Confirma-se: a formiga-de-fogo já chegou à Europa
Há condições para o insecto colonizar Portugal. Desde 2019 que pessoas estão a ser picadas por formigas-de-fogo na Sicília. Agora, cientistas confirmaram que a espécie invasora se estabeleceu na ilha.
Uma picada da formiga-de-fogo (Solenopsis invicta) dói, causa ardor e provoca uma pústula. Desde 2019, pessoas que vivem nos arredores de Siracusa, uma cidade no Sudeste da Sicília, queixavam-se destas picadas que podem provocar reacções alérgicas e até um choque anafiláctico. Agora, uma equipa de cientistas provou que a espécie invasora colonizou de facto aquela ilha do Mediterrâneo, estabelecendo-se pela primeira vez na Europa, havendo um risco acrescido de chegar ao resto do continente, onde existem condições da formiga colonizar muitas cidades e regiões. O estudo foi publicado nesta segunda-feira na revista científica Current Biology.
“Reportamos o estabelecimento da Solenopsis invicta na Europa pela primeira vez, documentando uma população madura descoberta na Sicília”, lê-se no artigo, assinado por Mattia Menchetti, do Instituto de Biologia Evolutiva, em Barcelona, Espanha, e colegas. “Mostramos que metade das zonas urbanas da Europa já é adequada [para aquelas formigas] e que as alterações climáticas que se esperam, de acordo com as tendências presentes, vão favorecer a expansão desta formiga invasora [na Europa]”.
Portugal não escapa a essa realidade, um mapa no artigo mostra que cidades como Lisboa e Porto têm condições óptimas para a formiga poder viver.
A formiga-de-fogo é a quinta espécie invasora que causa maior impacto económico no mundo. Natural da América do Sul, desde a década de 1930 que a Solenopsis invicta colonizou os Estados Unidos onde, todos os anos, se estima que a espécie tenha um custo de 930 milhões de euros só no Sul dos Estados Unidos. Além dos danos a pessoas e animais, a formiga também pode atacar culturas agrícolas.
Neste momento, a formiga está também presente no México, na China, nas Caraíbas, na Austrália. Apenas a Nova Zelândia conseguiu erradicar o insecto. Havia a ameaça de a espécie chegar à Europa e, de acordo com o artigo, houve pelo menos três intercepções documentadas de formigas a chegarem à Europa. Normalmente, estas colonizações dão-se por viagens náuticas, sendo que as formigas podem estar em plantas que são transportadas.
Agora, nos arredores de Siracusa, durante a temporada de Inverno de 2022 e 2023, os cientistas investigaram a situação no terreno e encontraram 88 formigueiros da espécie numa área de 4,7 hectares (a título de comparação, a Praça do Comércio em Lisboa tem 3,4 hectares). “Há um número vasto de espécies de formigas invasoras que estão actualmente estabelecidas na Europa, e a ausência desta espécie dava um certo alívio”, explica Mattia Menchetti, num comunicado da editora Cell Press, que publica a Current Biology. “Durante décadas, os cientistas temiam que ela chegasse [à Europa]. Não queríamos acreditar nos nossos olhos quando a vimos.”
Fronteira final na Europa?
As formigas-de-fogo têm uma alimentação variada, comem mamíferos mortos, artrópodes, insectos, sementes. O tamanho das formigas obreiras desta espécie varia entre os 2,4 e os 6 milímetros. E a espécie tem a particularidade de construir jangadas de formigas, que as mantêm a boiar, quando há uma inundação do seu território.
Na Sicília, alguns dos formigueiros tinham vários milhares de formigas trabalhadoras. Dezasseis das 88 colónias tinham machos e rainhas com asas, capazes de fundar novas colónias, permitindo expandir o território da espécie. Este pormenor preocupou os cientistas porque, normalmente, a época de reprodução ocorre no Verão.
Como na região de Siracusa não existe nenhum porto importante, os investigadores acreditam que o local inicial da colonização seja noutro ponto da ilha, mais perto de um porto maior. De acordo com a predominância dos ventos, deverá haver colónias a noroeste. Por isso, será necessário monitorizar outras regiões para localizar outros territórios da ilha com formigueiros. “Os cidadãos poderão ter um papel muito importante nisto”, diz o autor. “Esperamos que, com a sua ajuda, sejamos capazes de cobrir uma área maior. Isto irá ajudar-nos a rastrear e identificar todas as possíveis áreas invadidas na região.”
Através de uma análise genética, os investigadores conseguiram definir que as populações de Siracusa estavam geneticamente próximas de um grupo que engloba populações da Argentina, dos Estados Unidos, de Taiwan e da China. Por isso, a origem desta nova população será, com maior probabilidade, ou a China ou os Estados Unidos.
O passo seguinte dado pelos investigadores foi estimar quais as regiões do resto da Europa que têm as condições para estas formigas se instalarem. Segundo a pesquisa, para já, 7% da área europeia é adequada à formiga-de-fogo. De acordo com as tendências actuais das alterações climáticas, em 2090, a área apropriada para a espécie irá crescer para mais de 30%.
Cidades como Lisboa, Porto e Barcelona, são propícias para a colonização da Solenopsis invicta. Neste momento, “as áreas urbanas mais adequadas são áreas costeiras das cidades mediterrânicas, que estão altamente conectadas a portos marítimos, favorecendo potencialmente a propagação da espécie”, lê-se no artigo.
"Esforços coordenados para a detecção precoce [da formiga] e para uma resposta rápida na região são essenciais para gerir esta nova ameaça, antes que se espalhe descontroladamente", avisa Roger Vila, investigador do mesmo instituto que Mattia Menchetti, e que liderou o estudo.