Foi bonita a bolha, pá: a maior parte dos NFT vale hoje zero
Após cerca de dois anos de febril interesse na criptoarte, a especulação e os problemas das criptomoedas ajudaram a que 95% das colecções não tenham valor, diz estudo.
Cerca de 23 milhões de pessoas perderam o que investiram na compra de NFT, ou criptoarte, revela um relatório de um grupo especializado em activos digitais. Dezenas de milhares de NFT, que em 2021 atingiram um pico de popularidade e de valor especulativo no mercado, gerando o que muitas entidades não hesitam em chamar de “loucura”, valem hoje zero. Numa altura em que os criptoactivos como as criptomoedas estão em crise de reputação e valor, a expressão artística desta vaga tecnológica sofre também o esvaziar da sua bolha.
Os números do relatório da dappGambl, que como a sua apresentação indica é especialista neste mercado que vai da criptoarte ao jogo e casinos digitais, são expressivos. De 73.257 colecções registadas pela NFT Scan e CoinMarketCap, 69.795 valem zero Ether (uma criptomoeda). O mesmo estudo mostra que 79% das colecções NFT não foram vendidas e que não há procura suficiente para a oferta. Os analistas olharam para o mercado global mas depois afunilaram para as 8850 colecções de NFT mais cotadas e verificaram que há 1600 colecções "mortas", ou seja 18% não têm procura.
Descodificando: a NFT Scan é a maior infraestrutura de dados sobre NFT; NFT são tokens não fungíveis, ou seja objectos digitais únicos, como ajudou a definir no PÚBLICO André Baltazar, director do Centro de Criatividade Digital da Universidade Católica Portuguesa – Porto; o CoinMarketCap é um site que fornece informação sobre os preços, volumes de transacção e outros dados sobre criptoactivos (é detido pela Binance, a maior corretora de criptoactivos do mundo e que está a ser processada pelo regulador do mercado nos EUA).
Estes dados agora revelados dizem respeito à chamada criptoarte e a sua desvalorização é quantificada da seguinte forma: as quase 70 mil colecções valem zero Ether – esta criptomoeda foi criada em 2013 e é nativa da plataforma blockchain, base de dados que guarda um registo, inalterável, de todas as operações feitas em blocos, Ethereum. A Ether é a segunda maior criptomoeda do mundo no que toca ao seu valor de mercado (a primeira é a bitcoin).
Armadilhas
Depois de dois anos em que os NFT foram a “moda” na arte, com a publicação Art Review a coroá-los como a entidade mais influente da arte contemporânea em 2021, a sua desvalorização contrasta com os mais febris desses momentos em torno dos NFT.
Um milionário fez uma festa para queimar um desenho de Frida Kahlo há um ano; poucas semanas depois, Damien Hirst queimou obras suas depois de as ter transformado em NFT. Alguns museus criaram galerias para expor NFT, como o Moco em Amesterdão, e reputadas instituições como os Uffizi de Florença ou o British Museum fizeram versões NFT de obras das suas colecções – em Portugal, o Museu de São Roque aderiu também à moda. Entre os criativos, Vhils ou Quim Barreiros são alguns dos nomes que assinaram ou lançaram obras NFT nos últimos anos.
Agora, e numa altura em que rostos bilionários da “cripto” como Sam Bankman-Fried estão presos ou sob investigação e por se temer que muitas das criptomoedas não passem de esquemas Ponzi ou fraudes aos investidores, os NFT perdem também o seu brilho. “Esta realidade assustadora deve servir como um alerta mais sóbrio sobre a histeria que muitas vezes rodeou o espaço NFT. Entre histórias de peças de arte digital vendidas por milhões e narrativas de sucesso do dia para a noite, é fácil ignorar que o mercado está cheio de armadilhas e potenciais perdas”, diz o relatório. É um “mercado altamente especulativo e volátil”, alerta ainda a dappGambl.
A bolha rebentou
Em 2021, os balanços eram esfuziantes: o volume de transacções no mercados da arte tinha aumentado e o combustível para essa força eram os NFT – por exemplo, uma obra de Beeple foi vendida por 65,4 milhões de euros em Março desse ano; leiloeiras históricas como a Christie’s ou a Sotheby’s entraram no mercado e negociaram milhões em NFT. No fim desse ano, o mercado valia 25,2 mil milhões de euros.
Em meados de 2022, os primeiros sinais de que o balão se esvaziava surgiam a par “do despenhar dos mercados de criptomoedas”, contextualizava na altura Ethan McMahon, economista da plataforma de análise de blockhain Chainanalysis, citado pelo diário francês Le Monde. No final desse ano, já se declarava “a bolha dos NFT rebentou”, como escrevia a revista Rolling Stone, com o volume de transacções em NFT a cair 97% entre Janeiro e Setembro (de milhares de milhões para “apenas” algumas centenas de milhões).
Doravante, apontam o relatório e os especialistas, o futuro dos NFT joga-se depois do rebentar de uma bolha especulativa e o real valor histórico e artístico das obras, além de terem como contrapeso o elevado custo ambiental dos criptoactivos (apesar de imateriais, a quantidade de electricidade consumida para os criar e manter e as emissões de dióxido de carbono são gigantescas). Os investidores, por seu turno, são mais criteriosos, atenta a dappGambl, que frisa que "os NFT ainda têm lugar no nosso futuro".