Orgulho e competência

Na segunda participação num Mundial de râguebi, foi refrescante ouvir do lado português a ambição de fazer mais do que apenas participar.

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Na segunda participação num Mundial de râguebi, foi refrescante ouvir do lado português a ambição de fazer mais do que apenas participar. Para que as palavras não fossem meras intenções, era necessário que Portugal competisse contra o País de Gales, uma selecção histórica da modalidade, que ocupa regularmente o top 10 do ranking da World Rugby.

E durante a primeira parte, Portugal jogou o jogo de igual para igual. A maioridade competitiva da equipa nacional começa num aspecto fundamental do jogo: o contacto. A capacidade portuguesa para placar eficazmente (herdada da equipa de 2007) permitiu que Portugal, na fase defensiva, tivesse sempre homens disponíveis na linha, evitando situações de quebra e jogo entre linhas, e de concentração de defesa, com a abertura de espaços nas zonas laterais.

O critério na abordagem do contacto permitiu ainda que Portugal não fosse presa do jogo ao pé galês, com três a quatro homens sempre a ocupar os espaços profundos defensivos, com Sousa Guedes e Portela a resistir ao teste dos up and unders. Com rigor e intensidade, Portugal conseguia ainda disputar a posse de bola no ruck, e até provocar faltas atacantes galesas que nos permitiam manter o resultado bem próximo.

O primeiro ensaio nasce de uma precipitação de Anthony Alves, que entrega a posse de bola a Gales com um pontapé rasteiro mal executado nos 22 metros atacantes. Três fases de jogo depois, e com a linha defensiva organizada, Tomos Williams tem uma eternidade para, com um passe longo, criar um dois contra dois na ponta, em que Lima - no único lapso do encontro – falha a placagem a Jack Morgan, que entrega a Rees-Zammit, com Marta sem possibilidade de placar pela decisão inteligente do velocíssimo ponta galês de chutar adiante, recolher e correr para o ensaio.

O segundo ensaio, já nos descontos da primeira parte, surge depois de uma fase de pressão territorial e de posse de bola intensa pelos galeses, que apesar do dia pouco inspirado, tiveram a paciência necessária para não cometerem erros na zona vermelha e recolherem aos balneários com uns fundamentais sete pontos.

Em termos atacantes, fomos menos consistentes, mas ainda assim criámos oportunidades. Destaque para uma terceira-linha muito activa, com capacidade para ganhar metros, dar continuidade ao jogo com offloads, essencialmente na zona próxima da placagem e do ruck, onde conseguíamos quebrar a linha da vantagem.

Mas faltou apoio no espaço entre linhas, primeiro a Appleton (quando, com um pontapé inteligente, conseguimos explorar o espaço imediatamente atrás da linha defensiva) e depois a Nicolas Martins (após um step e quebra de linha de Sousa Guedes), para Portugal capitalizar em pontos.

A segunda parte teve duas metades distintas. Até aos 60 minutos, os “lobos” pareciam perder capacidade física numa fase em que o jogo perdia estrutura, ganhava espaço e os erros surgiam. Temia-se que Gales fizesse valer a sua maior “rodagem” para descolar no marcador, sobretudo quando Morgan marca o terceiro ensaio galês. Mas Portugal responde imediatamente, num alinhamento, em jogada de laboratório, com Rafael Simões imperial no seu no look pass, digno da NBA, para Nicolas Martins facturar. E Portugal cresceu, recorrendo mais vezes ao jogo ao pé, explorando falhas de posicionamento no três de trás galês, ganhando território e introduções de bola. Os suplentes entraram e Portugal não perdeu capacidade, sofrendo o quarto ensaio uma vez mais em tempo de descontos.

A formação-ordenada não teve um bom dia (Portugal não foi fisicamente dominado, mas houve problemas com os timings) mas o alinhamento deixou boas indicações.

Porventura o maior amargo de boca advém da incapacidade que tivemos de criar oportunidades nas linhas-atrasadas . A este nível, Portugal terá naturais dificuldades em disponibilizar bola rápida aos seus três-quartos, mas contra Gales não fomos sequer capazes de criar a partir de fases estáticas (e tivemos pelo menos duas oportunidades com bola conquistada com qualidade), um aspecto em que Lagisquet quererá ver melhorias nos próximos jogos.

Portugal deixou oito pontos no campo (duas penalidades e uma conversão), mas não creio que Samuel Marques, um dos nossos melhores jogadores, se tenha deixado tomar pela magnitude da ocasião.

Aos 34 anos, poderá já não estar no auge das suas capacidades físicas (embora Williams discorde, depois da placagem de Marques que evita o seu ensaio) mas para um homem que foi o chutador de Brive, Toulouse e Pau no Top 14, o próximo jogo registará um regresso à eficácia desde o cone, até porque a segunda penalidade (pela distância) e a conversão (pelo ângulo) eram pontapés de elevada dificuldade.

Os jogadores portugueses estiveram magníficos, com destaque para o “meu” homem do jogo, Nicolas Martins, um monstro na placagem (19 tentadas, 18 eficazes), no apoio ao portador da bola e na conquista de metros (44 percorridos), pelo critério na abordagem do ruck (uma recuperação) e ainda pelo que fez no alinhamento (com um roubo de bola).

Portugal defendeu muito e bem enquanto conseguiu, mas acabou por ficar aquém do que pode fazer na gestão dos momentos decisivos e nos aspectos atacantes (basta relembrar o que conseguimos contra o Japão, em Novembro).

No final, as palavras de Lagisquet e de Appleton reflectem bem a ambição dos “lobos”, seguros de que pertencem ao mais alto nível do râguebi mundial e que, na sua estreia, podiam ter conseguido algo mais. O país, orgulhoso, aguarda agora o próximo jogo, contra Geórgia, que promete ser ainda mais exigente.

Como nota final, surpresa para a ausência de Pedro Bettencourt dos convocados. Penso que Lagisquet pretendeu ter Lucas (suplente “9”), Moura (suplente “10”) e Storti (que cobre “11”, “14” e “15”), podendo ainda, como efectivamente fez, deslocar Marta para 13 e fazer entrar Storti.

Mas Bettencourt é, presentemente, o único jogador da selecção que joga no Top 14 e a sua qualidade é inegável, sendo também suficientemente versátil para jogar a centro, ponta ou defesa.

Uma questão que perde relevância face à expulsão de Vincent Pinto, abrindo definitivamente a porta a Bettencourt, que deverá sentar-se pelo menos no banco, no lugar de Storti, se não convencer Lagisquet a dar-lhe uma oportunidade no três de trás.

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