Do CD à cassete, eles coleccionam música — mas sempre de ouvido no streaming

João comprou o primeiro CD com 12 anos. Marta descobriu os vinis do pai e, com isso, o gosto pela música portuguesa. Para Manuel e David, é um vício que já vem dos anos 1980 — e não querem parar.

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Do CD à cassete, eles coleccionam música — mas sempre com o ouvido no streaming Nelson Garrido
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Do CD à cassete, eles coleccionam música — mas sempre com o ouvido no streaming João Patrício
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Do CD à cassete, eles coleccionam música — mas sempre com o ouvido no streaming Nelson Garrido
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Para João Patrício, ouvir música em plataformas de streaming não é blasfémia. Na verdade, só depois de ouvir várias (talvez demasiadas) vezes o mesmo álbum no Spotify é que se aventura a procurá-lo em lojas físicas, online ou nas feiras lisboetas que compõem o seu roteiro musical e onde costuma encontrar os melhores preços. É o modus operandi que escolhe desde que se tornou, com 21 anos, coleccionador de CD — formato que, adianta em entrevista ao P3, nem sempre admirou.

Foi aos 12 anos que decidiu visitar a loja da Valentim de Carvalho em Torres Novas para comprar o primeiro CD. Escolheu The Sweet Escape, o segundo álbum da cantora norte-americana Gwen Stefani, para depois o ouvir na aparelhagem dos pais. Na altura não pensou no assunto (este era de longe o formato mais popular no início dos anos 2000) e, afirma, o objecto em si não lhe dizia nada.

Era impossível “um adolescente dos anos 2000 não comprar CD”, justifica João, agora com 28 anos. Só mais tarde, já no fim da adolescência, é que ganhou o gosto pelo coleccionismo. Foi quando entrou numa loja de música em segunda mão e gastou cinco euros num CD. Desde então, o hobby já o levou a fazer umas quantas “compras acidentais”.

João comprou o primeiro CD com 12 anos João Patrício
Tem 100 CD João Patrício
Tem 100 CD João Patrício
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João comprou o primeiro CD com 12 anos João Patrício

“Aconteceu com o Born This Way, da Lady Gaga, que na Amazon estava a um preço óptimo e quanto dei por mim chegou-me uma versão deluxe japonesa que é caríssima, porque os preços da música no Japão são mais caros.” Não se atreve a dizer o preço, o episódio ficou-lhe gravado —, mas diz que valeu a pena.

Marta Ribeiro, 21 anos, faz parte do clube dos coleccionadores de vinis. Tal como João, é um hobby que começou por acaso, depois de o pai lhe ter contado que, quando tinha a mesma idade, costumava comprar vinis com um amigo. Descobriu os discos no sótão de casa dos avós, tirou-lhes o pó, comprou um gira-discos novo e, depois de os ouvir, decidiu-se a conhecer mais sobre a música portuguesa. O álbum , de Jorge Palma, foi o primeiro e é também “o mais especial”, afirma a estudante de comunicação.

“Não me interesso necessariamente por um artista. Na colecção do meu pai tenho Beatles, Abba e achei interessante não só pela música, mas porque no vinil tudo se ouve de uma forma diferente. Parece que a música é mais profunda e, às vezes, ouve-se uns pozinhos que lhe dão profundidade.” Depois de anos escondidos no sótão, os discos passaram a estar bem à vista numa estante no quarto de Marta e tocam sempre que os amigos vão lá a casa.

“É uma colecção bastante ecléctica. Tenho Capitão Fausto, Ornatos Violeta, Rex Orange County, Fiona Apple, mas também tenho pimba que costumo pôr para os meus amigos.” Nel Monteiro e Marco Paulo são alguns deles.

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Marta começou a coleccionar vinis depois de descobrir a colecção do pai Marta Ribeiro
Colecção de vinis de Marta Marta Ribeiro
Colecção de vinis de Marta Marta Ribeiro,Marta Ribeiro
Colecção de vinis de Marta Marta Ribeiro
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Colecção de vinis de Marta Marta Ribeiro

A Bunker Store, loja de vinis, CD e cassetes que fica ao lado do Coliseu do Porto, é um paraíso para quem gosta de heavy metal. Ainda assim, diz Manuel Fernandes, o dono, “há um pouco de tudo” — quem procura também encontra Ágata e folclore — para satisfazer as preferências dos clientes portugueses e estrangeiros, novos e velhos.

Nas caixas onde estão os vinis lê-se "experimental", "neofolk", "goth rock", "post punk" ou "sons de cinema", e custa a acreditar que aqui também exista pimba. São centenas, milhares de vinis novos e usados, muitos CD e também algumas cassetes. No lado de fora da loja, onde está a maioria dos CD, o metal predomina, mas o primeiro que nos vem parar às mãos é um álbum de Frank Sinatra.

No interior, numa zona alta onde as mãos não conseguem chegar, saltam à vista as capas dos LP de Nemesis, Metallica, Abbath, Iron Maiden e AC/DC, a banda que Manuel, 52 anos, ouviu pela primeira vez aos nove e que lhe despertou desde logo o gosto pela música.

“O disco era o Highway To Hell. Mostraram-mo em vinil e não me esqueço dos corninhos e rabo do demónio. Depois passei para fase da música mais comercial, que se ouvia na televisão e rádio, e, aos 13, virei-me para o metal.” Escusado será dizer que também colecciona.

“Vinil é de luxo. Cassete é de nicho”

Depois de anos no backstage, o culto do vinil surgiu em força e o consequente aumento dos custos de produção fez dele, actualmente, um objecto de luxo. E, quanto mais antigo for e menos cópias existirem, mais caro é.

