Em Miraflores, há alunos que vão passar a ter de desligar os telemóveis na escola

Alunos de olhos sempre postos em ecrãs no intervalo, sem socializar, casos de cyberbullying. Perante o cenário, há mais escolas a adoptar restrições no uso de telemóveis pelos mais novos.

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Actualmente, cada escola é livre de decidir as políticas relativas à utilização de dispositivos electrónicos Rui Gaudêncio/Arquivo
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No ano lectivo que agora começa, há mais escolas que vão proibir o uso de telemóveis dentro do recinto escolar: na Escola Básica do Alto de Algés e na Escola Básica de Miraflores, em Oeiras, será “expressamente proibido o uso de telemóveis dentro do recinto escolar” para os alunos destas duas escolas do Agrupamento de Escolas de Miraflores, onde a escolaridade vai até ao 6.º ano.

A novidade foi dada na semana passada pela escola aos encarregados de educação e era há algum tempo reclamada por professores, que viam os alunos em plena sala de aula e nos intervalos distraídos com estes equipamentos, salienta o presidente da associação de pais destas escolas, Pedro Tinoco.

“Há crianças que usam o telefone, que mantêm o telefone ligado nas salas de aula, há pais que ligam a qualquer hora”, nota o encarregado de educação, considerando que a utilização destes dispositivos se agravou depois dos sucessivos confinamentos devido à pandemia de covid-19.

“Nós, pais, tornámo-nos mais dependentes dos nossos filhos. Vivemos tanto tempo com eles em casa que nos tornámos ainda mais controladores”, observa Pedro Tinoco. É por isso que, como pai, vê esta decisão como “necessária”. “Estas crianças não estão autónomas, não estão independentes, não se sabem relacionar. Chegamos muitas vezes ao pátio e cada um está no seu dispositivo electrónico em vez de estarem a conviver uns com os outros. Isso está a ter custos na socialização, nos relacionamentos interpessoais, na experiência de vida das crianças, na partilha de momentos”, considera.

Para Sílvia Sá, encarregada de educação e presidente do Conselho Geral deste agrupamento, a decisão vai em linha com o que tem acontecido noutras escolas. Na semana passada, soube-se também que o Agrupamento de Escolas Gil Vicente, em Lisboa, vai optar por restringir a utilização de telemóveis na escola para os alunos desde o ensino pré-escolar até ao 9.º ano. O Governo já se comprometeu a discutir o assunto.

“É uma evidência que os meninos passam cada vez mais tempo no telemóvel, muitas vezes até nos intervalos, às vezes a falar uns com os outros pelas aplicações, mesmo estando ali presencialmente. [Isso] é prejudicial para a socialização deles”, observa Sílvia Sá, notando que o agrupamento alargou inclusive o tempo de alguns intervalos. “Mas é suposto que os alunos interajam pessoalmente, que brinquem e que comuniquem, não através dos telemóveis”, repara.

No agrupamento lisboeta, os “problemas comportamentais” apresentados por alunos em anos anteriores – casos de cyberbullying, grande dependência de ecrãs na hora dos recreios e almoço, diminuição da actividade física diária, falta de socialização, entre outros – motivaram um “longo processo de reflexão”, que culminou na introdução desta nova política, explicou ao PÚBLICO na semana passada uma responsável do agrupamento. Se para os alunos mais novos o uso de telemóveis no recinto escolar está proibido, para os do ensino secundário é “desaconselhado”.

Entre outras instituições que vão avançar com a medida estão os agrupamentos escolares de Almeirim, que também vão proibir o uso de telemóveis nas escolas do 1.º ciclo, seguindo uma recomendação do Conselho Municipal de Educação.

Em Santa Maria da Feira, na Escola EB 2/3 António Alves Amorim, a proibição do uso de telefones foi implementada já em 2017. No Colégio Moderno, instituição privada de Lisboa, estes dispositivos foram proibidos em 2008, ainda antes da explosão das redes sociais.

Governo compromete-se a debater

O tema tem sido cada vez mais debatido, tendo sido objecto de uma petição pública que pedia a restrição do uso de telemóvel nas escolas e que foi já assinada por mais de 19 mil pessoas.

O Governo, por sua vez, comprometeu-se a discutir a questão. Actualmente, cada escola é livre de decidir as políticas relativas à utilização de dispositivos electrónicos.

Apesar de o ministro da Educação, João Costa, ter já admitido não ter “uma postura definida” sobre o assunto – assumindo, contudo, ser mais adepto da “promoção de hábitos saudáveis” do que da proibição –, pediu recentemente um parecer ao Conselho de Escolas para avaliar esta matéria. As experiências dos estabelecimentos de ensino que já proibiram o telemóvel serão naturalmente ouvidas, referiu o presidente do Conselho de Escolas, António Castel-Branco, na semana passada ao PÚBLICO.

O debate mereceu também atenção internacional: no final de Julho, o relatório anual da Organização das Nações Unidas para a Educação, Ciência e Cultura (UNESCO) defendia a limitação do uso de telemóveis nas escolas, considerando que devia ser exclusivamente limitada às actividades curriculares. E ressalvava que, nos casos em que se perceba que não beneficia a aprendizagem ou perturbe o funcionamento das aulas, devia mesmo ser proibido.

Os riscos da exposição prolongada aos ecrãs e de casos de bullying digital eram outros dos alertas deixados pela agência internacional.

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