Zero aplaude discurso de Marcelo, mas lembra realidade energética até 2040

Associação ambientalista Zero interpreta o discurso do Presidente da República na ONU como “progressista”, mas insiste em que autonomia de produção e armazenamento deve ser atingida até 2040.

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O Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, discursou na Cimeira de Ambição Climática da ONU LUSA/Nuno Veiga
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A associação ambientalista Zero ficou agradada com o discurso do Presidente da República na Cimeira de Ambição Climática das Nações Unidas. Na quarta-feira, 20 de Setembro, Marcelo Rebelo de Sousa anunciou o objectivo de, em 2026, Portugal atingir 80% de fontes renováveis na produção de electricidade e, em 2030, os 100%.

Ao PÚBLICO, Pedro Nunes, especialista em política pública da associação Zero, começa por lembrar que o objectivo delineado para 2030, que consta do actual Plano Nacional de Energia e Clima, requer várias ressalvas, de forma a compatibilizar a meta “muito ambiciosa” com a sustentabilidade paisagística e os “valores ecossistémicos”.

Em todo o caso, sublinha, os membros da Zero receberam com surpresa o anúncio de Marcelo Rebelo Sousa, “na medida em que – no âmbito da cimeira – estes objectivos não são anunciados por um Presidente da República”. Por isso, Pedro Nunes identifica preocupações “progressistas” no discurso do Presidente português.

Também na quarta-feira, o secretário-geral da ONU, António Guterres, apelou ao abandono da “ganância nua e crua” dos interesses dos combustíveis fósseis, que deveriam ser substituídos, o quanto antes, por fontes renováveis. Contudo, as palavras do português não demoveram alguns políticos, como o primeiro-ministro britânico, Rishi Sunak, de adiar algumas metas ambientais previstas para 2025 e 2026, como a redução de emissões de gases com efeito de estufa ou o aquecimento a diesel. Sunak logo esclareceu que não estaria a enfraquecer as metas climáticas, mas sim a promover uma evolução sustentável para a sociedade britânica.

Para Pedro Nunes, as palavras do primeiro-ministro do Reino Unido reflectem o estado das economias europeias, enfraquecidas pela inflação e pela guerra na Ucrânia, realidades que ameaçam estancar o progresso rumo “a uma menor insustentabilidade”. Ainda que o conflito no Leste da Europa tenha obrigado a diminuir o consumo de gás, outros Estados da União Europeia, como a Alemanha, adiaram objectivos climáticos.

“Houve um grande movimento alemão que quase permitiu selar o acordo para acabar com o motor de combustão nos carros até 2025. Depois, houve um revés. Esta situação decorre também da proximidade das eleições europeias, no próximo ano. Uma vez que alguns movimentos conservadores poderão ganhar terreno no Parlamento Europeu – e trazer remitência quanto às políticas climáticas –, os partidos mais centrais e de políticas pró-ambiente estão já a preparar terreno para não perder o eleitorado”, descreve Pedro Nunes.

Importação de energia, pelo menos, até 2040

O objectivo anunciado por Marcelo Rebelo de Sousa, a ser atingido em 2030, não significará, ainda assim, que seja interrompida a importação de energia nuclear ou fóssil de Espanha. Como explica Pedro Nunes, até 2040, as centrais de gás, “e possivelmente a central de Tapada do Outeiro”, continuarão a funcionar. Por outro lado, esclarece, a necessidade de importar surgirá durante os meses mais frios.

“A energia renovável a 100% significará que a totalidade da produção de electricidade em renováveis é equivalente ao consumo do país. Estes 100% devem ser vistos à lupa, porque é tudo uma questão de balanço”, ressalva.

Assim, propõe, a autonomia de produção e de consumo será possível quando o Governo investir em técnicas de armazenamento da energia renovável.

“A barragem do Alto Tâmega vai ajudar ao armazenamento energético, mas não irá responder a tudo. É preciso pensar numa maior capacidade de armazenamento. Portugal está bem posicionado, com bastantes recursos, com bastante sol, mas deve planear o reforço do armazenamento da energia produzida. Outra componente é a flexibilização dos consumos, vertente que já começou a ser trabalhada”, conclui.

Na quarta-feira, Marcelo Rebelo de Sousa antecipou também a meta de neutralidade carbónica para 2045 e lembrou que a humanidade está “a correr contra o relógio”, apontando 2050 como data limite para concretizar as metas climáticas.