O secretário-geral das Nações Unidas, António Guterres, afirmou esta quarta-feira, na Assembleia Geral da ONU, que o tempo para combater as alterações climáticas está a esgotar-se, em parte graças à "ganância nua e crua" dos interesses dos combustíveis fósseis. Com a cimeira do clima COP28 a ter início a 29 de Novembro no Dubai, nos Emirados Árabes Unidos (EAU), Guterres implorou aos decisores políticos nacionais que eliminem gradualmente os combustíveis fósseis que causam o aquecimento global.
"A transição dos combustíveis fósseis para as energias renováveis está a acontecer, mas estamos décadas atrasados", afirmou António Guterres no início da cimeira. "Temos de recuperar o tempo que perdemos ao arrastar os pés, com braços-de-ferro e com a ganância nua e crua de interesses instalados que arrecadam milhares de milhões com os combustíveis fósseis."
Guterres convidou 34 países a discursar nesta quarta-feira, em reconhecimento da sua forte acção em matéria de alterações climáticas, incluindo o Brasil, o Canadá, o Paquistão, a África do Sul e a nação insular de Tuvalu.
Entre os países que não foram convidados a discursar estão os dois maiores poluidores do mundo — os Estados Unidos e a China — embora o enviado especial dos EUA para as alterações climáticas, John Kerry, estivesse presente na audiência. Os enviados da China na ONU não responderam imediatamente a um pedido de comentário da Reuters.
O Presidente do Quénia, William Ruto, exortou os países a criarem um imposto universal sobre o comércio de combustíveis fósseis, taxas sobre as emissões da aviação e do transporte marítimo e sobre as transacções financeiras, a fim de angariar biliões de dólares. "Nem África nem o mundo em desenvolvimento precisam da caridade" dos países desenvolvidos, afirmou Ruto.
O governador da Califórnia, Gavin Newsom, falou sobre a liderança do seu estado em matéria de políticas climáticas, incluindo a proibição da venda de novos veículos com motores a gás até 2035. Também apontou o dedo à indústria petrolífera por obstruir a acção climática.
"Esta crise climática é uma crise de combustíveis fósseis", afirmou, arrancando aplausos dos chefes de Estado e de outros presentes na sala.
A ministra brasileira do Ambiente, Marina Silva, anunciou que o Brasil vai aumentar a sua meta de redução de emissões de 50-53% abaixo dos níveis de 2005 até 2030, reflectindo a mudança de rumo do Presidente Luiz Inácio Lula da Silva em relação ao seu antecessor, Jair Bolsonaro.
O primeiro-ministro da Tailândia, Srettha Thavisin, afirmou que o seu país aumentou o seu objectivo de redução das emissões de 20% para 40% até 2030, em relação às projecções esperadas. "As alterações climáticas são uma prioridade máxima para a minha administração", afirmou Thavisin, que criou recentemente um ministério para as alterações climáticas.
Embora os EAU não tenham falado sobre os seus planos nacionais em matéria de clima, o presidente da COP28, Ahmed al-Jaber, interveio durante o encerramento do encontro com uma mensagem optimista de que o mundo não é "impotente" na tentativa de permanecer no caminho certo, ou seja, cumprir o objetivo de limitar o aumento da temperatura global a 1,5 graus Celsius.
"Vamos correr atrás de gigatoneladas (de emissões de gases com efeito de estufa), vamos activar uma resposta verdadeiramente global e retomaremos o bom caminho", disse al-Jaber, referindo-se à reavaliação que os países farão, durante a COP28, dos objectivos climáticos em comparação com as metas de Paris.
Apelo ao financiamento
A 70 dias do início da COP28, a primeira-ministra da ilha vulnerável de Barbados, Mia Mottley, questionou o facto de a Assembleia Geral das Nações Unidas se centrar na guerra na Ucrânia. "Espero que, da mesma forma que podemos levar a Ucrânia a sério no Conselho de Segurança, possamos levar a sério a crise climática e o seu financiamento", afirmou a primeira-ministra de Barbados, Mia Mottley.
"Esta é uma ameaça tão grande — de facto, uma ameaça maior — porque estão em jogo mais vidas a nível mundial do que na Ucrânia. Não tenho nada contra a Ucrânia", afirmou.
A presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, afirmou que os países precisam de atingir o objectivo, há muito não cumprido, de mobilizar 100 mil milhões de dólares por ano (cerca de 93 mil milhões de euros) em financiamento climático.
"É uma questão de confiança", afirmou, acrescentando que a UE vai enviar 27 mil milhões de dólares (cerca de 25 mil milhões de euros), tal como fez no ano passado.
O primeiro-ministro do Nepal, Pushpa Kamal Dahal, em representação do bloco dos países menos desenvolvidos, apelou à duplicação do financiamento para a adaptação a um mundo com alterações climáticas, uma vez que este ano está a caminho de ser o mais quente de que há registo.
Kristalina Georgieva, directora-geral do Fundo Monetário Internacional (FMI), apelou aos países para que acabem com os subsídios aos combustíveis fósseis, observando que esses subsídios aumentaram para um recorde de 7 biliões de dólares no ano passado, apesar de um compromisso global acordado em 2021 para os eliminar gradualmente.
Ao acabar com os subsídios aos combustíveis poluentes, o mundo poderia "ter mais 7 biliões de dólares [cerca de 6,5 biliões de euros] para gastar na transição climática", afirmou.
A cimeira sobre o clima também contou com a participação de várias instituições financeiras internacionais, incluindo a seguradora de viagens Allianz e agências multilaterais de crédito, como o Banco Mundial e o Fundo Monetário Internacional.
O Fundo Verde para o Clima das Nações Unidas, que disponibiliza financiamento climático aos países em desenvolvimento, anunciou também o objectivo de capitalizar pelo menos 50 mil milhões de dólares até 2030 (cerca de 46 mil milhões de euros). O fundo vai também mudar o seu enfoque do apoio a projectos pontuais para a transformação de sistemas inteiros, disse a directora executiva do fundo, Mafalda Duarte.
Texto actualizado dia 21/9/23, às 9h50: foi acrescentada citação de Ahmed al-Jaber.