Como proteger o alto-mar? Podemos começar por estes cinco mergulhos

Temos um tratado para proteger as águas internacionais, que não são de nenhum país e são de todos, e são viveiros de biodiversidade. Agora, o que é preciso é ratificá-lo.

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Para que o tratado do alto mar possa entrar em vigor, pelo menos 60 países têm de o ratificar GettyImages
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Pelo menos 67 nações, entre as quais Portugal e os Estados Unidos, assinaram em Setembro na sede das Nações Unidas, em Nova Iorque, o Tratado para o Uso Sustentável da Biodiversidade Para Além da Jurisdição Nacional (conhecido pela sigla em inglês BBNJ ou, de forma mais simples, Tratado do Alto Mar). Mas, para que possa entrar em vigor, pelo menos 60 países têm de o ratificar, a nível nacional. O verdadeiro desafio pode estar aí.

Estas assinaturas são “um sinal poderoso”, que devem ajudar a manter o embalo para cumprir a meta de conservação e protecção de 30% das terras e 30% dos oceanos de todo o planeta até 2030 Quadro Global de Biodiversidade, afirmou Mads Christensen, director executivo interino da organização ambientalista Greenpeace, citado pela Reuters.

“Mas esta assinatura é apenas um momento simbólico. Agora os políticos têm de levar o tratado para os seus países e garantir que é aprovado em tempo recorde”, afirmou o ambientalista.

O tratado tem como alvo o alto-mar, as águas internacionais que representam quase dois terços dos oceanos, mas que não está sob a jurisdição de país nenhum, é património comum da humanidade. É aqui que se encontra a maior diversidade biológica dos oceanos, mas apenas cerca de 1% desta área está sob alguma protecção. O objectivo deste acordo entre os países é garantir o uso sustentável desta parte do oceano, e criar áreas de protecção marinhas no alto-mar, para proteger as espécies que lá vivem.

Quem se preocupa com a conservação da natureza está a empenhar-se em pressionar os governos para que actuem e ratifiquem rapidamente o tratado. Um relatório da Greenpeace divulgado já este mês estimava que as horas de pesca no alto-mar aumentaram 8,5% entre 2018 e 2022. Para além da sobrepesca, outras ameaças rondam o alto-mar, como a poluição, incluindo dos navios que cruzam os oceanos, a crise climática, e a mineração no mar profundo.

Os cientistas definiram já algumas das zonas que seria prioritário classificar como áreas marítimas de protecção. Aqui ficam algumas das ideias, usando como fontes a parceira de organizações não governamentais High Seas Alliance e a Pew Charitable Trusts.

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Chamam-lhe “a floresta tropical dourada do alto mar”, porque estes tapetes de sargaço são o habitat de um grande número de espécies Somnuk Krobkum/GettyImages

Mar de Sargaços

Este é o único mar no mundo que não tem fronteiras com terra. É uma área de cerca de 1100 km de largura e 3200 km de comprimento, delimitada por quatro correntes do oceano Atlântico, que compõem o giro do Atlântico do Norte. Tem uma água muito clara, que é conhecida por ter aglomerados flutuantes de sargaço, uma alga. Chamam-lhe “a floresta tropical dourada do alto-mar”, porque estes tapetes de sargaço são o habitat de um grande número de espécies, sequestram carbono e libertam oxigénio.

Ali fica a cadeia de montes submarinos onde há comunidades complexas de corais e esponjas, algumas das quais são espécies endémicas. É o único sítio onde as enguias europeias vão desovar, antes de migrarem a milhares de quilómetros de distância, para as Caraíbas, América do Norte, Europa e África Ocidental. Regressam ao mar de Sargaços até 25 anos depois, onde desovam e morrem.

Mais de 100 espécies de invertebrados foram registadas no mar de Sargaços, bem como 280 espécies de peixes e 23 de aves. Algumas não se encontram em mais nenhum lugar do planeta. Foram registadas mais de 30 espécies de cetáceos, como baleias-jubarte e cachalotes, com as suas crias.

Julga-se que há tubarões que desovam aqui também, alguns fazendo uma migração de mais de 2000 km desde águas canadianas. Estão presentes tubarões-sardos e tubarões-baleia, entre outras espécies. Crias de várias espécies de tartarugas escondem-se e alimentam-se entre os sargaços, como tartarugas-de-pente, tartarugas-comuns ou tartarugas-de-kemple.

A pesca comercial – que se estima valer cerca de 100 milhões de dólares anuais naquele local e a poluição são algumas das maiores ameaças ao mar de Sargaços, onde se localiza uma das manchas de lixo de plástico que se formam em vários locais nos oceanos. O tráfego marítimo ameaça os tapetes de sargaços e representa um risco de colisão para os cetáceos.

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Debaixo de água, vivem também criaturas de um velho tempo: corais negros, que são dos mais antigos animais da Terra. Charlotte G Frank/GettyImages

Cordilheira Submarina Havai-Imperador

As ilhas do Havai são parte de uma grande cordilheira submarina. Ao longo de mais de 2000 km do fundo do mar, entre o ponto mais ocidental do Havai e a fossa Kuril-Kamchatka, há uma cadeia de mais de 80 montanhas no fundo do mar – os Montes Submarinos Havai-Imperador. As águas ricas em nutrientes destes montes do Pacífico Norte suportam uma vasta biodiversidade: atuns e baleias, aves marinhas.

O albatroz mais velho do mundo, baptizado Wisdom, vive nesta zona. Julga-se que terá 72 anos.

