Os mamíferos terrestres (incluindo os seres humanos) provavelmente estarão extintos dentro de 250 milhões de anos, como resultado das altas temperaturas do ar e do solo, do desaparecimento da vegetação e da desertificação dos territórios. Esta é uma das conclusões de um estudo, publicado esta segunda-feira na revista científica Nature Geosciences.
“Esta extinção deve-se principalmente ao calor extremo criado por um supercontinente que se forma nos trópicos (as regiões mais quentes do planeta), com o brilho do sol a aumentar, emitindo 2,5% mais energia e o dióxido de carbono (CO2) a subir para mais de 600 partes por milhão (ppm) na atmosfera”, afirma ao PÚBLICO o investigador Alex Farnsworth, primeiro autor do estudo. Actualmente, o valor é de 424 ppm (partes por milhão).
Esta investigação, liderada pela Universidade de Bristol, no Reino Unido, fornece um dos primeiros modelos climáticos para um futuro muito, muito distante (repetimos: 250 milhões de anos). Calculadas com a ajuda de supercomputadores, as projecções mostram como os extremos climáticos passarão a ser uma regra quando os diferentes continentes se fundirem.
Europa, Américas, África e demais blocos territoriais deverão reunir-se, nesse futuro distante, dando origem a um supercontinente com temperaturas acima dos 40 graus Celsius, sugere o artigo científico. Tratar-se-á de um extenso território escaldante, seco, na sua maior parte desértico e inabitável.
“A tectónica controla a evolução da vida numa escala de tempo muito longa. Estes supercontinentes aconteceram no passado (pensamos que cerca de 10 a 16 se formaram anteriormente na história da Terra), muitos dos quais coincidiram com a extinção em massa e, agora, pensamos que o próximo também levará a uma extinção em massa de espécies”, esclarece Alex Farnsworth, cientista da Universidade de Bristol.
Da última Pangeia à Pangeia Última
Acredita-se que a última deriva dos continentes ocorreu há 200 milhões de anos, resultando da fragmentação da Pangeia. Agora, já estará em marcha, defendem os cientistas, uma lentíssima deslocação de continentes que deverá culminar, dentro de 250 milhões de anos, na formação de um supercontinente chamado Pangeia Última.
Para obter estas projecções, os cientistas desenharam um modelo climático semelhante àqueles que nos fornecem todos os dias previsões meteorológicas. “No entanto, precisámos de fazer muitas alterações nestes modelos para mudar [a localização] dos continentes, a topografia (montanhas, planaltos) e batimetria (a forma das profundezas do oceano) do planeta para esta atender a esta configuração de supercontinente”, refere Alex Farnsworth, numa resposta ao PÚBLICO por e-mail.
O modelo de Bristol contempla ainda a concentração geral de CO2 na atmosfera (considerando aspectos como a libertação de gases durante a actividade de vulcões) e o aumento da energia solar (uma vez que a estrela se tornará mais brilhante). A equipa teve de recorrer a estimativas diversas, do movimento de placas tectónicas à química e à biologia dos oceanos, para calcular possíveis aumentos e reduções de CO2.
Limitações e incertezas
O novo modelo permite prever, por exemplo que tipo de vegetação cresceria nos cenários climáticos simulados. Mais: permite ainda considerar a influência que essas mesmas plantas teriam no clima, sabendo que a fotossíntese implica a captura de CO2 e a libertação de oxigénio. Contudo, como qualquer modelo climático, este também padece de limitações.
“Tivemos de utilizar aqui [no modelo] a vegetação moderna, pois não se sabe ainda que tipo de vegetação poderá existir em 250 milhões de anos”, justifica Alex Farnsworth, que também é professor visitante Instituto de Investigação do Planalto Tibetano.
Existem ainda outras incertezas no modelo. Os autores prevêem a formação de um supercontinente na linha do Equador, o que é consistente com outras referências na literatura científica existente.
“Todavia, uma simulação recente prevê que o próximo supercontinente – chamado de Amasia – poderá estar localizado no Pólo Norte. Se tal ocorresse, seria mais favorável para a sobrevivência dos mamíferos devido às temperaturas mais frias nas latitudes mais altas. No entanto, Amasia é controversa”, esclarece o cientista climático.
Outra limitação prende-se com a tolerância dos mamíferos ao calor. Diferentes espécies apresentam limiares térmicos distintos, que dependem de características físicas e fisiológicas. “Acabámos por usar valores conservadores, determinando a habitabilidade com um limite superior mais alto do que a maioria dos mamíferos tem”, refere o co-autor.
A maior limitação do modelo, no entanto, foi mesmo tentar compreender as flutuações na composição química da atmosfera do futuro. “É algo difícil de modelar”, explica Alex Farnsworth. Isto porque, segundo explica, a concentração de CO2 depende não só da actividade vulcânica (resultado de forças tectónicas durante a formação e decadência do supercontinente), mas também de processos de desintegração ou decomposição de rochas (intemperismo).
“O intemperismo pode ter o efeito de reduzir o CO2, retirando-o da atmosfera e soterrando-o. Fizemos algumas modelagens biogeoquímicas para compreender melhor estes processos. No entanto, ainda existem suposições e incertezas irrestritas que são difíceis de prever num futuro tão distante”, refere o cientista.
Embora o modelo diga respeito à atmosfera do planeta dentro de 250 milhões de anos, o estudo sublinha, num sentido lato, a vulnerabilidade da nossa espécie e de outros mamíferos a temperaturas extremas. E ainda o papel dos gases com efeito de estufa no aquecimento da única atmosfera do planeta.
“É de vital importância não perder de vista a nossa actual crise climática, que é resultado das emissões humanas de gases com efeito de estufa. Embora prevejamos um planeta inabitável dentro de 250 milhões de anos, hoje já vivemos um calor extremo que é prejudicial à saúde humana. É por isso que é crucial atingir emissões líquidas zero o mais rápido possível”, alerta a co-autora, Eunice Lo, investigadora da Universidade de Bristol na área de clima e saúde, citada numa nota de imprensa.