Carta aberta: as orcas ibéricas e as suas interações com embarcações – não ataques
Tem havido um grande interesse público nas interações entre orcas (doravante designadas por orcas ibéricas) e embarcações ao longo da costa da Península Ibérica (Espanha e Portugal) e em águas vizinhas. Preocupa-nos que os erros factuais relacionados com estas interações estejam a ser repetidos nos meios de comunicação social, juntamente com uma narrativa – sem base científica ou real – de que os animais estão a atacar agressivamente as embarcações ou a procurar vingança contra os marinheiros. Acreditamos que esta narrativa projeta inadequadamente motivações humanas nestes cetáceos e preocupa-nos que a sua perpetuação conduza a respostas punitivas por parte dos marinheiros ou do público em geral. As orcas mostraram uma grande variedade de comportamentos durante as interações, muitos deles consistentes com um comportamento social lúdico.
Por conseguinte, procuramos esclarecer os factos com base nas provas científicas disponíveis. Grande parte desta informação provém de um artigo revisto por pares publicado na Marine Mammal Science em 2022 por vários signatários desta carta.
As orcas ibéricas estão classificadas na Lista Vermelha da União Internacional para a Conservação da Natureza (UICN) como Criticamente em Perigo. Esta população pode ter menos de 40 indivíduos. Representam uma subpopulação geograficamente isolada e geneticamente distinta, que se alimenta principalmente de atum-rabilho.
Estas interações com embarcações iniciaram-se em julho de 2020. Até à data, foram identificados pelo menos 11 juvenis e quatro fêmeas adultas que participam ativamente ou se limitam a observar as interações. Não há evidências da existência de um "líder" identificável destas interações. Os investigadores atribuíram a estas 15 orcas a designação latina de Gladis e um nome individual: por exemplo Gladis Branca ou Gladis Negra. A Gladis Negra, uma fêmea juvenil – e um dos animais que interagiram inicialmente em 2020 – foi observada com uma laceração na cabeça na primavera de 2020 e uma ferida atrás da barbatana dorsal mais tarde, em 2021. Ambas as lesões são de origem desconhecida.
As interações já registadas variam desde a ausência de contacto com o navio, passando por um contacto ligeiro ou moderado sem danos ou com danos menores para a embarcação, até um contacto significativo com danos graves (impedindo a navegação). A partir da primavera de 2021, afundaram-se pelo menos cinco embarcações na sequência de interações com orcas (3 veleiros e 2 pequenas embarcações de pesca). Os danos graves ocorreram em apenas 20% de todas as interações conhecidas.
Apesar dos danos causados às embarcações, consideramos que a caraterização das interações como "ataques" é incorreta. Embora algumas partes das embarcações apresentem raramente marcas de dentes, os danos predominantes nos lemes e quilhas devem-se a pancadas ou empurrões com a cabeça ou o corpo. As orcas não estão a rasgar os lemes, como fariam se se tratasse de um comportamento de caça. Embora este comportamento possa ser assustador (e dispendioso) do ponto de vista humano, do ponto de vista das orcas, parece ser de alguma forma gratificante.
Sabe-se que as orcas (e outras espécies de golfinhos) noutros locais desenvolvem "modas" culturais (comportamentos novos que persistem e se expandem brevemente numa população – uma analogia poderá ser o das tendências de moda nos humanos), como transportar peixes mortos na cabeça. Embora estas interações com embarcações possam ser um fenómeno semelhante, persistem mais tempo do que o típico comportamento de moda, expandindo-se na população e aumentando o seu impacto. No entanto, é possível que o comportamento, tal como outras “modas”, desapareça tão subitamente como apareceu.
Exortamos os meios de comunicação social e o público em geral a evitarem projetar narrativas sobre estes animais. Na ausência de mais provas, o público não deve presumir que compreende as motivações das orcas. A orca é uma espécie inteligente e socialmente complexa, e cada população tem a sua própria cultura – diferentes vocalizações (conhecidas como dialetos), preferências de presas, técnicas de caça, até mesmo diferentes estruturas sociais e comportamentos migratórios. As orcas ibéricas estão a exibir um comportamento nunca antes observado com esta consistência entre os cetáceos – mesmo nos dias da caça industrial à baleia a partir de navios e embarcações de madeira, quando se sabia que baleias muito maiores destruíam ou danificavam as embarcações, tais incidentes eram relativamente pouco comuns. A ciência ainda não consegue explicar por que razão as orcas ibéricas estão a ter este comportamento, embora repitamos que é mais provável que esteja relacionado com brincadeira/socialização do que com agressão. No entanto, é infundado e potencialmente prejudicial para os animais afirmar que se trata de vingança por erros passados, ou promover qualquer outra história melodramática.
