Fernando Alves, fundador da TSF, reforma-se e põe ponto final a Sinais: “Não fazia mais sentido estar ali”

A rubrica mais longa da TSF terminou com a saída de Fernando Alves, um dos fundadores da rádio. Quis reformar-se quando Domingos de Andrade foi destituído. Agora terá tempo para ler e dormir.

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Fernando Alves conduziu a rubrica Sinais durante cerca de 30 anos, excepto nos períodos em que editou as manhãs da TSF Global Imagens
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É o fim de uma carreira que começou, ainda na adolescência, em Benguela, Angola, e, com ele, o ponto final da mais antiga rubrica da TSF. Fernando Alves, jornalista e locutor e um dos fundadores da cooperativa que deu origem àquela rádio, anunciou esta sexta-feira, 29 de Setembro, que se reformou e que o episódio “O olhar perto do chão” seria o último do programa Sinais, no ar há cerca de 30 anos. “Resta-me muito tempo para me sentar a ver passar os tristes”, disse, em entrevista ao PÚBLICO, numa referência à história que protagoniza o último episódio que conduziu na TSF: “É sentar-me a ver passar pessoas que estão desligadas de tudo, estão ligadas aos telemóveis.”

Fernando Alves decidiu reformar-se quando percebeu “o que aí vinha” e “o que está a instalar-se na TSF”: “Não me agrada e assusta-me muito.” Dono de uma das vozes mais reconhecidas da rádio nacional, o locutor diz ter ficado agradado com o “sangue novo” que Domingos de Andrade tinha levado para a redacção. “Estava uma pasmaceira instalada, muitos momentos de terra queimada”, descreve Fernando Alves, e o director da TSF trazia “novas águas”.

Mas a destituição de Domingos de Andrade no início de Setembro, aquando da entrada em funções da nova administração da Global Media, foi a gota de água para Fernando Alves: “Assim que percebi que isto caminhava para um desfecho triste, pedi aos astros que me permitissem sair no mesmo dia em que ele saiu. Saio dois dias depois.”

O anúncio da reforma de Fernando Alves surge poucos dias depois de os trabalhadores da TSF terem estado em greve durante 24 horas, a 20 de Setembro, por melhores condições salariais e “respeito” para com os jornalistas. Foi um momento “encorajador”, na óptica do radialista, em que viu jornalistas jovens e mais experientes unidos pela mesma causa, demonstrando que “aquela é uma redacção que não se deixa pisar facilmente”. Mas está cansado, assume: “Não fazia mais sentido estar ali. Já não tenho saúde nem idade para estar a aturar o que penso que está a acontecer”.

Muitos livros para ler e preguiça para preguiçar

De agora em diante, vai “ocupar as horas, em grande medida, um pouco à maneira do vagabundo” protagonista da história que contou no episódio de quase três minutos a que deu voz esta sexta-feira: “Não penso sentar-me no chão, à porta de uma livraria. Mas procurarei, muitas vezes, bancos de jardim, à sombra. E assim me deixarei ficar, absorto, tomando notas para uma improvável emissão futura, feita de silêncios e de palavras elementares, assim me pouse no ombro a ave clandestina. Ambição chã”, escreveu na última edição de Sinais.

Fernando Alves escolheu falar de uma passagem que encontrou nas páginas 26 e 27 do livro Montevideu, de Enrique Villa-Matas. “Comecei a pensar nele no dia anterior. É uma crónica com três minutos, não tem grande trabalheira. O fio inicial é que custa”, confessou: “Pensei no episódio que retive no livro que estou a ler e que acho muito interessante.”

Naquela “ficção verdadeira”, o autor conta que, quando morava em Paris, Antonio Tabucchi (seu amigo e autor do livro Mulher de Porto Pim) se cruzava amiúde com um vagabundo que lia clássicos e fumava charutos cubanos à frente de uma livraria, sentado no chão. Um dia, depois de ter chegado à fala com o homem e de ter aceitado o convite para se sentar no chão ao seu lado, o vagabundo disse-lhe: “Estás a ver, amigo? Daqui uma pessoa pode vê-lo muito bem. Os homens passam e não são felizes.”

Fernando Alves acredita agora que também ele ficará “a ver passar os transeuntes com o seu ar triste, como só os vagabundos sabem detectá-lo”, escreveu no guião desta sexta-feira. Que transeuntes são esses? Os “milhares de autómatos desligados de tudo, estando ligados”, que compõem a sociedade actual, esclareceu numa entrevista por telefone.

“Penso que é um pouco aquilo que me resta agora, talvez sentar-me a ver passar pessoas que estão desligadas de tudo, estão ligadas aos telemóveis”, reflecte: “Uma pessoa vai à rua e só vê gente a caminhar com uma coisa na mão, correndo risco de esbarrar nos postes de electricidade. É muito estranho o que se vê nas ruas: as pessoas ligam-se de um modo que as desliga.”

Voltar à rádio, com novos episódios, é “improvável” — “não impossível”, confirmou ao PÚBLICO, embora assuma que não há planos, neste momento, para que isso aconteça. Por enquanto, tem muitos livros para ler e “muita preguiça para preguiçar”. “Não vou ficar a olhar para o tecto, não é da minha natureza.”

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