Justiça climática: 82% dos portugueses apoiam decisões judiciais que obriguem governos a agir

Seis portugueses questionam inacção climática de 32 Estados em caso inédito no Tribunal de Direitos Humanos. Sondagem mostra que poucos portugueses estão a par do caso, mas a maioria apoia os jovens.

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Audiência dos jovens que processam Estados por inacção climática acontece esta quarta-feira, 27 de Setembro, em Estrasburgo Khanchit Khirisutchalual/GettyImages
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Na véspera da audiência do caso inédito dos seis jovens portugueses que vão levar 32 países ao Tribunal Europeu dos Direitos Humanos (TEDH), em Estrasburgo, uma sondagem indica que um em cada cinco portugueses conhecem o processo. Apesar disso, quatro em cada cinco apoiam decisões judiciais que obriguem os governos a tomar mais medidas em matéria de alterações climáticas e outras questões ambientais, de acordo com a sondagem encomendada pela plataforma Avaaz, que tem dado apoio aos jovens na campanha de recolha de fundos.

Esta quarta-feira, três anos depois de o processo ter dado entrada, os seis jovens portugueses – Cláudia Duarte Agostinho, Martim Duarte Agostinho, Mariana Duarte Agostinho, Catarina Mota, Sofia Oliveira e André Oliveira, que hoje têm entre os 11 e os 24 anos – vão comparecer perante um colectivo de juízes do TEDH, no primeiro caso climático aceite por este tribunal e o terceiro a ser ouvido em tribunal pleno, a chamada “Grand Chambre”.

A empresa britânica Yougov, especializada em estudos de mercado, questionou 1212 pessoas em Portugal sobre o que acham deste processo e a primeira conclusão é a de que o país não parece estar muito atento: apenas um em cada cinco inquiridos (19%) em Portugal tem conhecimento do processo judicial. Talvez o facto de a acção se prolongar há já três anos contribua para que alguns percam o fio à meada.

Apesar deste desconhecimento, a Avaaz considera que estes 19% são, na realidade, um número generoso para um processo no TEDH, tendo em conta tratar-se de um tribunal de recurso internacional onde os processos – por norma relativos a casos individuais, apesar dos possíveis desdobramentos das decisões – nem sempre têm muita visibilidade, muito menos fora do país de origem dos casos.

Metade “apoia firmemente”

O processo iniciado pelos seis jovens, conhecido como “Duarte Agostinho e Outros v. Portugal e 31”, foi o primeiro caso climático a ser apresentado ao TEDH, em Setembro de 2020. Desde então, chegaram ao tribunal outros dez casos relacionados com alterações climáticas. Enquanto dois já foram rejeitados e seis se encontram pendentes, outros dois processos — “​Verein KlimaSeniorinnen e Outros v. Suíça” e “​Carême v. França” — foram escolhidos para, assim como os seis jovens portugueses, serem ouvidos perante um colectivo de 17 juízes.

“Nunca antes tantos governos foram processados ao mesmo tempo o que significa mais atenção pública do que o habitual para esta audiência”, explica Ruth Delbaere, responsável sénior pela campanha jurídica da Avaaz, por email. A Avaaz não fez estudos semelhantes sobre o caso suíço ou sobre o processo francês, mas, a avaliar pelos dados desta sondagem, “os cidadãos de Portugal compreendem claramente que ‘Duarte Agostinho’ é um caso excepcional”, considera a advogada.

Em Portugal, o grupo com maior nível de conhecimento sobre o caso é, sem surpresas, o de jovens dos 18 aos 24 anos (25% ouviram falar no caso); o menor nível é entre pessoas acima dos 55 anos e surpresa entre os 25 e os 34, com ambas as faixas etárias a registar 18% de pessoas com conhecimento sobre o processo.

Perguntou-se também o que pensavam do caso, mesmo que não tivessem ouvido falar dele antes. Valendo o que vale: 70% das pessoas afirmam apoiar o caso Duarte Agostinho, com apenas 8% a opor-se (os restantes declararam-se indecisos).