Marta, que “está em contenção de custos”, prefere o mercado em segunda mão quando quer aumentar a colecção, que neste momento conta com 40 vinis. Entra nas lojas “só para ver”, mas são raras as vezes em que não chega a casa com mais um disco.

Na Bunker Store, desde o início, em 2014, que o vinil (novo ou usado) é rei, afirma Manuel. “O vinil era para um nicho e agora já é um produto de luxo. A cassete ainda é de nicho mas está a crescer. O CD é o mais barato”, resume.

Manuel abriu a Bunker Store em 2014 Nelson Garrido
Vende vinis, cassetes e CD Nelson Garrido
O metal é o estilo que predomina, mas também há pimba e rock Nelson Garrido
O disco Highway To Hell, dos AC/DC, foi o primeiro que ouviu Nelson Garrido
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Manuel abriu a Bunker Store em 2014 Nelson Garrido

Em resposta ao P3, a Associação de Gestão de Direitos de Produtores Fonográficos (Audiogest) revela que, em 2022, as receitas de música gravada em formato físico totalizaram 30,4 milhões de euros (21,4%). Ainda assim, e sem surpresa, o streaming, continua em crescimento, com uma receita de 12,5 milhões de euros (14,1%), lê-se no relatório

No ano passado, o vinil foi o formato mais comprado (69%), sendo que no primeiro trimestre de 2023 chegou aos 70%. Em segundo lugar está o CD (30%).

Quanto às cassetes, a Edisco, a única fábrica na Península Ibérica, destaca que há um crescimento de produção. Neste momento, fabricam-se cerca de 200 mil unidades por ano. Em relação às vendas, é difícil saber, uma vez que depende de editora, produto e público-alvo. O preço por unidade, segundo a empresa, varia entre os “oito e os 12 euros”.

São valores que não diferem muito dos praticados na Bunker Store: um CD novo custa entre dez e 17 euros, uma cassete nova, entre os dez e os 15, e o vinil, entre os 20 e os 40 euros. Segundo Manuel, os clientes mais novos, alguns com 13 e 14 anos, ficam-se pelos CD em promoção e assim é até terem os seus próprios rendimentos e se aventurarem, tal como Marta, no mundo do vinil. As cassetes, por outro lado, representam apenas 10% das vendas anuais e são normalmente compradas por clientela mais velha.

“A cassete é produzida em menos quantidade, o que a torna mais apetecível para o coleccionador”, defende Manuel, que já não sabe quantas tem na sua colecção pessoal. No expositor atrás do balcão, salta à vista a cassete Chaos Manifesto, dos Demonical.

David Saavedra, músico da banda Portuguese Funeral e proprietário da editora independente Kieh! Kieh!, no Porto, também não consegue dizer o número exacto de cassetes que tem, mas sabe que não as ouviu todas. Começou a comprar em 1989, quando estava no secundário. Aos 47 anos, continua a fazê-lo, mas não se considera um coleccionador.

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David faz parte da banda Portuguese Funeral David Saavedra

“Os coleccionadores vão comprando tudo de certas coisas ou o que tem valor e essa não é a minha perspectiva. A minha tem que ver com o meu gosto pessoal, independentemente do valor dos objectos no mercado", adianta.

Streaming nem sempre ameaça

No caso de Manuel, o facto de vender cassetes, vinis ou CD não significa que seja contra o streaming. Diz que “é mau para o negócio”, mas bom para quem gosta de música, especialmente os mais jovens, que têm a opção de ouvir várias vezes o álbum antes de se decidirem a comprar. No seu caso, gravava as músicas quando passavam na televisão ou na rádio com todos os ruídos que existissem à volta. Mas isso são outros tempos.

Actualmente, revela, muitos dos clientes nem sequer têm equipamentos para ouvirem o que compram, mas gostam de ter o objecto físico em casa. Quando querem o som, vão ao Spotify, YouTube ou Bandcamp.

Noutros casos, quem entra na loja nem sequer gosta da banda. Compra pela capa ou pelo preço, como já aconteceu a David Saavedra. Foi o que fez quando viveu em Itália, entre 2006 e 2008, numa altura em que a cassete ainda “não estava na moda” e, nas lojas em segunda mão, ainda eram vendidas a 0,20 cêntimos. Era de aproveitar.

“Uma vez comprei uma cassete de um artista chamado Fabrizio de André, músico de intervenção italiano, quase como o Zeca Afonso. Comprei porque a capa tinha um toque psicadélico e mais tarde vim a descobrir que é a primeira cassete que ele lançou quando ainda não era conhecido e que, para os coleccionadores, é muito cara.” Diz que vale centenas de euros, mas, por enquanto, não está para venda nem para troca, algo que costuma fazer quando conhece novos admiradores de cassetes.

“A cassete é muito underground. Permite fazer coisas mais bonitas do que no CD, por exemplo. Há quem se dedique a fazer as capas uma por uma, há quem as troque e, no fundo, encontramos milhões de artistas, designers e pessoas que têm esta paixão. É toda uma arte e essa é uma das coisas que faz com que eu goste de cassetes”, destaca. É também um formato que já se vê nos novos lançamentos de álbuns, mesmo que os cantores saibam que muitos dos consumidores não têm leitor de cassetes.

João Patrício, por outro lado, acredita que os CD vão acabar por desaparecer a longo prazo — já há artistas a lançar álbuns exclusivamente em formato digital. No entanto, assegura, a “biblioteca pessoal de música”, que já conta com 98 CD, não vai ter o mesmo fim.

“Quem sabe se não haverá um ressurgimento do CD como tem havido com o vinil?”, questiona. ​“Eu duvido, mas tenho sempre o mercado dos usados.”

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