Papa Francisco admite a possibilidade de dar bênçãos a casais do mesmo sexo

Francisco respondeu a cinco cardeais conservadores que o desafiaram a afirmar os ensinamentos da Igreja sobre a homossexualidade.

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Papa Francisco Nelson Garrido/Arquivo
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O Papa Francisco sugeriu que poderia haver formas de abençoar as uniões entre pessoas do mesmo sexo, respondendo a cinco cardeais conservadores que o desafiaram a afirmar os ensinamentos da Igreja sobre a homossexualidade antes de uma grande reunião em que os católicos LGBTQ+ estão na ordem do dia.

O Vaticano publicou esta segunda-feira uma carta que Francisco escreveu aos cardeais a 11 de Julho, depois no dia anterior ter recebido uma deles com uma lista de cinco perguntas. Na missiva, o Papa Francisco sugere que as bênçãos poderiam ser estudadas se não confundissem a bênção com o casamento sacramental.

O New Ways MInistry, um ministério de defesa e justiça para católicos lésbicas, gays, bissexuais e transgénero disse que a carta "avança significativamente" nos esforços para que os católicos LGBTQ+ sejam bem-vindos na Igreja e é "uma grande gota de água para quebrar a espinha" da sua marginalização.

O Vaticano defende que o matrimónio é uma união indissolúvel entre homem e mulher. Por conseguinte, há muito que se opõe ao casamento homossexual.

Mas até o Papa Francisco manifestou apoio a leis civis que estendem benefícios legais a cônjuges do mesmo sexo, e os padres católicos em algumas partes da Europa têm abençoado uniões do mesmo sexo sem a censura do Vaticano.

A resposta de Francisco aos cardeais marca uma inversão da actual posição oficial do Vaticano. Numa nota explicativa de 2021, a Congregação para a Doutrina da Fé afirmou categoricamente que a Igreja não podia abençoar as uniões homossexuais porque "Deus não pode abençoar o pecado".

Na sua nova carta, Francisco reiterou que o matrimónio é uma união entre um homem e uma mulher. Mas respondendo à pergunta dos cardeais sobre uniões homossexuais e bênçãos, ele disse que a "caridade pastoral" requer paciência e compreensão e que, independentemente disso, os padres não podem se tornar juízes "que apenas negam, rejeitam e excluem".

"Por esta razão, a prudência pastoral deve discernir adequadamente se existem formas de bênção, pedidas por uma ou mais pessoas, que não transmitam uma concepção errada do casamento", escreveu.

"Porque quando se pede uma bênção, está-se a exprimir um pedido de ajuda a Deus, uma súplica para poder viver melhor, uma confiança num pai que nos pode ajudar a viver melhor", frisou.

Fazendo notar que há situações que "moralmente inaceitáveis", o Papa considera que a mesma "caridade pastoral" exige que as pessoas sejam tratadas como pecadoras que podem não ser totalmente culpadas pela sua situação.

Francisco acrescentou que não é necessário que as dioceses ou as conferências episcopais transformem essa caridade pastoral em normas ou protocolos fixos, dizendo que a questão pode ser tratada caso a caso "porque a vida da Igreja funciona em canais para além das normas".

Francis DeBernardo, director-executivo da New Ways Ministry, saudou a abertura do Papa.

"A autorização para que os ministros pastorais abençoem casais do mesmo sexo implica que a Igreja reconhece, de facto, que pode existir amor sagrado entre casais do mesmo sexo e que o amor destes casais reflecte o amor de Deus", afirmou numa declaração.

"Esses reconhecimentos, embora não sejam completamente o que os católicos LGBTQ+ desejariam, são um enorme avanço em direcção a uma igualdade mais completa e abrangente."

Os cinco cardeais, todos prelados conservadores da Europa, Ásia, África e Américas, desafiaram Francisco a afirmar o ensino da Igreja sobre gays, ordenação de mulheres, autoridade do papa e outras questões em sua carta.

Publicaram o material dois dias antes do início de um importante sínodo de três semanas no Vaticano, em que os católicos LGBTQ+ e o seu lugar na Igreja estão na ordem do dia.

Os signatários são alguns dos críticos mais veementes de Francisco, todos eles reformados e pertencentes à geração mais doutrinária de cardeais nomeados por João Paulo II ou pelo Papa Bento XVI.

Os cardeais Walter Brandmueller, da Alemanha, antigo historiador do Vaticano, Raymond Burke, dos Estados Unidos, a quem Francisco nomeou chefe do Supremo Tribunal do Vaticano, Juan Sandoval, do México, arcebispo reformado de Guadalajara, Robert Sarah, da Guiné, chefe reformado do gabinete de liturgia do Vaticano, e Joseph Zen, arcebispo reformado de Hong Kong.

Brandmueller e Burke estavam entre os quatro signatários de uma anterior ronda de perguntas ("dúbia") dirigida a Francisco em 2016, na sequência da sua controversa abertura para permitir que casais divorciados e civilmente recasados recebessem a comunhão. Nessa altura, os cardeais estavam preocupados com o facto de a posição de Francisco violar os ensinamentos da Igreja sobre a indissolubilidade do casamento. Francisco nunca respondeu às suas perguntas, e dois dos seus co-signatários vieram a morrer. Desta vez, Francisco respondeu de facto.

Os cardeais não publicaram a sua resposta, mas aparentemente consideraram-na tão insatisfatória que reformularam as suas cinco perguntas, submeteram-nas novamente a Francisco e pediram-lhe que respondesse simplesmente com um sim ou um não. Quando o Papa não respondeu, os cardeais decidiram tornar os textos públicos e emitir um aviso de "notificação" aos fiéis.

O gabinete de doutrina do Vaticano publicou a sua resposta algumas horas mais tarde, embora sem a introdução em que exortava os cardeais a não terem medo do sínodo.