Museu alemão cria horário para pessoas “não brancas” – e a direita reagiu mal

O horário de quatro horas aos sábados devia ser um espaço seguro para pessoas racializadas. As ameaças ao museu começaram depois da publicação de um vídeo no TikTok.

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Exposição no museu Zeche Zollern, em Dortmund, sobre o colonialismo DR/ LWL
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Um museu alemão criou um horário específico para que os visitantes não brancos pudessem ver uma exposição sobre colonialismo, o que provocou uma reacção negativa por parte da direita e levou a que a polícia se instalasse permanentemente nas instalações.

O museu Zeche Zollern, em Dortmund, alocou quatro horas aos sábados para criar um “espaço seguro” para pessoas racializadas, indígenas e outros que queiram visitar a exposição This Is Colonial (“Isto é colonial”, traduzido para português), que se inaugurou em Março. Os responsáveis pelo museu defendem que o horário específico permitiria que essas pessoas pudessem explorar a exposição sem “ainda mais discriminação (mesmo que inconsciente)”.

O objectivo do horário era “ter consideração pelas pessoas que saem mais afectadas pelo tópico do colonialismo do que as outras”, disse Kirsten Baumann, directora dos museus industriais locais. De acordo com o site do museu, a venda de bilhetes para esses horários específicos não está a ser monitorizada e está a ser feita com base na “confiança”.

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A exposição “This Is Colonialism” no museu Zeche Zollern tem componentes interactivos DR/ LWL

A polémica ganhou força no mês passado, depois de um vídeo publicado no TikTok ter mostrado dois homens brancos a confrontar os trabalhadores do museu por causa do horário específico, acusando a instituição de ser discriminatória para as pessoas brancas, relata Barbara Rüschoff-Parzinger, responsável pelo departamento cultural da Associação Regional de Vestfália-Lippe, ao qual o museu pertence.

Entre os utilizadores que partilharam o vídeo contam-se Joana Cotar, deputada que deixou o partido de extrema-direita AfD (Alternativa para a Alemanha) e se tornou independente no ano passado.

As mensagens a criticar o museu e os seus trabalhadores começaram a chegar depois da publicação do vídeo. Agora, sentem-se “ameaçados”, descreve Rüschoff-Parzinger. Numa entrevista feita por telefone na semana passada, a responsável afirmou que as imagens tinham sido editadas e que as denúncias de que os visitantes brancos estavam proibidos de aceder à exposição eram “absolutamente falsas”.

Disse ainda que as pessoas que tinham feito o vídeo entraram durante o horário específico e não foram forçadas a sair. Os trabalhadores do museu que apareceram no vídeo foram filmados sem terem conhecimento disso e estão a empreender acções legais devido à difamação, acrescenta.

As reacções negativas continuaram online depois de os responsáveis do museu terem confirmado nas redes sociais, em resposta ao vídeo, que a criação de um horário específico não era uma proibição de acesso por parte de visitantes brancos e que ninguém seria impedido de entrar na exposição. Porém, algumas pessoas acreditam que a ideia promove a discriminação racial. “Espero que todas as pessoas brancas evitem este museu no futuro!”, lê-se num comentário na página de Facebook do museu.

A polícia destacou agentes para ficarem em permanência no museu, em resposta às ameaças feitas contra os trabalhadores depois de o vídeo ter sido publicado, e referenciou o caso às autoridades que lidam com crimes com motivações políticas, afirmou Rüschoff-Parzinger. Apesar da ameaça, os protestos durante o último horário especial não se materializaram. A polícia vai manter-se no museu até ao encerramento da exposição, que deverá acontecer no próximo mês, de acordo com a responsável. A polícia de Dortmund não comentou o assunto.

A exposição inclui workshops e performances interactivas sobre a história do colonialismo alemão, tanto no estrangeiro quanto na região. “A chávena de café matinal, o nome de uma rua ou alguns preconceitos: a história colonial está presente no nosso dia-a-dia – incluindo na Vestfália”, lê-se no site do museu.

Ainda que a Alemanha tenha feito alguns esforços para se reconciliar com o seu passado nazi, o legado colonial ainda não é muito discutido. O Governo reconheceu pela primeira vez, em 2021, o genocídio da era colonial na Namíbia, depois de mais de cinco anos de negociação entre os dois países – e mais de um século após as tropas alemãs terem matado pelo menos 75 mil pessoas no que era, à época, o Sudoeste africano.

Esta semana, investigadores em Berlim anunciaram que tinham identificado os familiares vivos de oito pessoas cujos restos mortais foram levados para a Alemanha durante o seu domínio colonial na África Oriental. Os seus crânios estavam entre as mais de mil que foram trazidas da região que era então a África Oriental Alemã, que inclui a actual Tanzânia, onde as tropas alemãs mataram centenas de milhares de pessoas durante a revolta de Maji Maji.

No ano passado, Berlim promoveu um acordo para devolver à Nigéria os bronzes do Benim que foram roubados pelas forças coloniais britânicas e o Smithsonian acordou que ia repatriar 29 bronzes que tinha na sua própria colecção.


Exclusivo PÚBLICO/The Washington Post

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