Debaixo de água, vivem também criaturas de um velho tempo: corais negros, que são dos mais antigos animais da Terra. Algumas colónias na cordilheira Havai-Imperador têm mais de 4200 anos.

O valor deste ecossistema tem sido reconhecido por algumas nações e entidades internacionais. A parte mais a sul da cordilheira está em águas dos Estados Unidos e faz parte do Parque Marinho Nacional de Papahānaumokuākea, que é também património mundial da UNESCO. Mas a parte mais a norte está para lá da jurisdição de qualquer Estado, e tem sofrido uma grande pressão da pesca industrial.

Entre a década de 1960 e 1970, eram o local do mundo com a pescaria mais rica; mais de 200 mil toneladas de peixe e corais eram retiradas dali anualmente, no pico dos anos de grande exploração. A pesca de arrasto destrói os ecossistemas: entre 19% e 29% das imagens obtidas para investigação científica nos Montes Havai-Imperador mostram cicatrizes deste tipo de pesca, e equipamento de pesca abandonado, visível em zonas do fundo do mar desérticas, com corais partidos.

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O mar de Tasman é formado por uma região do Oceano Pacífico localizada entre a Austrália e a Nova Zelândia Peter Bannan/GettyImages

Sul do mar de Tasman e Planalto de Lord Howe

Chamam “mundo perdido vulcânico” ao complexo de montanhas e planícies abissais, bem como um enorme planalto nas águas do Sul do mar de Tasman (entre a Nova Zelândia e a Austrália). Ali existe o recife de coral localizado mais a sul do planeta.

A região está bem classificada em quatro dos sete critérios para caracterizar uma área marinha significativa ecológica ou biologicamente, incluindo ser uma maternidade e um corredor de migração para um grande número de espécies.

Ali há espécies ameaçadas, como albatrozes, corais de água fria ou aves como a freira-de-garganta-branca – 50% a 60% dos indivíduos desta espécie vivem ali. É um local de descanso para a megafauna, como baleias-jubarte e a baleia-franca-austral, quando viajam das zonas em que se alimentam para aquelas em que se reproduzem.

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Marnie Griffiths/GettyImages

Há espécies que ainda não foram descritas e muitas espécies endémicas. Por exemplo camarões e plumas-do-mar (corais moles). São conhecidas 348 espécies de peixes demersais (que vivem no fundo do mar) e 25% podem ser novos para a ciência.

A pesca de arrasto é considerada a maior ameaça à integridade deste ecossistema. Pode destruir corais e esponjas que crescem lentamente, que levam décadas a recuperar, se é que recuperam. Mas não têm praticamente qualquer protecção da actividade pesqueira.

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Nesta zona o fitoplâncton floresce, sustentando uma cadeia alimentar com peixes pequenos e os seus predadores, como o tubarão-de pontas-brancas-de-recife. Stephen Frink/GettyImages

Domo térmico da Costa Rica

É uma característica oceanográfica que cria um ponto de grande diversidade biológica no Pacífico Leste tropical. Através da interacção do vento e das correntes oceânicas, águas mais frias do fundo do mar são empurradas para a superfície, criando uma espécie de cúpula (domo) à superfície.

Estas águas mais ricas em nutrientes deslocam para o lado as águas mais quentes e mais pobres. Nesta zona o fitoplâncton floresce, sustentando uma cadeia alimentar com peixes pequenos e os seus predadores, como atuns e aves marinhas, a que se seguem tubarões como o tubarão-de pontas-brancas-de-recife, golfinhos e raias. É um habitat importante para baleias-azuis e tartarugas-de-couro.

Esta é também uma das áreas de captura de atum mais importantes do mundo, sustentando uma indústria pesqueira considerável, e a sobrepesca, tanto legal como ilegal, é uma ameaça significativa. A poluição é outro perigo.

Mas a vida marinha que existe no Domo aproxima-se da linha da costa da América Central, e é a base de um turismo de natureza, como observação de baleias e golfinhos, ou pesca desportiva.

O Domo da Costa Rica foi considerado como apto para ser classificado como um sítio de património mundial da UNESCO. E há alguns esforços para proteger a área dentro da jurisdição nacional da Costa rica. Mas há algumas dificuldades, pois a área abrangida pelo Domo é diferente todos os anos. A sua largura pode variar entre 300 km e 1500 km.

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Ilhas Salas e Gomez DR

Cristas Salas y Gómez e Nazca

São duas cordilheiras submarinas no Sudeste do Pacífico, separadas da América do Sul pelas águas frias e ricas em nutrientes da Corrente de Humboldt e o abismo da Fossa de Atacama. Estendem-se por quase 3000 km, têm 110 montes submarinos em áreas para além da jurisdição nacional.

São um refúgio para espécies migratórias e residentes, incluindo pelo menos 82 espécies ameaçadas, como baleias-azuis e tartarugas-de-couro. Os níveis de biodiversidade endémica marinha ali são dos mais elevados do mundo

Esta zona tem estado relativamente livre da actividade pesqueira e extractiva, mas onde ocorreu, a pesca de arrasto destruiu corais e habitats dos fundos marinhos. A captura colateral de espécies que não as comerciais tem sido um problema. Uma das espécies ali capturadas é a cavala-do-pacífico.

Nesta região existe cobalto e outros depósitos minerais nos fundos marinhos, que podem um dia ser objecto de exploração da mineração do mar profundo, o que pode destruir todo um ecossistema.

O Chile e o Peru instituíram alguma protecção às partes desta cordilheira que ficam nas suas águas territoriais, mas a grande parte está em mar aberto; 73% destes montes submarinos estão em águas internacionais, sem qualquer protecção.