Cinco dias de exposição à poluição do ar já aumentam risco de AVC

Exposição a maiores concentrações de poluição atmosférica, ainda que por um período curto, está associada a um risco maior de acidente vascular cerebral (AVC), sugere estudo.

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As nuvens de poluição podem conter diferentes tipos de poluentes, incluindo as partículas finas oriundas do sector dos transportes Nelson Garrido
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Apenas cinco dias de exposição à poluição do ar podem ser suficientes para aumentar o risco de acidente vascular cerebral (AVC), revela um artigo publicado esta quarta-feira na revista médica Neurology. Trata-se de uma meta-análise que examina 110 estudos, incluindo mais de 18 milhões de casos clínicos.

“Ficámos surpresos [ao descobrir] que a exposição de curto prazo à poluição atmosférica (cinco dias) já é suficiente para aumentar o risco de um AVC isquémico. Curiosamente, não foram incluídos estudos da África ou do Médio Oriente, apesar de estas regiões registarem elevados níveis de poluição do ar”, afirmou ao PÚBLICO o médico Ahmad Tubasi, autor do estudo da Neurology.

Um AVC isquémico ocorre quando um vaso sanguíneo do cérebro fica obstruído – seja devido a um coágulo, seja por causa de gordura acumulada nas paredes da artéria (aterosclerose).

As nuvens de poluição podem conter diferentes tipos de poluentes. Neste artigo científico, foram consideradas partículas com vários tamanhos: desde as PM1, que apresentam menos de um micrómetro de diâmetro, até às PM10, que consistem em poeiras oriundas de obras ou das bermas das estradas, passando pelas PM 2,5.

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As partículas finas PM2,5 têm origem não só na queima de combustíveis em centrais eléctricas ou indústrias, mas também em grandes incêndios e nos gases de espape de veículos motorizados. São tão minúsculas – podem ser dezenas de vezes mais finas que um fio de cabelo – que as inalamos sem perceber.

Estes materiais suspensos no ar podem conter substâncias tóxicas que prejudicam o sistema circulatório, respiratório, nervoso e imunitário. Os danos à saúde humana podem ocorrer antes mesmo do nascimento: grávidas expostas à poluição do ar, por exemplo, dão à luz bebés com menos peso.

“Estudos anteriores estabeleceram uma ligação entre a exposição de longo prazo à poluição atmosférica e um risco aumentado de AVC. A correlação entre o AVC e a exposição de curto prazo à poluição do ar, contudo, era menos clara”, refere Ahmad Tubasi, investigador na Universidade da Jordânia, em Amã.

Mais poluição, maior risco

O artigo sugere que pessoas que estiveram expostas a uma maior concentração de vários poluentes apresentavam um risco maior de AVC. Valores mais elevados de PM1 surgem associados a um risco aumentado de AVC em 9%, de PM2,5 a um aumento de 15% e de PM10 a um de 14%.

Maiores concentrações de dióxido de azoto (NO2) estão associadas a um risco aumentado de AVC em 28%. Já o monóxido de carbono corresponde a um aumento de 26%, o dióxido de enxofre a um de 15% e, finalmente, ozono a um de 5%.

O dióxido de azoto é um dos principais poluentes atmosféricos. Este “gás altamente tóxico” resulta, segundo a Agência Portuguesa do Ambiente, da “queima de combustíveis fósseis a temperaturas elevadas, com origem, especialmente, no tráfego automóvel e no sector industrial”.

É por isso que muitos cientistas reiteram que a aposta na electrificação do sector da indústria e dos transportes traz múltiplas vantagens – além de reduzir a emissão de gases com efeito de estufa, contribui para melhorar a qualidade do ar e, por extensão, a saúde humana. De resto, as esferas do ambiente e da saúde são indissociáveis.

“Há uma mensagem importante a reter deste estudo: o impacto da poluição atmosférica na saúde humana vai muito além dos pulmões e dos olhos, envolvendo também o nosso cérebro”, alerta Ahmad Tubasi, numa resposta por email.

Níveis mais elevados de poluição do ar também estão, nesta meta-análise, ligados a um maior risco de morte por AVC. Concentrações maiores de azoto surgem associadas a um aumento de 33% no risco de morte por AVC, de dióxido de enxofre a um aumento de 60%, PM2,5, a um aumento de 9% e, por fim, PM10 a um de 2%.

Limitações e desafios da meta-análise

Ahmad Tubasi explicou ao PÚBLICO que, para elaborar esta meta-análise, encontrou obstáculos, como a indisponibilidade dos dados em alguns artigos ou mesmo uma certa variabilidade na forma como os autores apresentam os resultados.

“Superámos esses desafios usando algumas suposições estatísticas e entrando em contacto com os autores”, esclarece o autor do estudo publicado na revista científica da Associação Americana de Neurologia.

Uma meta-análise consiste numa abordagem estatística que combina e resume dados preexistentes de vários estudos independentes, todos eles dedicados ao mesmo problema científico. Este método quantitativo permite integrar os resultados de diferentes trabalhos já publicados para, em seguida, sintetizar conclusões ou mesmo apresentar uma nova perspectiva sobre o assunto.

Entre as limitações deste trabalho está o facto de a maioria dos estudos analisados ser oriunda de países com rendimento elevado. Não sabemos se o aumento do risco seria ainda maior, se houvesse mais dados oriundos dos países da África ou do Médio Oriente onde se registam níveis muito altos de poluição do ar.

“Incluímos todos os dados publicados na literatura científica sobre o tema, abrangendo tanto países de rendimento alto, como médio e baixo. Todavia, os dados dos países de rendimento médio e baixo são muito limitados”, justificou Ahmad Tubasi.

A existência de uma associação entre a poluição do ar e o risco aumentado de AVC não é uma novidade. O que esta meta-análise traz de novo é “uma associação forte e significativa entre a poluição do ar e a ocorrência de AVC, bem como a morte por AVC nos cinco dias após a exposição”.

“Isto sublinha a importância dos esforços globais para a criação de políticas públicas que reduzam a poluição atmosférica. Isto pode reduzir o número de casos de AVC, assim como as consequências [mortalidade e morbilidade]”, conclui Ahmad Tubasi.

Também um problema português

A poluição atmosférica é considerada o maior risco global para a saúde humana, constituindo uma ameaça maior do que o tabagismo ou o consumo de álcool. Um relatório do Instituto de Política Energética da Universidade de Chicago, nos Estados Unidos, mostra que, se o limiar da Organização Mundial da Saúde para a exposição a partículas finas fosse sempre respeitado, a esperança de vida global aumentaria 2,3 anos, com base nos dados recolhidos em 2021.

Portugal foi este ano condenado pelo Tribunal de Justiça da União Europeia por deixar passar uma década sem travar poluição do ar. O limite das concentrações de dióxido de azoto foi excedido tanto em Lisboa, como no Porto e em Braga.

O Ministério do Ambiente e da Acção Climática prometeu aplicar, em conjunto com a Associação Portuguesa do Ambiente e as comissões de Coordenação e Desenvolvimento Regional, “um conjunto de medidas que tenham como finalidade mitigar o valor de NO2 nessas três cidades”.