Contudo, o apoio é ainda mais expressivo entre as pessoas que já tinham ouvido falar do caso antes do inquérito, com 85% de respostas nesse sentido (47% “apoiam firmemente” e 38% “tendem a apoiar”).

Legitimidade

Há quem questione se os tribunais (em particular os internacionais) têm legitimidade democrática para impor este tipo de decisões aos governos. Daí que a sondagem inclua uma terceira e última questão: “Independentemente deste caso, até que ponto apoia ou se opõe a decisões judiciais que requeiram aos governos que tomem uma acção mais firme em matérias climáticas e ambientais?

O resultado é expressivo: 82% das pessoas apoiam decisões judiciais que obriguem os governos a tomar mais medidas nestas matérias – leia-se cumprir os compromissos assumidos nos acordos internacionais e proteger efectivamente os cidadãos dos efeitos das alterações climáticas e outras ameaças ambientais.

O mundo estará a ver, quando eles entrarem na sala de audiências em Estrasburgo amanhã, remata Ruth Delbaere, da Avaaz. É também por isso que mais de 130 mil pessoas em todo o mundo enviaram mensagens de apoio aos seis jovens, afectados por décadas de fracassos climáticos dos governos.

“Um julgamento como nenhum outro”

Em Portugal, também as organizações ambientalistas e de direitos humanos estão integradas em plataformas que declararam o seu apoio aos seis portugueses.

Em comunicado enviado esta terça-feira, a associação ambientalista Zero considera que os “governos europeus têm o dever legal de actuar urgentemente para evitar a catástrofe climática”. A ONG recorda ainda que o rastilho para os jovens apresentarem o caso ao TEDH ocorreu em 2017, na sequência dos incêndios devastadores em Pedrógão Grande e Mação, em Leiria distrito de residência de quatro dos seis queixosos –, e frisa ainda que o caso será finalmente ouvido no rescaldo do Verão mais quente de que há registo na Europa.

A Zero integra a Rede Europeia de Acção Climática (CAN Europe), que é uma das partes que se registaram como intervenientes neste processo e “apresentou provas ao tribunal para apoiar as alegações” da queixa.

Entre os principais argumentos apresentados pela CAN Europe, explica a Zero, está o facto de que os governos precisam “de reduzir rapidamente as emissões e limitar o aumento da temperatura global a 1,5 graus Celsius acima dos níveis pré-industriais, tal como está estabelecido no Acordo de Paris” (algo que os governos refutam, recordando que o limite vinculativo é de 2 graus Celsius e que não estão previstas obrigações, mas sim contribuições) e que “as alterações climáticas ameaçam e constituem uma violação dos direitos humanos fundamentais que os governos têm o dever de proteger”.

Também a Amnistia Internacional está entre um outro grupo de entidades que entregou a sua argumentação ao TEDH, defendendo que os governos são obrigados a proteger os direitos humanos a nível internacional através das suas políticas climáticas.

Num comunicado enviado também esta terça-feira, a directora de Litigância Estratégica da Amnistia Internacional, Mandi Mudarikwa, afirma que, “tal como em muitos outros lugares, os jovens estão a liderar o caminho e a demonstrar que existem vias legais através das quais se pode alcançar a justiça climática”. “Esta geração, e os seus filhos, vão enfrentar o peso da catástrofe climática que se está a desenrolar”, lamenta.

“Tal como muitas outras pessoas em todo o mundo, os requerentes já estão a sofrer directamente os impactos das alterações climáticas na saúde, uma vez que o aumento do calor extremo restringiu a sua capacidade de passar tempo ao ar livre, fazer exercício, dormir e concentrar-se adequadamente”, explica a advogada. “Alguns sofrem também de doenças como a asma, agravadas pela diminuição da qualidade do ar causada pelo calor extremo, pelos incêndios florestais e pelas emissões provenientes da queima de combustíveis fósseis.”

“O caso dos ‘jovens candidatos’ é simples”, remata a Zero: “O tempo está a esgotar-se rapidamente para salvaguardar o seu futuro. Os governos europeus têm o dever legal de tomar medidas muito mais radicais e urgentes para reduzir as emissões de gases com efeito de estufa.”