Governo francês reage a pânico com praga de percevejos. Também há em Lisboa?

Câmara de Paris pediu plano de acção lutar contra estes insectos e apoiar cidadãos a braços com infestações. Praga regressou às grandes cidades, acompanhado aumento de viagens dos seres humanos.

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Um percevejo no forro de um sofá Stephanie Lecocq/REUTERS
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Os percevejos não são novidade em França, mas nas últimas semanas, fotos tiradas por passageiros de comboios, incluindo do TGV, em que se viam estes insectos sugadores de sangue nos assentos em que deviam viajar foram como fogo na savana das redes sociais. Tanto que o ministro francês dos Transportes, Clément Beaune, anunciou nesta sexta-feira que se vai reunir na próxima semana com os operadores de transportes, para lançar medidas. Em Portugal, há apenas um estudo de 2019 que procurou e encontrou estes insectos em casas de várias freguesias de Lisboa.

A iniciativa do ministro, anunciada na rede social X (anteriormente Twitter), “para tranquilizar e proteger”, disse, pretende dar resposta às múltiplas notícias e publicações nas redes sociais dando conta de infestações de percevejos na rede de transportes de Paris, incluindo na zona de espera do aeroporto de Roissy, que criaram um clima de pânico.

A Câmara Municipal de Paris pediu na quinta-feira ao Governo que pusesse em prática um mecanismo de declaração obrigatória da infestação por percevejos e para apoiar os cidadãos que se vissem a braços com este problema, cuja erradicação é difícil e implica custos elevados. “Como é muito caro, as pessoas renunciam a tratar o seu apartamento e uma vez infestado, contamina os apartamentos vizinhos”, sintetizou Emmanuel Grégoire, adjunto principal da presidente do município, a socialista Anne Hidalgo.

A autarquia quer que fique claro quem tem a responsabilidade de pagar a desinfestação no caso de uma casa alugada, o senhorio ou o inquilino. “Os percevejos são um problema de saúde pública e devem ser reconhecidos como tal. É preciso que o Estado reúna todos os intervenientes para criar um plano de acção à altura desde flagelo, em especial quando França está prestes a acolher os Jogos Olímpicos de 2024”, disse Grégoire.

Um estudo da Agência Nacional de Segurança Sanitária e da Alimentação (ANSES) francesa, divulgado em Julho, estimava que cerca de 11% das habitações francesas foram infestadas por percevejos entre 2017 e 2022.

Investigadora procurou percevejos em Lisboa

Não é só nos transportes que há percevejos, evidentemente. Desde a década de 1990, com o enorme aumento das viagens de pessoas e comércio internacional, estes insectos começaram a regressar às grandes cidades por todo o mundo. Tinham praticamente desaparecido após a II Guerra Mundial, devido à melhoria das condições socioeconómicas em muitos locais e o uso de insecticidas com o DDT (banido pelas Nações Unidas em 1972, devido aos efeitos nocivos na vida selvagem e na saúde humana). As pessoas esqueceram-se deles, do aspecto que tinha uma picada de percevejo.

Instalaram-se praticamente sem que déssemos por isso e agora, os percevejos são uma praga em grandes cidades, como Nova Iorque ou Paris – e Lisboa. Em especial aquelas que atraem viajantes de muitos locais diferentes do mundo, que se deslocam com as suas bagagens, onde os percevejos podem viajar, passando despercebidos.

Não há um grande estudo em Portugal equivalente ao da ANSES em França. Mas uma tese de mestrado de Edna Migueis Bernardo, de 2019, no Instituto de Higiene e Medicina Tropical da Universidade Nova de Lisboa, fez um estudo em 11 freguesias da Área Metropolitana de Lisboa (concelhos de Lisboa, Oeiras e Cascais), aproveitando pedidos de erradicação de percevejos feitos a uma empresa especializada.

Dos 45 quartos ou salas infestados, 35,55% encontravam-se no grau 5 (grau máximo de infestação). No grau 1, estavam 48,89%.

Dos 16 quartos que se encontravam no máximo de infestação, 62,5% era da tipologia apartamento, e estavam localizados nas freguesias do Lumiar, S. Vicente, Arroios e Alcântara. Foram avaliados três estabelecimentos do tipo hostel, e um deles, localizado na freguesia Cascais e Estoril estava no grau 5.

