Morreu a propina, viva a propina

Miguel Costa Matos, secretário-geral da JS, afirmou que “acabaram as propinas em Portugal”. É bom que ele não deixe de actualizar o Fenix, porque o saldo vai continuar negativo por uns bons anos.

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Megafone P3: Morreu a propina, viva a propina Matilde Fieschi
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A propina para o Ensino Superior fixou-se no equivalente a seis euros (1200 escudos) por ano durante a ditadura, em 1941. Na altura era mais do dobro do rendimento mensal médio de um operário fabril, 17 escudos, cerca de oito cêntimos por cada dia de trabalho. A criação da propina é uma forma de impedir que a maioria da população aceda ao ensino: com um alto custo de vida não era possível para a maioria das famílias pagar estes valores. Estudar era um privilégio de poucos.

E então fez-se Abril. Em 1974 vem o primeiro salário mínimo nacional (SMN), equivalente a 16,5 euros. No ano a seguir volta a subir e em 1980 estava já no equivalente a 44,9 euros, sem nunca se ter mexido no valor da propina.

Em 1976, a Constituição estabelece que compete ao Estado garantir a educação permanente, o acesso aos graus mais elevados de ensino a todos os cidadãos e a progressiva gratuitidade em todos os escalões. Os aumentos salariais, promovidos pelo aumento do salário mínimo, e a melhoria geral das condições de vida, deram a várias gerações a oportunidade de acederem ao Ensino Superior público.

Tudo muda em 1991, quando o governo de maioria absoluta de Cavaco Silva (PSD), introduz um aumento da propina mínima que chegaria aos 1000 euros em 94/95. O SMN era de 174,6 euros. Para quem o recebia, cada ano de Ensino Superior era quase meio ano de ordenado.

São anos de protesto estudantil, do célebre "Não Pago" escrito em rabos, Greves Nacionais Estudantis, boicotes às propinas e pedidos de isenção em massa. Os estudantes ensinam que a luta política dá frutos: não se afixam preços por instituição, obrigando o governo a aplicar um mínimo geral, caíram ministros e a propina volta aos 6 euros em 1997. O salário mínimo era de 259,4 euros.

Em 2003 há novo aumento para os 852 euros, numa altura em que o SMN era de 318,2 euros. A propina chegaria aos 1067,85 euros em 2014, durante o governo PSD/CDS de Passos Coelho. A Outubro desse mesmo ano o salário mínimo era de 505 euros. Os estudantes constroem vários protestos e uma adesão intensa da juventude na oposição ao Governo.

O Governo PS que lhe sucede, conhecido pela "Geringonça", viu-se obrigado, por constante pressão social e política, a negociar com os partidos à sua esquerda a descida da propina no Ensino Superior público, nunca cedendo à sua extinção (incluindo este ano, chumbada de novo).

A propina fixa-se agora nos 697 euros para as licenciaturas no ensino público, e o primeiro-ministro António Costa anunciou que este valor começará a ser devolvido gradualmente por cada ano de trabalho em Portugal. Miguel Costa Matos, secretário-geral da Juventude Socialista e deputado afirmou que “acabaram as propinas em Portugal”. É bom que ele não deixe de actualizar o Fenix, porque o saldo vai continuar negativo por uns bons anos.

O SMN é de 740,83 euros e vivemos a maior crise habitacional e de custo de vida desde do 25 de Abril. O excedente orçamental da primeira metade do ano pagaria por inteiro outro orçamento anual para o Ensino Superior.

Recontei brevemente a história da propina em Portugal exactamente para mostrar que o seu único propósito foi ser uma barreira à frequência no ensino superior e que ela pode e deve terminar. Em 82 anos ela chegou a ser um impedimento, mas também a ser praticamente simbólica.

Um ensino assente no financiamento dos estudantes é uma mercadoria, não um direito. Mas estudar é um direito. Os estudantes não são 'investimentos' do Estado. São pessoas a exercer o seu direito fundamental de aprender e de se desenvolverem enquanto seres humanos.

Não queremos tanta emigração? Tratemos de aumentar salários, reduzir os horários laborais, controlar rendas, melhorar transportes, serviços e infra-estruturas. E sim, em possibilitar os estudos e formações tanto académicas como profissionais.

Aguardamos o Orçamento de Estado para 2024, mas uma coisa é certa: manter as propinas trata-se de uma opção política, não de uma necessidade financeira. Continuam a ser as famílias com menor poder económico, os estudantes deslocados e os que vivem por conta própria os mais prejudicados por este método que trata ainda a emigração como um capricho em vez de um direito que advém de necessidade. Por opção política, continua-se a garantir que o ensino é apenas para alguns.

Mas há algo mais a reter desta história: que os estudantes e os jovens já mostraram antes que a luta política traz resultados concretos e que nada nos obriga à resignação. Lutemos então por um ensino que seja verdadeiramente para todos e que assim se mantenha de uma vez por todas.

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