inteligência artificial, depende destes circuitos integrados, conhecidos em inglês como chips) ou ainda no tratamento de cancro (colocando os pontos quânticos como “alvos”). Estas estruturas artificiais, criadas em laboratório (daí também lhes chamarem “átomos artificiais”), conseguem confinar os electrões em espaços minúsculos, o que, além de os tornar úteis nalgumas aplicações, também permite estudar como as partículas quânticas se comportam (um enigma que vai sendo desmontado pela física e pela química).

Estas são apenas algumas possibilidades destes pontos quânticos, ainda sem muitas aplicações práticas – mas já estão presentes nos televisores LED, para permitir maior qualidade das cores, por conseguir propagar outras frequências de luz.

O cientista russo Alexei Ekimov, na altura a trabalhar no Instituto Estatal de Óptica Vavilov (Rússia) – e que agora é cientista-chefe na empresa Nanocrystals Technology, em Nova Iorque (EUA) , sintetizou pela primeira vez nanocristais (aquilo que depois viríamos a chamar “pontos quânticos”) no final dos anos 1970, num trabalho seguido pelo químico norte-americano Louis Brus, da Universidade de Colúmbia (Estados Unidos). Ambos conseguiram produzir estes nanocristais, com Louis Brus a atingir o ponto de suspensão coloidal, no qual os nanocristais estavam na sua forma líquida – e assim são mais fáceis de controlar.

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Alexei Ekimov, Louis Brus e Moungi Bawendi são os vencedores do Nobel da Química deste ano DR

No entanto, só em 1993 é que foram produzidos os primeiros pontos quânticos de elevada qualidade, através do contributo de Moungi Bawedi, norte-americano com ascendência franco-tunisina que trabalha no Instituto de Tecnologia do Massachusetts. A sintetização coloidal, aplicada nesse trabalho, ainda é a técnica mais eficaz para criar estes nanocristais: um processo químico no qual se aquece a solução (com cloreto de cobre e outros compostos, por exemplo) para criar moléculas simples, os monómeros, que serão “cozidos” a altas temperaturas até atingir o volume necessário para o ponto quântico pretendido. Esta técnica garante um maior controlo aos cientistas, já que é a concentração de monómeros que determina o formato e tamanho do ponto quântico.

Os nomes dos laureados deste ano não foram, no entanto, uma surpresa. A agência Reuters avançava cedo, na manhã desta quarta-feira, os nomes destes três cientistas depois da publicação de um email da academia sueca com as nomeações, revelado pelo jornal sueco Aftonbladet. “Lamentamos profundamente que isto tenha acontecido”, afirmou Hans Ellegren, secretário-geral da Academia Real de Ciências Sueca, após o anúncio dos vencedores deste Nobel. Os nomes foram divulgados duas horas antes da reunião final do comité para este Prémio Nobel, onde é tomada a decisão final.

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Moungi Bawedi é um dos laureados com o Nobel da Química deste ano Instituto de Tecnologia do Massachusetts

Colorir os pontos quânticos

Os pontos quânticos são uma classe de materiais diferentes das que conhecemos – funcionam numa escala inimaginável para nós. Mas há comparações possíveis: um ponto quântico tem uma diferença de tamanho para uma bola de futebol similar à diferença que uma bola de futebol tem para o planeta Terra. Tal como no Prémio Nobel da Física deste ano, viajamos para uma escala muito mais pequena do que podemos imaginar.

A sua descoberta, no final dos anos 1970, aconteceu através das cores do vidro. Os vidreiros conhecem bem este fenómeno: se utilizarmos elementos químicos como ouro, prata ou selénio, por exemplo, alteramos as propriedades ópticas do vidro – como a fluorescência e a transparência. Por exemplo, uma mistura de seleneto de cádmio e sulfito de cádmio tornam um vidro amarelo ou vermelho (dependendo de como era aquecido e arrefecido o vidro).

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O premiado Louis Brus, da Universidade de Colúmbia (Estados Unidos) REUTERS

As cores são importantes nesta matéria: uma das propriedades dos pontos quânticos é terem cores diferentes para diferentes propriedades. Alexei Ekimov partiu deste quadro para construir a experiência que originou estes nanocristais, através de uma mistura de cloreto de cobre para criar vidro.

“Os pontos quânticos mais pequenos brilham em tons azuis, enquanto os maiores têm tons amarelos e vermelhos. Apenas variam em tamanho, mas este tamanho muda muitas das propriedades – térmicas, eléctricas ou magnéticas”, explicou Johan Aqvist, responsável pelo Comité do Nobel da Química, na conferência do anúncio do Prémio Nobel da Química. Alguns anos mais tarde, foi Louis Brus a provar o mesmo em partículas que flutuavam num líquido. E já nos anos 1990, Moungi Bawendi tornou este processo “quase perfeito”, como classifica Johan Aqvist.