Na tipologia hotel, foram avaliados três quartos de um único hotel, na freguesia da Misericórdia, e todos estavam no máximo da infestação. Na variedade lar, foram estudados quatro quartos em três lares prospectados. Dois deles, num lar em Alcântara, estavam no grau 5 de infestação por percevejos.

“Em Portugal, até à presente data, nenhum estudo científico, de carácter epidemiológico, tinha sido realizado no âmbito dos percevejos ligados aos seres humanos”, escreve a investigadora. Mas a Área Metropolitana de Lisboa é uma das regiões europeias que recebe muitos turistas, imigrantes, emigrantes, estudantes e outros viajantes, salienta.

Nesta zona, e noutros pontos do país, “deveriam ser realizados estudos epidemiológicos neste âmbito, uma vez que o turismo, o ecoturismo, a chegada e partida de viajantes, quer sazonalmente ou não, pode dar origem a um bed bug boom [uma explosão da dispersão de percevejos], recomenda.

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Técnico de desparasitação a tratar de uma casa com infestação de percevejos, nos arredores de Paris Stephanie Lecocq/REUTERS

Não tem a ver com falta de higiene

Os percevejos entram nas casas, sobretudo nas mais antigas, com soalhos de madeira. Gostam também de tectos falsos, estruturas em pladur, explicou o entomólogo Jean-Michel Berenger, do Instituto Hospitalo-Universitário de Marselha, numa conversa online com leitores do jornal Le Monde nesta sexta-feira.

Os percevejos alojam-se preferencialmente nos quartos de dormir, na cama, onde as pessoas se deitam à noite, quando estes insectos estão activos, e saem dos seus esconderijos para se alimentar do sangue dos humanos. Sim, são os humanos a sua presa natural. Podem também instalar-se também em sofás, nos assentos dos transportes ou dos cinemas forrados a tecido e espuma.

As alterações climáticas não ajudam propriamente os percevejos a conquistar novos territórios – eles deslocam-se com os humanos, acompanham-nos nas nossas viagens. No entanto, a temperatura elevada e bom grau de humidade aceleram o seu desenvolvimento, notou Jean-Michel Berenger.

Mas os percevejos não transmitem doenças, como as carraças ou alguns mosquitos. A sua picada pode, no entanto, causar reacções inflamatórias e alérgicas. E há um certo receio de estigma social associado à picada dos percevejos, salienta o relatório da ANSES, uma ideia de que a infestação está relacionada com falta de higiene ou pobreza. Mas essa relação não se confirma, salienta os especialistas.

No entanto, são difíceis de erradicar. Podem passar até um ano sem comer. São resistentes a muitos insecticidas e é aconselhado que sejam contactados especialistas em desinfestação para os eliminar. Usar apenas um método não chega, e muito menos confiar só nos insecticidas, salientou o entomólogo Jean-Michel Berenger. “Há que privilegiar a luta mecânica e física, usando o aspirador, o vapor ou o calor. Nada de produtos químicos ou comprados no supermercado!”, aconselhou.

Milhões de euros para atacar insectos

A luta para eliminar os percevejos das habitações francesas atingiu o valor de 1400 milhões de euros no período 2017-2022, é dito no relatório da ANSES. Os custos para a saúde de uma infestação com estes insectos terão atingido 83 milhões de euros para os franceses em 2019 – dos quais 79 milhões associados a uma baixa da qualidade de vida, problemas do sono e saúde mental.

É que ter a casa, a cama, infestada por percevejos têm um pesado custo psicológico: “As vítimas de infestação persistente ou reincidente são mais susceptíveis de desenvolver problemas de sono, mudanças de humor, nervosismo, sentimentos de pânico, agitação, manifestações de delírio e sintomas equivalentes a stress pós-traumático”, reconhece o estudo da ANSES.

Os resultados de um inquérito com uma amostra representativa da população francesa usado para o estudo da ANSES, não revelaram que “um nível de rendimentos frágil estivesse relacionado com um risco superior de infestação por percevejos”, lê-se no relatório.

Deve-se distinguir, no entanto, entre a primeira aparição destes insectos e a sua persistência. “Na ausência de acção, total ou mesmo parcial da luta [contra o insecto] os custos podem explicar que a longo prazo a infestação dure mais tempo nos lares mais modestos (…) do que nas habitações mais favorecidos”, diz o relatório.