Sem cozinha, alunos de residência do Porto jantam com o que podem — encomendas ou electrodomésticos escondidos
Na residência Novais Barbosa, no Porto, a cantina é a única solução pensada para o jantar destes estudantes, mas não tem horários compatíveis com aulas em pós-laboral. PRR vai financiar cozinhas.
São 21h, o sol já se pôs, e a Faculdade de Letras da Universidade do Porto (FLUP), no Campo Alegre, começa a esvaziar-se. No átrio, contam-se apenas alguns professores, alunos – a maioria em regime pós-laboral — e funcionários. Só há uma figura que contrasta: uma mochila rectangular, uma cor verde fluorescente. É um estafeta da UberEats. É uma questão de minutos para que deixe de estar sozinho; a ele juntam-se outros tantos que servem as necessidades dos alunos da residência Novais Barbosa. É que, sem cozinha na residência e com os horários limitados da cantina que existe no rés-do-chão, não resta a estes alunos muitas opções para se alimentarem à hora do jantar.
No papel, a residência Novais Barbosa é quase idílica. “Situada na Via Panorâmica”, esta residência “agrada a quem lá passa pela sua peculiar arquitectura que se confunde com o edifício da Faculdade de Letras”, lê-se no site dos Serviços de Acção Social da Universidade do Porto. “O extenso espaço exterior que a circunda e as vistas sobre o rio Douro fazem as delícias dos amantes da natureza”, continua. Esta estrutura foi pensada para suprir as necessidades de habitação dos alunos deslocados, principalmente os que recebem bolsa de estudo, como se pode ler no Regulamento das Residências Universitárias. É uma alternativa mais económica – e muitas vezes a única para quem tem mais dificuldades.
O senão chega umas linhas mais à frente: “Não está preparada para confeccionar refeições.” Sem poder cozinhar, os alunos que vivem neste espaço tentam arranjar soluções noutros sítios – das refeições pré-feitas (nem sempre as mais económicas e nutritivas) à UberEats.
Para Beatriz Silva, residente e estudante da Faculdade de Letras, viver na Novais Barbosa “nem sempre é uma experiência agradável”. São pisos com 12 pessoas, casas de banho partilhadas com chuveiros entupidos, frigoríficos minúsculos e apenas um microondas por piso. Mas o pior é mesmo “não ter forma de cozinhar”.
É que, para além de os alunos não terem cozinha, também estão proibidos electrodomésticos dentro do quarto – airfryers, por exemplo, estão proibidos. “Só nos deixam ter chaleiras eléctricas, se nos apanharem com outros electrodomésticos são confiscados”, afirma Beatriz. Para contornar a situação, a estudante tenta levar comida de casa, “mas se chegar mais tarde do que as outras pessoas” já não tem espaço no frigorífico.
Para César Martins, de 20 anos, a solução foi esconder esses pequenos electrodomésticos, “para não estar sempre a ir comprar comida fora”. “No entanto, ao jantar a minha alimentação é à base de sandes”, afirma.
A cantina é uma alternativa? Não, respondem estes estudantes. “O meu mestrado é pós-laboral [das 18h às 21h] e a cantina serve jantar entre as 18h30 e as 20h30. Por isso, quanto aos horários, não é viável. Não me é possível jantar lá”, resume Beatriz.
Se comesse sempre na cantina, Beatriz gastaria por mês “pelo menos 100 euros”, comendo a refeição social simples, apenas composta por prato principal e pão. Mas, o que faz normalmente é levar comida de casa ou comprar refeições pré-feitas, o que faz aumentar a conta: cerca de 150 euros por mês. “Fica difícil variar na comida e em cada fim-de-semana que vou a casa regresso com 10 quilos às costas.”
César acrescenta: “Conseguia poupar bastante dinheiro se tivesse uma cozinha. Em vez de estar sempre a comprar coisas preparadas, que são sempre mais caras, comprava os ingredientes. Afecta a minha vida porque para comer tenho de cortar noutras coisas. Se calhar, tendo uma cozinha, não era obrigado a apertar tanto o cinto.”
PRR vai financiar cozinhas
Ao P3, os Serviços Sociais da Universidade do Porto justificam a proibição dos electrodomésticos nos quartos com o “perigo de incêndio, intoxicação e outras ameaças à segurança de todos os residentes”. Sobre a falta de cozinha, escudam-se no projecto da própria residência: “De facto, a Residência Novais Barbosa não possui uma cozinha comunitária como outras residências da Universidade do Porto, mas isso acontece por opção deliberada do projecto do edifício aquando da sua construção”, admitem.
A residência foi inaugurada em conjunto com a Cantina de Letras em 2008. A opção, na altura, foi ter mais camas em detrimento de uma cozinha; achou-se que seria redundante por já haver uma cantina.
Confrontados com a questão dos horários da cantina e com a impossibilidade de alguns alunos usufruírem dela por incompatibilidade, os SASUP afirmaram que “a questão do alargamento dos horários está dependente da negociação com os prestadores de serviços”, um processo que dizem estar em curso.
A tão desejada cozinha, contudo, está por vir: “Sabemos que os contextos hoje são diferentes e, por essa razão, elaborámos um projecto de reabilitação para a Novais Barbosa que inclui, entre outros melhoramentos, a criação de cozinhas comunitárias nos diferentes blocos da residência”. O projecto foi objecto de candidatura ao PRR, no âmbito do Plano Nacional de Alojamento no Ensino Superior, que foi aprovado com o financiamento de 2,5 milhões de euros.
As regras do PRR só obrigam a que as empreitadas estejam concluídas até 31 de Dezembro de 2026. O que quer dizer que, na pior das hipóteses, os alunos que entram agora na licenciatura podem terminá-la sem uma cozinha.
Estudante reúnem alternativas
Já em 2019, a Associação de Estudantes da FLUP denunciou a situação da falta de cozinha na residência e os inconvenientes que trazia aos residentes. Porém, o cenário não mudou. Margarida Lima Moreira, actual presidente, recorda que “o problema não é só a falta de cozinha, apesar de ser o maior”: “Lugares de convívio, casas de banho também pecam nas condições.”
A presidente garantiu que já procuraram respostas junto dos SASUP, mas não houve mudanças. Dentro do que lhes é possível fazer, a AE está a “procurar alargar o bar da sua concessão [Bar do Tio, dentro das instalações da FLUP] até às 21h30/22h para tentar oferecer uma solução aos alunos que nem na cantina podem comer dado os horários das aulas.” Porém, não deixa de realçar que “é necessário dar uma solução urgente e decente aos alunos”.
Francisco Pires é presidente da Comissão de Residência Novais Barbosa. Está no Porto e na Comissão há cinco anos e explica que o objectivo é juntar as pessoas que vivem na mesma residência, organizando eventos e tentando juntar as pessoas — “apesar de, desde a pandemia, os alunos ficarem mais pelo quarto, já não temos a sala sempre cheia de caras novas”, descreve.
Questionado sobre a falta de cozinha, lembrou que a comissão tenta “organizar churrascos, sessões de cinema, colocar dobradiças numa porta, mudar a concessão das vending-machines”, isto é, resolver os problemas que vão aparecendo no dia-a-dia, ajudando também, de alguma forma, com a alimentação dos alunos. Contudo, sobre a questão específica da cozinha, afirma que já têm tentado uma resposta dos SASUP há “pelo menos cinco anos”, mas sem sucesso: “São um pouco evasivos”, resume.
Texto editado por Inês Chaíça