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O Nobel da Química foi anunciado esta manhã em Estocolmo, na Suécia Haakon Mosvold Larsen/Scanpix Norway/REUTERS

“Durante muito tempo, nunca ninguém pensou que se pudessem criar partículas tão pequenas, mas os laureados deste ano conseguiram-no. Para os pontos quânticos serem úteis, era necessário fazê-los com um controlo incrível do volume e da superfície destas partículas”, referiu Johan Aqvist, sublinhando o papel do trabalho de Moungi Bawendi nesta matéria.

O químico radicado no Instituto de Tecnologia do Massachusetts esteve mesmo presente, por chamada telefónica, na conferência após o anúncio dos premiados, onde revelou não saber que o seu nome tinha sido referido como um dos vencedores horas antes. “Muito surpreendido, ensonado, chocado e muito honrado”, descreveu Moungi Bawendi sobre a sequência de emoções após a confirmação de que era um dos premiados com o Nobel da Química deste ano. Além do prestígio associado ao Nobel, também há um prémio monetário de 11 milhões de coroas suecas (923 mil euros) para os vencedores.

Durante a conferência após o anúncio dos vencedores, o Comité do Nobel foi questionado sobre a distinção do cientista russo Alexei Ekimov, perante o contexto da invasão da Ucrânia pela Rússia em Fevereiro do ano passado: “Quando seleccionamos os premiados, apenas seguimos o procedimento de identificar as descobertas mais importantes e os seus principais contribuintes. A nacionalidade não é relevante aqui”, defendeu Hans Ellegren.

O Nobel mais velho

Desde 1901, os Prémios Nobel são atribuídos anualmente pela Academia Real das Ciências da Suécia, pelo Comité do Nobel e pelo Instituto Karolinska a pessoas ou organizações com contributos excepcionais nas áreas da medicina, da física, química, literatura, economia e da paz. Em mais de um século, estas distinções criadas por Alfred Nobel já galardoaram mais de 900 pessoas e organizações – entre as quais apenas 63 mulheres.

Em 2022, o Comité do Nobel distinguiu a “química do clique”: uma simples e eficaz ferramenta de construção molecular. Os cientistas Barry Sharpless, Morten Meldal e Carolyn Bertozzi foram laureados pelo desenvolvimento destas ferramentas que tentam ligar moléculas como se fossem peças de Lego – um mecanismo útil na criação de novos materiais ou novos fármacos, por exemplo.

Como nas restantes categorias destacadas pelos Prémios Nobel, também na Química há disparidades na representação das mulheres cientistas. Entre os 189 premiados com este Nobel, apenas oito eram mulheres (quatro das quais laureadas nos últimos cinco anos). A primeira premiada foi Marie Curie (1911, pela descoberta e estudo dos elementos químicos rádio e polónio), já depois de ter recebido o Nobel da Física em 1903 – tornou-se a primeira pessoa a ter dois Prémios Nobel, algo que apenas outras quatro pessoas repetiram em mais de um século.

Mas há outros nomes familiares nesta lista de laureados, como Emmanuelle Charpentier e Jennifer Doudna (2020, pelo desenvolvimento da ferramenta de edição do genoma CRISPR/Cas9), ou Paul Crutzen, Mario Molina e Frank Sherwood Rowland (1995, pelos trabalhos em torno da formação e decomposição do ozono e que alertaram para a destruição da camada de ozono).

Há também factos curiosos com o Nobel da Química: o cientista mais velho a ser premiado é John B. Goodenough, que tinha 97 anos quando recebeu esta distinção em 2019, pelo contributo para as baterias de lítio (que estão em quase todos os nossos equipamentos electrónicos).

O Nobel da Química atribuído esta quarta-feira é o terceiro da edição de 2023, depois do Nobel da Medicina, que este ano distinguiu Katalin Karikó e Drew Weissman pelas descobertas que permitiram o desenvolvimento de vacinas contra a covid-19, e do Nobel da Física, que premiou Anne L’Huillier, Ferenc Krausz e Pierre Agostini pelos trabalhos sobre os electrões à escala dos atossegundos.

Depois destes três prémios, há outros três anúncios nos próximos dias: esta quinta-feira, ficaremos a conhecer o Nobel da Literatura; na sexta-feira, o Nobel da Paz; e, por fim, o Nobel da Economia será atribuído na próxima segunda-feira.

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