Dentro e fora

A culpa do desarranjo do estômago é dos incêndios, vaticinou ela. A doença do gaiato é também fogo, que acontece como espelho das chamas externas, ardendo por dentro.

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Ali estava o Carlos, como quem agarra numa faca da cozinha, sem mexer um músculo, sem pestanejar, olhando o fogo nos olhos, repetindo mentalmente a frase que ouvia tantas vezes em sua casa, a frase terminada em vírgula, “Eu mato-te”, como se a violência das chamas se semelhasse ao pai a espancar a mãe. E, por sorte ou milagre, de repente o vento mudou, o advogado Morais parou de gritar, as criadas, a Luzia e o caseiro pararam de lutar e, naquele silêncio corrompido pelo crepitar do fogo — o barulho dos dentes das chamas a mastigar a madeira —, repararam então no Carlos, na sua silhueta recortada pela luz do incêndio, a olhar o fogo nos olhos, impassível, a repetir mentalmente “Eu mato-te”, e o fogo a ir embora descendo a encosta, enquanto o rapaz permanecia imóvel, com o queixo encostado ao peito a ameaçar as chamas.

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