O que está a acontecer em Nagorno-Karabakh?

Após uma ofensiva de 24 horas por parte do Azerbaijão, os separatistas arménios aceitaram um cessar-fogo e a dissolução das suas forças. As negociações entre os dois lados começam esta quinta-feira.

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Soldados da força russa de manutenção de paz ajudam civis a sair de Nagorno-Karabakh Reuters/RUSSIAN DEFENCE MINISTRY

O Azerbaijão parece ter recuperado o controlo da região separatista de Nagorno-Karabakh, habitada maioritariamente por arménios, ao fim de uma ofensiva militar de 24 horas que terminou esta quarta-feira depois de as forças militares da autoproclamada república de Artsaque, pró-Arménia, terem anunciado a sua dissolução e a aceitação da “proposta do comando do contingente de manutenção de paz russo para um cessar-fogo”.

Eis um guia rápido sobre o que se está a passar nesta região do Cáucaso.

O que é o Nagorno-Karabakh?

O Nagorno-Karabakh, conhecido como “Artsaque” pelos arménios, é uma região montanhosa no Azerbaijão, reconhecida internacionalmente como parte do país. Mas os seus 120 mil habitantes são predominantemente de etnia arménia e declararam a secessão após uma guerra que começou em 1988 e terminaria em 1994, já após o colapso da União Soviética. Em resultado do conflito, os arménios assumiram o controlo de facto da região separatista.

Em 2020, numa guerra que durou 44 dias, o Azerbaijão reconquistou sete distritos circundantes e retomou cerca de um terço do território de Nagorno-Karabakh.

O que pretende o Azerbaijão com esta operação militar?

Hikmet Hajiyev, conselheiro de política externa do Presidente, Ilham Aliyev, disse à Reuters na terça-feira que o Azerbaijão queria estabelecer total soberania sobre o território e não falaria com os arménios de Karabakh, a menos que eles se rendessem e se desarmassem.

A “operação antiterrorismo”, como foi classificada pelo Governo de Bacu, causou pelo menos 27 mortes, incluindo dois civis, e mais de 200 feridos.

Porquê agora?

O Azerbaijão tem vindo a aumentar a pressão sobre Nagorno-Karabakh há meses, bloqueando efectivamente a sua vital ligação rodoviária com a Arménia, conhecida como o “corredor de Lachin”. A situação provocou uma grave escassez de alimentos e medicamentos entre a população de maioria arménia.

Os 2000 soldados russos da força de manutenção da paz pouco fizeram para manter a estrada aberta, reforçando a impressão de que Moscovo estava demasiado preocupada com a guerra na Ucrânia para lidar com crises noutros locais. Os arménios de Karabakh recusaram-se, até à semana passada, a abrir uma ligação rodoviária à cidade azerbaijana de Aghdam.

As relações da Rússia com a Arménia, com cujo apoio os arménios de Karabakh têm contado há três décadas, deterioraram-se fortemente, reduzindo a probabilidade de Moscovo vir em seu auxílio. A Arménia não tem outro aliado poderoso com que possa contar, enquanto o Azerbaijão é apoiado pela vizinha Turquia.

Porque é que esta situação é importante?

O conflito na região entre arménios cristãos e azeris muçulmanos turcos remonta há mais de um século. Cerca de 30 mil pessoas morreram e mais de um milhão de pessoas foi deslocado na guerra dos anos 1990. Pelo menos 6500 morreram na guerra de 44 dias travada em 2020.

O actual conflito poderá alterar o equilíbrio de poderes na região, onde a Rússia, a Turquia, o Irão e o Ocidente têm interesses concorrentes.

A Rússia considera-se o garante da segurança no Sul do Cáucaso, mas a sua influência está a diminuir. O Azerbaijão afirmou ter avisado Moscovo com apenas alguns minutos de antecedência sobre a ofensiva da última terça-feira, apesar do papel da força de manutenção de paz da Rússia e dos frequentes apelos à contenção.

O que vai acontecer a seguir?

As duas partes afirmaram ter concordado com um cessar-fogo proposto pelas forças de manutenção de paz russas, ao abrigo do qual as forças de Karabakh se dissolveriam e desarmariam, e que as conversações sobre o futuro da região e da etnia arménia que aí vive teriam início já esta quinta-feira na cidade de Ievlakh, no Azerbaijão.

Um acordo deste tipo porá o Azerbaijão perto de atingir todos os seus objectivos, ao passo que quaisquer novos combates poderão aumentar o risco de uma guerra maior entre o Azerbaijão e a Arménia.

Mesmo em tempos normais, os confrontos ao longo da fronteira comum têm sido frequentes e as tensões são agora muito elevadas.

Qual a força dos respectivos exércitos?

De acordo com o Instituto Internacional de Estudos Estratégicos, o Azerbaijão tem um total de 64 mil efectivos armados e 300 mil reservistas disponíveis. Calcula-se que as forças separatistas de Karabakh sejam apenas cerca de 5000.

As Forças Armadas da Arménia dispõem de cerca de 43 mil efectivos e um número estimado de 210 mil reservistas. São inferiores em relação às do Azerbaijão, especialmente em termos de poder aéreo, e o seu orçamento de defesa para 2022, no valor de 750 milhões de dólares (700 milhões de euros), equivale a um terço dos 2,6 mil milhões de dólares (2,4 mil milhões de euros) gastos pelo Azerbaijão.

Qual foi a reacção da comunidade internacional?

A Turquia, aliada do Azerbaijão, disse que apoiava o que classificou como “medidas do Governo de Bacu para preservar a sua integridade territorial”.

A Rússia, que tem um tratado de defesa com a Arménia, declarou que as suas forças de manutenção da paz ajudariam a aplicar o cessar-fogo declarado esta quarta-feira. Antes, num comunicado publicado no Telegram, o Ministério dos Negócios Estrangeiros russo pedira às “partes em conflito para pararem imediatamente o derramamento de sangue, pararem as hostilidades e pararem de fazer vítimas civis”.

Os Estados Unidos, por intermédio do secretário de Estado, Antony Blinken, apelou ao Presidente azerbaijano, Ilham Aliyev, para que cessasse “imediatamente as acções militares” em Nagorno-Karabakh.

“É fundamental que o Azerbaijão retire tensão à situação para promover uma resolução pacífica para o conflito”, escreveu o chefe da diplomacia dos Estados Unidos no X (antigo Twitter).

Também a União Europeia, através do alto-representante para a Política Externa e Segurança, Josep Borrell, pediu o “regresso do diálogo entre Bacu e os arménios do Karabakh”.

Os Estados Unidos, a União Europeia e a Rússia tentaram, durante anos, levar a Arménia a concluir um acordo de paz permanente com o Azerbaijão. Mas todas as tentativas fracassaram devido à exigência da Arménia de que o Azerbaijão concordasse em proteger os direitos e a segurança dos arménios de Karabakh, algo que Bacu considerou como desnecessário e uma interferência nos seus assuntos internos.