Parlamento do Canadá pede desculpa por ovacionar ucraniano que combateu com nazis na II Guerra Mundial

Líder da Câmara dos Comuns convidou “herói da luta pela independência da Ucrânia” para assistir ao discurso de Volodymyr Zelensky. Responsável diz que desconhecia ligação às Waffen-SS.

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Volodymyr Zelensky no final do seu discurso perante a Câmara dos Comuns do Canadá, na sexta-feira Reuters/BLAIR GABLE
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O presidente da Câmara dos Comuns do Canadá, Anthony Rota, pediu desculpa por ter proporcionado uma ovação no Parlamento do país, na sexta-feira, a um antigo combatente ucraniano da II Guerra Mundial que lutou ao lado das tropas nazis. O momento aconteceu após um discurso do Presidente da Ucrânia, Volodymyr Zelensky, perante os legisladores canadianos, e suscitou denúncias de organizações judaicas.

Yaroslav Hunka, de 98 anos, um cidadão com dupla nacionalidade ucraniana e canadiana — e residente no distrito de Ontário, que é representado por Rota no Parlamento do Canadá —, foi apresentado como "um herói da luta pela independência da Ucrânia contra a Rússia", o que motivou uma ovação de pé na câmara baixa do Parlamento do Canadá e levou Zelensky a dirigir-lhe um gesto de agradecimento.

No domingo, várias organizações judaicas vieram alertar que Hunka integrou a organização paramilitar nazi Waffen-SS entre 1943 e 1945, combatendo contra as tropas da União Soviética numa unidade de voluntários ucranianos — uma de várias unidades estrangeiras criadas pelas SS em países sob ocupação nazi e alimentadas pela propaganda de que a guerra no Leste da Europa era uma batalha contra o bolchevismo.

A ligação histórica de um sector ucraniano de extrema-direita à Alemanha nazi durante a II Guerra Mundial, que é indissociável das lutas nacionalistas ucranianas pela independência face à União Soviética, tem sido explorada pela Rússia para justificar a invasão que lançou em Fevereiro de 2022.

Essa ligação, e o facto de alguns sectores actuais no Exército ucraniano se identificarem, na questão da luta pela independência, com o papel dos seus antepassados que colaboraram com os nazis, é aproveitada por Moscovo para generalizar e apresentar a Ucrânia actual como um país liderado por nazis — ainda que o Presidente ucraniano seja judeu e familiar de vítimas do Holocausto.

"Evitar politização"

Num comunicado emitido no domingo, após uma chamada de atenção de grupos judaicos como o Centro Simon Wiesenthal e o B'Nai Brith, o presidente da Câmara dos Comuns pediu desculpa pelo sucedido e disse que não tinha conhecimento da ligação do ex-combatente às tropas de Adolf Hitler.

"Nas minhas declarações após o discurso do Presidente da Ucrânia chamei a atenção para uma pessoa que estava nas galerias. Desde então, tive acesso a informação que me leva a lamentar a minha decisão", disse Rota no comunicado. "Quero pedir desculpa, em particular, às comunidades judaicas no Canadá e em todo o mundo. Aceito total responsabilidade pela minha decisão."

Numa tentativa de se antecipar ao inevitável aproveitamento político do que aconteceu na sexta-feira, principalmente na Rússia — cujas autoridades se referem à invasão da Ucrânia como uma "operação de desnazificação" —, Rota sublinhou que a delegação liderada pelo Presidente ucraniano não estava ao corrente da sua iniciativa no Parlamento.

No mesmo sentido, a ministra dos Assuntos Parlamentares do Canadá, Karina Gould, pediu aos deputados dos vários partidos "que evitem politizar este incidente"; e, num outro comunicado, uma porta-voz do primeiro-ministro do país, Justin Trudeau, afastou qualquer envolvimento na polémica.

"O presidente da Câmara dos Comuns tinha a sua lista de convidados para a comunicação de sexta-feira, que foi elaborada pelo próprio speaker e pelo seu gabinete", disse Ann-Clara Vaillancourt no domingo, numa declaração em que classificou o pedido de desculpa de Rota como "uma decisão acertada".

Mais cuidado no futuro

No seu comunicado, o Centro Simon Wiesenthal mostrou-se "chocado com o convite e a ovação de pé no Parlamento a um veterano que combateu numa unidade militar nazi".

"A associação a esta unidade faz dele um colaborador nazi", disse Dan Panneton, um membro da direcção do grupo judaico, ao site da CBC News.

"Para integrar esta unidade era preciso jurar fidelidade a Hitler e participar no massacre de civis. Por isso, não importa que digam que estavam a defender o seu país do comunismo, já que faziam parte da máquina de guerra nazi. E isso faz deles cúmplices."

Panneton disse também que a solidariedade demonstrada com a Ucrânia na sua guerra contra a invasão russa "é incrivelmente importante", mas "não pode tolerar a distorção ou a celebração do colaboracionismo nazi ou de crimes de guerra".

"Em próximas oportunidades, as pessoas têm de ser muito mais cuidadosas com as figuras a que se associam quando manifestam o seu apoio e solidariedade à causa justa da Ucrânia", concluiu o responsável do Centro Simon Wiesenthal.

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