“Pior do que um shopping”: maioria dos comerciantes do Bolhão insatisfeitos com gestão do mercado
Associação Bolha de Água inquiriu 79,4% dos comerciantes das bancas. Gestão autoritária, regras excessivas e inadequadas e demasiadas multas são algumas das queixas.
A esmagadora maioria (92%) dos comerciantes das bancas do Bolhão considera o regulamento do mercado inadequado e diz não ter participado de forma alguma na elaboração desse documento. A Associação do Comércio Tradicional Bolha de Água, que já em Abril havia reunido um conjunto de comerciantes e revelado a sua insatisfação, inquiriu até agora 79,4% dos comerciantes, de forma anónima, e vai continuar a fazê-lo.
O PÚBLICO pediu uma reacção ao executivo de Rui Moreira, que preferiu não se alongar no assunto: “A câmara municipal não comenta, porque não reconhece credibilidade no inquérito.”
As críticas à gestão da empresa municipal GO Porto são pesadas – e algumas delas reflectem aquilo que o PÚBLICO ouviu esta semana em que se assinala o primeiro ano de funcionamento do mercado após a reabertura. O regulamento é descrito como “muito exagerado” e a atitude dos gestores é considerada “prepotente” e “arrogante”. “O regulamento está feito para um centro comercial, não para um mercado tradicional de frescos”, protesta um e uma comerciantes.
Há mesmo quem fale de “medo” perante as imposições e lamente não haver alternativas a essa gestão sem diálogo. “Nem no tempo do outro senhor estávamos assim com medo pela forma como estão a aplicar o regulamento”, lê-se no documento enviado pela Bolha de Água. “A gente nem sabe o que há-de dizer. Se eu me for embora, eles põem isto logo adaptado a um produto para turista”, reclama outro.
O “excesso de regras para um mercado tradicional” é uma queixa repetida. “Isto está a ser gerido como um shopping, sinto-me defraudada, não foi isto que nos prometeram”, lamenta uma comerciante. Outro inquirido mostra desalento por uma luta que diz ter sido inglória: “Lutámos tanto para que o Rui Rio não transformasse isto num shopping e veja lá o que nos aconteceu. Isto ainda é pior do que um shopping. É uma ditadura.”
Convidados a apontar três aspectos positivos da renovação do Bolhão, é referido a “modernização”, a “limpeza”, a “imponência e localização”, o “cais de cargas e descargas” e o aumento das vendas – embora esta perspectiva não seja consensual e haja quem se queixe de que o negócio não corre bem. “O edifício está lindo da parte de fora! Voltar novamente, conseguir entrar no Mercado do Bolhão foi a melhor prenda que podia ter da Câmara do Porto”, lê-se.
Muitas multas
Outra queixa tem que ver com as multas aplicadas a quem não cumpre o regulamento. Quase metade dos comerciantes inquiridos (43%) já foi multada pela equipa de fiscalização. As razões apontadas são várias: baixar os estores antes das 20h, entrada de netos ou filhos de comerciantes pelo cais de cargas e descargas, fecho antecipado devido a doença, ter na banca produtos alimentares pessoais.
Quase todos (96%) já sentiram alguma dificuldade no exercício da actividade, sobretudo em matérias relacionadas com “aplicação das regras”, “horários” e “condições logísticas da banca”. A falta de lugares para aquecer comida, a impossibilidade de instalar um microondas ou chaleira, mau escoamento das águas de lavagem das bancas, sol a bater nas bancas, a chuva a entrar, a escassez de mesas no mercado para os clientes consumirem, proibição de ajudar colegas na banca (“andamos escondidas a ajudar senão somos autuadas”), demasiadas horas de trabalho e falta de casas de banho para trabalhadores são algumas das dificuldades apresentadas.
Mais divulgação
Os comerciantes pedem também mais acções de promoção e divulgação do mercado e a maioria (63%) diz estar disponível para participar. Entre as sugestões mais populares de promoção está uma newsletter do mercado, vídeos promocionais personalizados, campanhas de descontos para residentes ou um cartão de fidelização.
Questionados sobre o facto de terem de pagar para aceder às actividades do mercado e às salas e equipamentos disponíveis, a maioria (76%) diz não concordar com essa medida. Também uma maioria (83%) está disponível para a integrar um “processo participativo para elaboração do plano estratégico do mercado do Bolhão”.
A associação Bolha de Água iniciou o inquérito no dia 20 de Junho com o apoio de uma entrevistadora. Mas esse modelo foi posto em causa pela direcção do mercado, acusa a associação: “Impediu activamente a realização do inquérito nos moldes iniciais, com recurso a diversos actos intimidatórios, inclusive intimidação física.” A direcção exigiu “aprovar previamente as questões do inquérito alegando que tinha de assegurar a integridade da sensibilidade dos comerciantes”, refere.
A Bolha de Água diz ter optado, depois, por entregar o inquérito aos comerciantes “num envelope, quando os fiscais não se encontravam nas imediações”, para os próprios preencherem e devolverem posteriormente. Também sobre este ponto o PÚBLICO pediu uma reacção à Câmara do Porto, mas não obteve resposta.