Horas extras: doentes desviados em Penafiel. São João preocupado com falta de médicos

Em causa estão pedidos dos médicos para não fazerem mais horas extraordinárias além das obrigatórias por lei. Entrega de minutas está também a preocupar a administração do Centro Hospitalar São João.

Foto
Impacto das minutas de indisponibilidade para a realização de mais horas extraordinárias tem especial impacto nas urgências Paulo Pimenta
Ouça este artigo
00:00
03:48

O Hospital de Penafiel está a desviar doentes da urgência externa de cirurgia geral por falta de médicos desta especialidade para constituir as equipas com o número de clínicos suficientes. Em causa estão os pedidos de escusa entregues pelos médicos para não fazerem mais horas extraordinárias além das 150 anuais a que estão obrigados por lei. A entrega destas minutas está também a preocupar a administração do Centro Hospitalar São João.

“Atendendo ao facto de não ser possível garantir o número mínimo de médicos especialistas de cirurgia geral para o atendimento de urgência, foi necessário solicitar o desvio dos doentes provenientes de urgência externa, mantendo-se somente o atendimento aos doentes das urgências internas”, confirmou ao PÚBLICO a administração do Hospital de Penafiel, via email.

A situação, explicou ainda, “deve-se à recusa dos médicos em fazer mais horas extraordinárias além do máximo previsto por lei, ou seja, 150 horas anuais”.

Na segunda-feira, a Federação Nacional dos Médicos denunciou, em comunicado, que a equipa de cirurgia geral da urgência estaria abaixo dos mínimos recomendados pela Ordem dos Médicos, tendo nessa segunda-feira escalados apenas um especialista e um interno, em vez de uma equipa com quatro clínicos no total.

O bastonário da Ordem dos Médicos adiantou, na segunda-feira ao PÚBLICO, que estavam a chegar à Ordem várias queixas relacionadas com a constituição das equipas na escala para as urgências de várias unidades, estando a acompanhar a situação. Carlos Cortes referiu que estavam a notificar os hospitais para perceber a dimensão do problema, tendo intervindo junto do Hospital de Penafiel e estando a começar a intervir junto de outras unidades.

O movimento de entrega de minutas a comunicar a indisponibilidade para a realização de mais do que as 150 horas extraordinárias anuais está a generalizar-se e já existem várias urgências condicionadas pela incapacidade de realização de escalas em várias especialidades. Mas com maior impacto em cirurgia, medicina interna, mas também em ginecologia/obstetrícia.

Situação preocupa

A situação está também a preocupar a administração de um dos principais hospitais do país. Nesta terça-feira, em declarações à Lusa, Roberto Roncon, director clínico do Centro Hospitalar São João, referiu que dezenas de colegas já entregaram as minutas. Não precisou números, explicando que a situação é "muito dinâmica" e "todos os dias o número se altera".

"Não estamos a falar de casos pontuais, estamos a falar de dezenas de profissionais que têm apresentado esse papel de indisponibilidade, uma indisponibilidade dentro do quadro legal. Tenho, apesar de tudo, alguma confiança em que consigamos ultrapassar rapidamente esta fase", disse Roberto Roncon. "A população tem de continuar a olhar para o Serviço Nacional de Saúde com confiança e sabendo que nós iremos fazer tudo como sempre fizemos. Vamos sempre fazer das tripas coração para, tendo em conta as dificuldades, ultrapassar a situação", sublinhou.

Sem precisar quais os serviços mais afectados, Roberto Roncon disse que "têm que ver com a assistência ao doente agudo" e são serviços que acompanham o que está a acontecer de forma "transversal" noutras instituições de saúde, onde as dificuldades têm sido relatadas na urgência e em obstetrícia.

"Neste momento não temos nenhum impacto na actividade cirúrgica programada, mas, como é evidente, temos de estar muito preocupados e alerta, e temos de ir monitorizando dia a dia, hora a hora, fazendo um grande esforço", disse o director clínico.

Lembrando que a assistência ao doente agudo exige "cuidados médicos muito complexos, para os quais não existe alternativa, nomeadamente no sector privado", e que o Hospital de São João serve uma população muito vasta, o director clínico reiterou a "preocupação" com o momento actual. "Obviamente que têm sido noites difíceis em termos de elaboração de escalas", disse.

Questionado sobre se esta "preocupação" foi já transmitida ao Ministério da Saúde, Roberto Roncon apontou que tem sentido que também a tutela está "preocupada" com a situação.