Bruxelas propõe renovar por dez anos licença para uso do glifosato

Comissão Europeia quer estender por dez anos aprovação do uso do glifosato, substância usada em muitos herbicidas agrícolas. Estados-membros devem votar proposta em Outubro.

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Roundup, a marca de glifosato da empresa norte-americana Monsanto YVES HERMAN/REUTERS
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A Comissão Europeia propõe estender por mais uma década a aprovação do glifosato, uma substância presente nos herbicidas mais utilizados na União Europeia (UE), de acordo com um documento de trabalho divulgado esta quarta-feira.

“O glifosato foi sujeito a duas avaliações exaustivas desde 2012, e ambas não identificaram preocupações que indicassem que os critérios […] não eram cumpridos. Como tal, não se pode esperar que, no curto prazo, seja acumulada informação nova suficiente para resultar numa conclusão diferente”, lê-se na proposta da Comissão Europeia.

O documento acrescenta que, ao mesmo tempo, “observa-se que a investigação sobre o glifosato se intensificou nos últimos anos e poderão surgir novos conhecimentos sobre as propriedades do glifosato relevantes para a protecção da saúde humana e do ambiente”. Equilibrando estas considerações, a Comissão considera “adequado” renovar a aprovação do glifosato por um período de dez anos – ou seja, um meio-termo entre cinco e 15 anos.

Votação dia 13 de Outubro

Os 27 Estados-membros da União Europeia devem discutir a proposta num encontro agendado para esta sexta-feira, dia 22 de Setembro. Segue-se uma votação prevista para o próximo dia 13 de Outubro, ou seja, cerca de dois meses antes de expirar a licença para o uso agrícola da substância química.

Pelo menos 15 países têm de votar a favor ou contra para obter a chamada “maioria qualificada”, capaz de bloquear ou fazer avançar a proposta. Sabe-se que apenas um Estado-membro se opõe à renovação da licença do glifosato, pelo que se antevê a aprovação da proposta da Comissão Europeia.

A utilização do glifosato, uma substância química capaz de matar ervas não desejadas, foi aprovada na União Europeia pela última vez em 2017. Tratava-se de uma licença de cinco anos (em vez de 15, o período máximo), o que significa que expiraria em Dezembro de 2022. Foi, contudo, prorrogada por mais um ano.

O pedido de extensão da licença do produto partiu de colectivo de empresas que se auto-intitula Grupo de Renovação do Glifosato, GRG, e agrega gigantes da indústria química como a Bayer, Syngenta e Nufarm. Num comunicado divulgado esta quarta-feira, o grupo congratulou-se com a proposta da Comissão Europeia.

“O Grupo de Renovação do Glifosato acolhe favoravelmente a proposta de regulamento, que se baseia nas fortes conclusões baseadas na ciência da Autoridade Europeia para a Segurança dos Alimentos (EFSA, na sigla em inglês). […] O próximo passo é os Estados-membros da UE votarem a proposta da Comissão. O GRG entende que a decisão deveria basear-se nas conclusões científicas, o que levaria a um voto a favor da reaprovação”, lê-se na nota.

Este colectivo de empresas ligadas à produção e distribuição do glifosato ambicionava um período máximo de autorização de 15 anos, mas a Comissão Europeia preferiu optar por um prazo de uma década.

“Quase todos os dias são publicados novos estudos sobre o glifosato. Se emergirem evidências nos próximos dez anos que contestem as conclusões da EFSA, a Comissão pode reavaliar a aprovação da substância”, explicou um funcionário daquela entidade europeia.

Já o Observatório Europeu das Corporações recebeu a notícia negativamente. A Comissão propõe uma renovação de dez anos para o glifosato, apesar das provas sobre a sua carcinogenicidade e do apoio popular esmagador à proibição do produto da Bayer, escreve a organização na rede social X (antigo Twitter).

França vota favoravelmente

O ministro da Agricultura francês, Marc Fesneau, afirmou na semana passada que a França não se oporia à aprovação, refere o Politico – isto, apesar de o executivo liderado por Emmanuel Macron se posicionar desde 2017 a favor da eliminação gradual do ingrediente activo de herbicidas como o Roundup, agora produzido pela Bayer.

“Quanto ao glifosato, é uma decisão que deve ser tomada ao nível europeu. Um terço dos agricultores franceses já eliminou completamente o glifosato. Estamos numa tendência de redução e, além disso, vivemos num mercado único. Sempre podemos proibi-lo sozinhos, mas se isso significa que os produtos vêm de países que usam glifosato deixa de fazer sentido”, escreveu Marc Fesneau em Junho na rede social X.

Controvérsia dura há vários anos

A polémica à volta do glifosato inflamou-se quando a agência da Organização Mundial de Saúde dedicada ao cancro considerou, em 2015, que a substância era provavelmente cancerígena para os seres humanos. A controvérsia manteve-se com o passar dos anos sobretudo pela dificuldade de a ciência dar uma resposta absoluta e definitiva sobre os seus efeitos na saúde humana.

A Bayer adquiriu em 2018 o Roundup através da compra da norte-americana Monsanto, por quase 59 mil milhões de euros, segundo dados da Reuters. Ao longo dos últimos cinco anos, gastou milhares de milhões de euros para resolver uma série de processos judiciais, nos Estados Unidos, que argumentavam que a substância provoca cancro. A Bayer, contudo, reitera que há estudos que mostram que o Roundup é seguro.

Uma avaliação de risco, conduzida e divulgada pela EFSA em Julho deste ano, indica não haver “nenhuma área crítica de preocupação” no que toca à utilização agrícola do glifosato. O relatório identificou, todavia, múltiplas lacunas nos dados disponíveis actualmente.

O Comité de Avaliação dos Riscos da Agência Europeia de Produtos Químicos (Echa) também havia concluído, em Maio de 2022, que os dados científicos disponíveis hoje não permitem classificar o glifosato como uma substância cancerígena. A substância continua, no entanto, a ser considerada passível de causar graves problemas oculares e de ser tóxica para a vida aquática “com efeitos duradouros”, segundo a apreciação daquela agência.

A conclusão do comité da Echa é, recorde-se, consistente com aquela que a agência europeia tinha divulgado em 2017. Há cinco anos, o parecer da entidade já excluía os riscos oncológicos e mencionava o risco de problemas oftalmológicos e de impacte nos ecossistemas subaquáticos.

Um estudo divulgado este mês recomendava não só a não-renovação da licença de comercialização de glifosato na União Europeia, mas também a eliminação progressiva do uso de produtos à base desta substância. O documento refere que a utilização da substância “reduz a qualidade das águas” e “tem sido associada a efeitos adversos numa grande variedade de espécies, incluindo os humanos”.

Feito pela organização Pesticide Action Network e pelo Grupo dos Verdes/Aliança Livre Europeia, no Parlamento Europeu, o estudo envolvia 12 países e referia que Portugal é “campeão” em concentração tóxica de glifosato na água.

Seguindo um princípio de precaução, Portugal proíbe desde 2017 o uso de glifosato em espaços públicos como jardins infantis, escolas e hospitais.

Texto actualizado dia 21/9/23 às 9h15: Foi acrescentada a previsão de aprovação da proposta da Comissão Europeia.