Depois da catástrofe, Líbia procura quem culpar pelos milhares de mortos que chora

A enorme perda de vidas poderia ter sido evitada se a Líbia — perturbada há anos por conflito interno — tivesse uma agência meteorológica a funcionar, acusa Organização Meteorológica Mundial (OMM).

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A destruição em Derna EPA/STRINGER
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Derna, Líbia MARWAN ALFAITURI/REUTERS
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Derna, Líbia AYMAN AL-SAHILI/REUTERS
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Derna, Líbia ESAM OMRAN AL-FETORI/REUTERS
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Equipa de resgate do Egipto ESAM OMRAN AL-FETORI/REUTERS
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Hassan El Salheen chora depois de enterrar o seu filho, Aly, que morreu juntamente com três primos na Líbia MOHAMED ABD EL GHANY/REUTERS
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Derna, Líbia ESAM OMRAN AL-FETORI/REUTERS
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Derna, Líbia EPA/STRINGER
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Susah, Líbia AHMED ELUMAMI/REUTERS

As autoridades líbias exigiram, na quinta-feira, uma investigação para apurar se as falhas humanas foram responsáveis por milhares de mortes naquela que foi a pior catástrofe natural da história moderna do país, enquanto os sobreviventes continuam à procura dos seus familiares arrastados pelas inundações.

Uma enxurrada desencadeada por uma forte tempestade rebentou barragens no domingo à noite e precipitou-se pelo leito sazonal de um rio que atravessa a cidade de Derna, a leste, arrastando para o mar edifícios de vários andares com famílias que dormiam no seu interior.

O número de mortos confirmado pelas autoridades tem variado. Todos se situam na casa dos milhares, com outros milhares nas listas de desaparecidos. O presidente da Câmara de Derna, Abdulmenam al-Ghaithi, admite que o número de mortos na cidade pode já atingir os 18 a 20 mil, com base na extensão dos danos.

Abdulmenam al-Ghaithi disse à Reuters que temia que a cidade fosse alvo de uma epidemia, "devido ao grande número de corpos sob os escombros e na água".

A Organização Meteorológica Mundial (OMM) afirmou que a enorme perda de vidas poderia ter sido evitada se a Líbia — um Estado perturbado há mais de uma década por conflito interno — tivesse uma agência meteorológica a funcionar.

"Se tivesse havido um serviço meteorológico a funcionar normalmente, poderiam ter emitido avisos", disse o Secretário-Geral da OMM, Petteri Taalas​, em Genebra. "As autoridades de gestão de emergências teriam conseguido efectuar a retirada das pessoas. E teríamos tentado evitar a maior parte das vítimas humanas."

Outros comentadores chamaram a atenção para a necessidade dos avisos feitos com antecedência, incluindo um trabalho académico publicado no ano passado por um hidrólogo que descrevia a vulnerabilidade da cidade às inundações e a necessidade urgente de manter as barragens que a protegiam

Mohamed Menfi, chefe do conselho de três membros que exerce a presidência do governo internacionalmente reconhecido da Líbia, disse na rede social X (antigo Twitter) que foi pedido ao Procurador-Geral que investigasse a catástrofe.

Os responsáveis pelo fracasso da barragem, quer por acção, quer por omissão, devem ser responsabilizados, bem como todos os que atrasaram a ajuda, afirmou.

Usama Al Husadi, um motorista de 52 anos, andava à procura da mulher e dos cinco filhos desde a catástrofe: "Andei a pé à procura deles... Fui a todos os hospitais e escolas, mas não tive sorte", disse à Reuters, chorando com a cabeça entre as mãos.

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Destruição em Derna EPA/STRINGER

Husadi, que tinha estado a trabalhar na noite da tempestade, voltou a ligar para o número de telefone da mulher. O telefone estava desligado. "Perdemos pelo menos 50 membros da família do meu pai, entre desaparecidos e mortos", disse.

Wali Eddin Mohamed Adam, de 24 anos, um trabalhador sudanês de uma fábrica de tijolos que vive nos arredores de Derna, acordou com o estrondo da água na noite da tempestade e correu para o centro da cidade, mas percebeu que já não existia nada lá. Nove dos seus colegas de trabalho perderam a vida e cerca de 15 outros perderam as suas famílias, disse.

"Todos foram arrastados pelo vale para o mar", afirmou. "Que Deus tenha piedade deles e lhes conceda o céu."

Ajuda internacional

À Líbia chegaram equipas de salvamento do Egipto, da Tunísia, dos Emirados Árabes Unidos, da Turquia e do Qatar. Entre os países que enviaram ajuda, a Turquia enviou um navio com equipamento para a instalação de dois hospitais de campanha. A Itália enviou três aviões com mantimentos e pessoal, bem como dois navios da marinha que tiveram dificuldade em descarregar porque o porto de Derna, cheio de destroços, estava praticamente inutilizável.

A Organização Mundial de Saúde (OMS) declarou que disponibilizaria 2 milhões de dólares (o equivalente a 1,8 milhões de euros) do seu fundo de emergência para apoiar as vítimas, qualificando as inundações como uma "calamidade de proporções épicas". A OMS acrescentou que enviaria material médico, cirúrgico e de emergência a partir do seu centro logístico no Dubai.

O trabalho de salvamento está a ser dificultado pelas fracturas políticas num país de 7 milhões de habitantes, em guerra intermitente e sem governo de âmbito nacional desde que uma revolta apoiada pela NATO derrubou Muammar Kadhafi em 2011.

O Governo de Unidade Nacional, reconhecido internacionalmente, está sediado em Tripoli, no oeste do país. Uma administração paralela opera no leste, sob o controlo do Exército Nacional Líbio de Khalifa Haftar, que não conseguiu capturar Tripoli num cerco sangrento de 14 meses que se desfez em 2020. A vida em Derna tem sido particularmente caótica.

Visto do alto de Derna, o centro da cidade, outrora densamente povoado, é agora um largo e plano crescente de terra com extensões de lama. Na quinta-feira, no local da barragem que protegia a cidade, só restavam escombros e uma estrada destruída. O leito do rio do deserto, ou wadi, já tinha diminuído para um fio de água.

Lá em baixo, a praia estava pejada de roupas, brinquedos, mobiliário, sapatos e outros objectos varridos das casas pela torrente. As ruas estavam cobertas de lama profunda e repletas de árvores arrancadas e centenas de carros destruídos, muitos virados de lado ou sobre os tectos. Um carro ficou preso na varanda do segundo andar de um prédio destruído.

"Sobrevivi com a minha mulher, mas perdi a minha irmã", disse Mohamed Mohsen Bujmila, um engenheiro de 41 anos. "A minha irmã vive no centro da cidade, onde ocorreu a maior parte da destruição. Encontrámos os corpos do marido e do filho dela e enterrámo-los".

Encontrou também os corpos de dois estranhos no seu apartamento.

Enquanto falava, uma equipa egípcia de busca e salvamento recuperou o corpo da sua vizinha. "Esta é a tia Khadija, que Deus lhe dê o céu", disse Bujmila.