A história de uma bienal em tensão consigo própria

Os arquitectos peregrinam diligentemente para a Bienal de Veneza de dois em dois anos... mas com que propósito?

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Megafone P3: A história de uma bienal em tensão consigo própria Nelson Garrido
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Esta Bienal de Veneza tem sido criticada (tal como aconteceu com a Trienal de Lisboa) por “falta de arquitectura”. Tirando quaisquer julgamentos em relação ao complicado debate entre interseccionalidade e disciplina, a arquitectura esteve, desde sempre, bem presente na Bienal de Veneza… só não é necessariamente nas exposições.

Para qualquer arquitecto ir à Bienal é uma lição das melhores rockstars da profissão Scarpa, Stirling, Aalto, Sverre Fehn, BBPR, Ponti, Hoffman – a lista lê-se como o elenco de um blockbuster de Hollywood. Será que demasiadas celebridades entram em conflito com a história a ser contada?

Talvez um optimista diga “porque não os dois?”, não se estará, porventura, a ser criada uma falsa dicotomia? Se o conceito de attention economy nos ensinou alguma coisa é que a atenção das massas para conflitos é particularmente finita. Nos tópicos escolhidos por Lesley Lokko, o mundo pós-carbono e pós-colonial, o conflito prende-se no questionamento das ideologias do século passado.

A exposição ignora, na sua maioria, os contentores que a albergam – o que cria uma experiência dissociativa para o visitante. Ora somos levados do epicentro pós-colonialista presente no pavilhão central com um intenso foco no continente africano, como temos o tema completamente ignorado nos pavilhões neoclássicos dos países responsáveis pela chamada “partilha de África”.

Ora temos importantes exposições que detalham os efeitos da emergência climática nos recursos hídricos e linhas costeiras como temos expoentes máximos das potencialidades do betão armado nos pavilhões de Scarpa, Yashisaka, Sverr Fehn e Marchesin.

E enquanto arquitecto seria uma mentira dizer que a nossa attention economy não se prende mais com as inventivas juntas no pavilhão da Venezuela, com a viga flutuante no do Brasil, com o mono branco suspenso que é o do Japão ou com a luz zenital laminada dos países nórdicos. Passado um mês, essas experiências espaciais e intensas deixam marcas muito mais profundas do que as paredes de texto e gráficos apocalípticos que preenchiam esta Bienal.

Se, por vezes, a tensão e a contradição é uma forte dinâmica de produção de significado, a falta de comunicação existente entre conteúdo e envelope anula-a. Por vezes, bastaria uma reorganização das organizações para criar esta dinâmica.

Uma exposição inovadora sobre o impacto do carbono no pavilhão de Scarpa e sobre landback no pavilhão dos EUA seriam experiências muito mais coesas. Mas, por enquanto, existe uma hesitação em meter o dedo na sua própria ferida por parte das equipas curatoriais e fragmentamos a nossa experiência da Bienal entre a emergência do mundo actual do nosso amor pelas ideologias que lhe deram fruto em primeiro lugar.

Para a Bienal, o problema é talvez de duas frentes. Por um lado, as ideologias que perfazem os seus pavilhões – cada vez mais ultrapassadas. Por outro, e para os arquitectos, a excelência arquitectónica com que eles levam essas ideologias adiante e, de certa forma, lhes dão força.

Uma tensão entre o roaster de all-stars que recolheu ao longo das décadas e um conteúdo que cada vez mais tenta radicalmente questioná-los na sua génese.

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