Depois do PS e Chega, Livre e PAN criticam comentários de Marcelo sobre decote de mulher
Chega junta-se à esquerda para criticar palavras do Presidente da República. Marcelo Rebelo de Sousa diz que comentário “não foi, de todo, sexista”.
Adensam-se as críticas dirigidas ao Presidente da República no campo político por causa dos comentários que teceu sobre o tamanho do decote de uma jovem que se aproximou dele durante uma visita oficial ao Canadá na sexta-feira. Depois de Isabel Moreira (PS) e de André Ventura (Chega), também Rui Tavares (Livre) e Inês de Sousa Real (PAN) criticaram as palavras proferidas pelo chefe de Estado em Toronto, durante uma interacção de mãe e filha com Marcelo Rebelo de Sousa.
Em declarações ao PÚBLICO, à margem da acção de campanha do Livre na Madeira, Rui Tavares considerou que os comentários de Marcelo “não representam a necessidade que um Presidente da República tem” de “defender o direito das pessoas à sua autonomia e de respeitar as escolhas dos seus concidadãos”. Mesmo crendo que o Presidente da República não agiu de má-fé, o líder do Livre sublinha que a conversa informal “acaba por colocar uma concidadã numa posição que não escolheu e que muito provavelmente é desconfortável”.
Inês de Sousa Real juntou-se depois à onda de críticas que têm atingido o Presidente da República. Em conversa com o PÚBLICO, defendeu: “Não podemos num momento evocar a memória de Natália Correia — uma mulher que queria viver fora dos estereótipos, que teve essa disrupção de ser aquilo que queria ser e não aquilo que outros queriam que ela fosse — e depois, em pleno século XXI, assistir à normalização deste tipo de comentários.” A líder do PAN considerou que Marcelo Rebelo de Sousa devia então “clarificar que de facto, por um lado, disse aquilo sem malícia” e, “por outro, reforçar a importância de não se normalizarem estes comentários”.
“Tivemos recentemente o caso Rubiales em Espanha e a comunidade internacional mobilizou-se. Não estamos a equiparar a gravidade das situações, mas a verdade é que não nos podemos esquecer que vivemos num mundo onde existe uma violência doméstica e um assédio bastante acentuados e onde, muitas das vezes, palavras proferidas sem malícia podem vir a legitimar comportamentos com outras intenções”, considerou.
Este domingo, questionado em Toronto pelos jornalistas sobre as críticas que as suas palavras suscitaram em Portugal, Marcelo Rebelo de Sousa mostrou-se espantado: "Não me diga. Nem sei o que hei-de comentar."
"Não era nenhum comentário sexista, não me ocorreu, quer para aquela jovem, quer para as velhinhas. Não era sexista, de todo", defendeu o chefe de Estado, em resposta. "No fim do passeio pela parte portuguesa de Montreal começou a chover, estava frio", e por isso, acrescenta, alertou "várias senhoras de idade, outras mais jovens".
“Aprenda e peça desculpa”
A primeira figura de destaque na classe política a censurar o chefe de Estado português pelo que disse numa conversa informal com as duas mulheres — “Ainda apanha uma gripe: já viu bem o decote?”, disse Marcelo a uma jovem emigrante no Canadá — foi Isabel Moreira. A secretária nacional do Partido Socialista (PS) já tinha tweetado na rede social X — onde já se acumulavam milhares de reacções às polémicas declarações de Marcelo Rebelo de Sousa — que “a noção explica-se” e exigiu um pedido de desculpas ao chefe de Estado português.
“Estamos em 2023. Não se trata uma mulher que não se conhece por tu fazendo uma ‘piada’ sobre o seu peso. Não se faz uma ‘piada’ sobre um decote. Quem ainda não percebeu isto e é Presidente da República aprenda. E peça desculpas. O sexismo dá cabo de nós. Não tem piada”, criticou Isabel Moreira. E logo depois reiterou num segundo tweet: “Um Presidente da República não faz piadas sobre decotes.”
André Ventura também comentou as declarações de Marcelo Rebelo de Sousa depois do episódio no Canadá. Partilhando nas redes sociais o título de uma notícia sobre o assunto, o presidente do Chega considerou que, se os mesmos comentários tivessem sido tecidos por ele, a resposta do público teria sido mais agressiva do que está a ser com o Presidente da República. “Se fosse eu a comentar o decote de uma mulher em público, já teríamos dezenas de queixas na ERC [Entidade Reguladora para a Comunicação Social], no Ministério Público e em mais não sei quantas associações e observatórios de defesa da igualdade de género”, declarou.
“Já viu bem o decote?” e outras polémicas
Em causa está a interacção de Marcelo Rebelo de Sousa com duas mulheres, mãe e filha, durante um passeio numa região de Toronto com uma grande comunidade portuguesa — conhecida como “Little Portugal”. A mãe apresentou-se como Maria ao Presidente da República e, pondo depois a filha ao seu lado, frisou que a jovem tem o mesmo nome. Marcelo Rebelo de Sousa comentou então, com o dedo apontado à mulher mais nova: “A filha é mais bonita do que a mãe. Ainda apanha uma gripe: já viu bem o decote?”
É mais uma polémica protagonizada pelo Presidente da República depois de, há uma semana, ter comentado sobre o peso de uma mulher, enquanto ela se sentava numa cadeira junto a Marcelo Rebelo de Sousa para tirar uma fotografia com ele. Aconteceu em Alcáçovas, Viana do Alentejo, enquanto o chefe de Estado se preparava para captar uma fotografia com um grupo de cidadãos (maioritariamente do sexo feminino). Depois de oferecer a cadeira à mulher para se sentar, questionou: “A cadeira aguenta?”
Ainda no fim de Agosto, as declarações do Presidente português também foram mal recebidas, quando sugeriu que o beijo não consentido de Luis Rubiales, na altura presidente da Real Federação Espanhola de Futebol e um dos vices da UEFA, à futebolista Jennifer Hermoso era uma “questão menor”, quando comparada com a guerra na Ucrânia.
“Isto não é desmotivá-los, eu acho que é fundamental e o Presidente tem essa responsabilidade, que é resolver os problemas no sítio onde se vive. Mas, de facto, há coisas tão menores que ocupam a atenção das pessoas – beijou melhor ou beijou pior, ainda que tenha beijado, enfim… Bem, está bem, também são questões de princípio, fundamentais, mas perdemos tanto tempo no dia-a-dia com coisas menores, insignificantes”, afirmou durante uma intervenção no jantar-conferência da Universidade de Verão do PSD, em Castelo de Vide.
Mais tarde, questionado sobre se o beijo que havia mencionado no discurso era o do caso Rubiales ou se tinha sido mal interpretado, Marcelo Rebelo de Sousa respondeu: “Não, é uma questão de investigação de um crime de assédio sexual, é uma questão grave, mas há questões mais graves, como a morte em guerra, vidas humanas de um lado e outro, em número maciço. Em termos de destaque noticioso cada qual é livre, mas uma coisa é um acto criminoso individual a ser investigado, outra coisa é uma guerra com mortes, e a vida humana vale sempre mais do que tudo isso.”
Notícia actualizada às 19h40 para acrescentar a reacção de Marcelo Rebelo de Sousa