Incêndios florestais: para que nos serve a AGIF?

Podendo ser apontado com um “sucesso” político a campanha de 2023 face a 2022, o facto é que esse “sucesso” é pontual, fundamentalmente devido às condições meteorológicas.

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De acordo com os dados provisórios, divulgados pelo Instituto da Conservação da Natureza e das Florestas (ICNF), até ao dia 15 de setembro foram registadas 7.097 ocorrências, resultando numa área ardida total de 33.003 hectares, dos quais 18.904 hectares ocorreram em povoamento florestal, correspondentes a 57,3% da área ardida total, 11.967 hectares foram registados em áreas de matos (36,3%) e 2.132 hectares em área agrícola (6,5%).

Estes registos de 2023 representam um acréscimo de mais de 239 ocorrências face aos dados provisórios a 15 de setembro de 2021, com mais 10.856 hectares ardidos em povoamento florestal. Ou seja, os valores provisórios de área ardida em povoamento florestal registados em 2023 superam a superfície do concelho de Lisboa, quando comparados com os valores de 2021. As diferenças são ainda superiores quando comparadas com os dados registados em 2014, em área ardida total e em povoamento florestal, apesar do menor número de ignições registadas em 2023. Podendo ser apontado com um “sucesso” político a campanha de 2023 face a 2022, o facto é que esse “sucesso” é pontual, fundamentalmente devido às condições meteorológicas. Não há “sucesso” quando comparado com 2021. É bom ter isso presente, para não haver surpresas em anos futuros.

Não se entende, face aos dados apontados, qual a vantagem da criação de mais um organismo público, especificamente para os incêndios florestais, estes últimos uma consequência de causas que o país não consegue atenuar e que se vêm agravando e irão agravar ainda mais face às alterações climáticas.

Esse novo organismo, a Agência para a Gestão Integrada de Fogos Rurais (AGIF), surge logo com um equívoco. Nos últimos anos tem ardido significativamente mais área de povoamento florestal do que de outras ocupações. Ou seja, a nova designação “rural” é cada vez mais “florestal”. Aliás, “florestal” é a designação utilizada pelos organismos da União Europeia. Por cá criou-se um embuste! Com que interesse?

Para além do equívoco, o que surge no plano mediático foi o ataque fora de época e desqualificado a cerca de metade dos efetivos dos meios de combate aos incêndios florestais, constituída pelos bombeiros. Curiosamente, esse ataque tem na base legislação aprovada aquando da maioria parlamentar PSD/CDS. Já lá vão quase oito anos de governação do PS. Discordando, não houve tempo para alterar essa legislação? Há vontade da atual maioria parlamentar em proceder a essa alteração ou essa é uma quimera do responsável máximo da AGIF? O que há a salientar é o ataque extemporâneo aos bombeiros. O mês de julho não se revela o mais indicado. Já o local parece ser inadequado numa primeira fase, mais ainda por parte de um responsável da Administração Pública. Talvez evidenciar uma proposta de alteração à lei devesse ocorrer no seio da tutela direta. Talvez devesse ser um membro do governo a despoletar essa eventual vontade junto do Parlamento, não um dirigente da Administração. Mas parece que o governo tem dificuldade em controlar os ímpetos dos dirigentes da Administração. Este não foi caso único!

Mas, o que tem produzido a AGIF? Planos, com múltiplos objetivos e uma chusma de metas. Desde 1998 que se assiste a este paradigma, logo com o Plano de Desenvolvimento Sustentável da Floresta Portuguesa, aprovado pela Resolução do Conselho de Ministros n.º 27/99, de 8 de abril. Antes ainda com a Lei de Bases da Política Florestal, Lei n.º 33/96, de 17 de agosto, aprovada por unanimidade pela Assembleia da República. Entre outros, temos ainda em vigor a Estratégia Nacional para as Florestas, de 2007 e atualizada em 2015 pela Resolução do Conselho de Ministros n.º 6-B/2015, de 4 de fevereiro. Todos planos de “boas intenções”, com objetivos louváveis, múltiplas metas, constantes incumprimentos. De projetos piloto não reza a história.

No final, vai vingando a vontade em expandir a área de plantações de eucalipto, cuja indústria tem sido a maior privilegiada com os insucessos da política florestal em Portugal. Aliás, a própria existência da AGIF pode-se entender no âmbito das portas giratórias existentes entre as governações e as celuloses. O atual responsável da AGIF é um protagonista chave dessas portas giratórias, conforme descrito, entre outros, no livro “Portugal em Chamas — Como Resgatar as Florestas”, com pré-publicação pelo Público.

O autor escreve segundo o novo acordo ortográfico