Quando estamos no mar, estamos no domínio da vida marinha. Não devemos castigar a vida selvagem pelo facto de ser selvagem. Temos de manter a cabeça fria quando os animais selvagens exibem um comportamento novo e temos de fazer um esforço maior para adaptar as nossas próprias ações e comportamentos à presença da vida selvagem. A sobrevivência das espécies com que partilhamos este planeta depende disso.
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Naomi A. Rose, PhD
Senior Scientist, Marine Mammal Biology
Animal Welfare Institute
EUA
Robin W. Baird, PhD
Hawai‘i Program Director
Cascadia Research Collective
EUA
Giovanni Bearzi, PhD
President, Dolphin Biology and Conservation
Itália
Maddalena Bearzi, PhD
President, Ocean Conservation Society
EUA
Jaime Bolaños, PhD
Caribbean-Wide Orca Project (CWOP), Coordinator
Sea Vida (Venezuela), Executive Director
Venezuela
Inês Carvalho, PhD
Population and Conservation Genetics Group
Instituto Gulbenkian Ciência
Portugal
Mel Cosentino, PhD
Marine mammal researcher
Aarhus University
Dinamarca
Volker Deecke, PhD
Professor of Wildlife Conservation
University of Cumbria
Reino Unido
Rocío Espada-Ruiz
University of Sevilla, Ecolocaliza
GTOA (Grupo de Trabajo Orca Atlántica/Atlantic Orca Working Group)
Espanha
Ruth Esteban, PhD
Madeira Whale Museum
GTOA
Portugal
Andrew Foote, PhD
Researcher
Centre for Ecological and Evolutionary Synthesis, University of Oslo
Noruega
Tilen Genov, PhD
Morigenos – Slovenian Marine Mammal Society
IUCN Cetacean Specialist Group
Eslovénia
Deborah Giles, PhD
Science and Research Director Wild Orca
EUA
Christophe Guinet, PhD
Senior Scientist, CNRS
Centre d’Etudes Biologiques de Chizé
França
Erich Hoyt
Research Fellow, Whale and Dolphin Conservation
Co-chair, IUCN SSC-WCPA Marine Mammal Protected Areas Task Force
Reino Unido
Eve Jourdain, PhD
Director and Researcher
Norwegian Orca Survey
Noruega
Alfredo López Fernández, PhD
University of Aveiro, CESAM
CEMMA
GTOA
Portugal
Eduardo Morteo Ortiz, PhD
Director, Laboratorio de Mamíferos Marinos de la Universidad Veracruzana (LabMMar-IIB-ICIMAP-UV)
México
Giuseppe Notarbartolo di Sciara, PhD
Honorary President, Tethys Research Institute
Itália
Laetitia Nunny, MSc
Science Officer
OceanCare
Espanha
Liliana Olaya-Ponzone
University of Sevilla
GTOA
Espanha
Christian D. Ortega Ortiz, PhD
Professor, Universidad de Colima
México
E.C.M. Parsons, PhD
Associate Professor
Centre for Conservation and Ecology, University of Exeter
Reino Unido
Héctor Pérez Puig, MSc
Coordinador Programa de Mamíferos Marinos
Centro de Estudios Culturales y Ecológicos Prescott, A.C.
México
Randall Reeves, PhD
Chair, IUCN SSC Cetacean Specialist Group
Canadá
Filipa Samarra,
PhD Research Specialist University of Iceland
Iceland
Marina Sequeira
Institute for Nature Conservation and Forests
GTOA
Portugal
Tiu Similä, PhD
Head of Science, Whale2Sea
Noruega
Mark Peter Simmonds, OBE
Director of Science, OceanCare
Reino Unido
Courtney E. Smith, PhD
Affiliate Faculty
Department of Environmental Science and Policy, George Mason University
EUA
Paul Tixier, PhD
Researcher, marine mammal ecology and their interactions with human activities
French National Research Institute for Sustainable Development, IRD MARBEC
França
Jared Towers
Executive Director, Bay Cetology
Canadá
Lindy Weilgart, PhD
Senior Ocean Noise Expert and Policy Consultant, OceanCare
Adjunct, Department of Biology, Dalhousie University
Canadá
Hal Whitehead, PhD
Professor
Dalhousie University
Canadá
Alex Zerbini, PhD
Senior Scientist
Cooperative Institute for Climate, Ocean and Ecosystem Studies, University of Washington
EUA
Os autores forneceram uma tradução segundo o novo acordo ortográfico