Greve em Hollywood está a custar milhões, mas actores e escritores recusam-se a ceder

Profissionais insistem em ter os estúdios e as grandes empresas de streaming a dar-lhes os direitos de autor que lhes são devidos e garantias face ao avanço da inteligência artificial.

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Piquete de argumentistas em greve frente a escritórios da Netflix Reuters/MIKE BLAKE
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A greve de argumentistas e actores em Hollywood já custou à Califórnia cinco mil milhões de dólares, segundo o Milken Institute, mas os artistas "ainda têm energia" e não vão ceder, disse à Lusa o actor norte-americano Chris Marrone.

"As pessoas estão cansadas mas não desmotivadas. Ainda têm energia", afirmou. "Estamos nisto juntos e não vamos deixar que eles vençam. Isto é algo que vejo nos protestos à porta da Netflix, dos estúdios da Amazon e da Sony."

Marrone não está a trabalhar e diz que mal consegue sobreviver com o que está a ganhar em biscates. No entanto, o actor de Westworld mostra-se convicto de que são os estúdios que vão ter de ceder para acabar com a paralisação.

"O que os sindicatos pedem não é um exagero. É um acordo ético de partilha da riqueza", considerou, sublinhando que os artistas "não podem ceder na questão da Inteligência Artificial e na compensação residual".

Estes são dois dos pontos mais contenciosos. Actores e argumentistas querem garantir que os estúdios não vão usar Inteligência Artificial (IA) para os substituir e querem receber pagamentos no modelo de streaming.

São pagamentos que antes davam aos artistas receitas provenientes de séries ou filmes licenciados para mercados internacionais ou que passavam novamente na televisão.

"É ganância desregulada", opinou Chris Marrone. "O executivo de topo recebe 400 milhões enquanto os criativos que geram o dinheiro recebem menos de 0,5% disso".

É precisamente a mesma expressão usada pelo argumentista português Filipe Coutinho, membro da Academia Portuguesa de Cinema radicado em Los Angeles.

"O porquê disto estar a acontecer tem simplesmente a ver com a ganância dos estúdios", afirmou. "Está mais do que provado que eles preferem perder mais dinheiro nesta fase do que pagar aquilo a que nós temos direito."

Coutinho, que também tinha falado à agência Lusa no início da greve, mantém o empenho, apesar dos longos meses de paralisação: a greve dos argumentistas teve início a 2 de Maio, a dos actores a 14 de Julho.

"Acho que a maior surpresa, que é mais uma confirmação, é a resiliência dos escritores e actores", referiu o argumentista português. "Particularmente dos escritores, porque estão em greve há muito mais tempo do que os actores e o facto de a união parecer continuar forte e quase mais forte à medida que o tempo vai passando, o que não é nada fácil."

Nenhum dos dois consegue prever uma data provável de acordo. Chris Marrone tem a expectativa de que a greve se resolva antes do final do ano e acha que o conflito está a arrastar-se porque a AMPTP (Alliance of Motion Picture and Television Producers) "não percebeu o quão eficaz a greve seria".

O actor Louis MacMillan (nome artístico) diz que o momento é duro e quase todos os dias se junta aos protestos, sobretudo à porta da Amazon. "Tudo isto é muito necessário e é um reflexo de como os modelos de negócio de muitas coisas, não apenas dos grandes estúdios de streaming, precisam de mudar", referiu.

MacMillan, membro do sindicato dos actores SAG-AFTRA, tem conseguido fazer audições para anúncios, alguns projectos com acordos interinos e programas cobertos por contratos diferentes, os chamados "network codes" que abrangem produções como talk-shows.

É aqui que há alguns sinais de fendas na solidariedade. A actriz e apresentadora Drew Barrymore decidiu voltar a gravar o seu talk-show diurno sem a presença dos argumentistas, e embora não esteja tecnicamente a romper a greve, a decisão está a ser muito contestada.

Certo é, como refere Filipe Coutinho, que haverá consequências ao nível dos conteúdos, sobretudo em 2024. "É provável que no futuro imediato tenhamos um pouco menos de conteúdo, de forma transversal", vaticinou. "O que sei que vai acontecer de certeza é que vamos ter muito menos filmes no próximo ano, porque há muita coisa que estaria a ser filmada nestes quatro meses e não foi."

Sem um novo fenómeno "Barbenheimer", que fez disparar as bilheteiras este verão com os filmes Barbie e Oppenheimer, Coutinho prevê que as receitas vão "descer bastante" em 2024 e desenterrar a ideia de que o cinema está morto, "o que não tem fundamento nenhum".

A AMPTP representa as empresas Netflix, Amazon, Apple, Disney, Warner Bros. Discovery, NBC Universal, Paramount e Sony.

A greve, todavia, tem efeitos desiguais sobre os estúdios. A Warner Bros. reviu em baixa as suas previsões de receitas, calculando que a greve terá um impacto negativo de 300 a 500 milhões de dólares. Já a Netflix adicionou 5,9 milhões de novos assinantes no trimestre de Junho, quando a greve dos argumentistas já levava quase dois meses.

"Acho que não vai ser um bom ano a nível financeiro para ninguém", lamentou Coutinho, "mas ao mesmo tempo vai ser uma correcção necessária para os próximos 15 anos e acho que isso vai permitir que haja mais escritores e actores que possam viver uma vida normal". Ou seja, sem precisarem de ter três empregos para pagar as contas ao mesmo tempo que perseguem os sonhos de uma carreira em Hollywood.

"É também um bocado por isso que estamos a lutar", disse. "Há ali 99% de pessoas que estão sempre na corda bamba."