Enquanto o estado norte-americano do Texas sofria com as temperaturas recorde deste Verão, o motorista local da empresa UPS, Chris Begley, começou a sentir-se mal e desmaiou em casa de um cliente. Acabou por morrer no hospital. A morte de Chris Begley, de 57 anos, foi anunciada no final de Agosto, no momento em que o seu sindicato ratificava um acordo com a UPS sobre a melhoria das protecções contra o calor.
“Chris Begley ainda devia estar vivo para as testemunhar”, afirmou o sindicato Teamsters numa declaração sobre as medidas acordadas, como a promessa de incluir ar condicionado nas novas carrinhas de entregas a partir do próximo ano e de reequipar os veículos existentes.
Numa declaração aos meios de comunicação social locais, a UPS afirmou estar a cooperar com as autoridades na investigação da causa da morte. “Damos formação aos nossos funcionários para reconhecerem os sintomas de stress térmico e respondemos imediatamente a qualquer pedido de ajuda”, diz a empresa.
À medida que o aquecimento global origina períodos de calor extremo mais frequentes em todo o mundo, os trabalhadores encontram-se entre os mais expostos a riscos graves para a saúde, uma vez que a sua subsistência depende da sua capacidade de continuar a trabalhar.
Ao mesmo tempo, os estudos mostram que a produtividade começa a ser prejudicada a temperaturas superiores a 24-26 graus Celsius; para algumas tarefas, é mesmo reduzida para metade a partir de cerca de 33-34 graus — valores que têm sido repetidamente ultrapassados este ano, que incluiu o mês de Julho mais quente de que há registo.
“Ao contrário de alguns riscos para a saúde e segurança no trabalho, o calor tem um impacto directo na saúde dos trabalhadores e um impacto directo na produtividade”, afirma Halshka Graczyk, especialista da Organização Internacional do Trabalho (OIT).
“Fará sentido para um empregador manter um local de trabalho a funcionar num dia em que estejam mais de 35 graus Celsius e a produtividade for inferior a 50% do que esperam?”, questiona Graczyk, sobre a difícil relação custo-benefício com que cada vez mais locais de trabalho se vão deparar.
Direitos laborais
Mesmo partindo do pressuposto optimista de que o mundo atinja o objectivo do Acordo de Paris de limitar o aquecimento a 1,5 graus Celsius (em relação aos níveis pré-industriais), as perdas de produtividade global podem ascender a 2,2% das horas de trabalho ou a 2,4 biliões de dólares (cerca de 2,24 biliões de euros) em produção até 2030, segundo as estimativas da OIT.
Encontrar o ponto em que os custos para os empregadores podem ser minimizados sem comprometer o bem-estar dos trabalhadores é ainda mais difícil, tendo em conta a falta de dados claros, a regulamentação pouco uniforme e a forma díspar como os trabalhadores de todo o mundo irão sofrer o stress térmico.
Não surpreende que os trabalhadores de colarinho branco, em escritórios com ar condicionado, sejam menos afectados: o grande impacto continuará a ser, sobretudo, nos trabalhadores ao ar livre, em sectores que vão da construção à agricultura, e em particular nos países do sul global.
Entre os mais expostos estarão ainda 170 milhões de trabalhadores migrantes por todo o mundo. Chaya Vaddhanaphuti, investigadora da Universidade de Chiang Mai, na Tailândia, afirma que os seus estudos sobre os trabalhadores migrantes da Birmânia tornam evidente essa sua vulnerabilidade.
“Estes trabalhadores tendem a demonstrar um estoicismo e uma resistência extra — em parte porque precisam de mostrar aos seus patrões tailandeses que podem trabalhar e manter os seus contratos”, afirmou. “Isto coloca-os em maior perigo durante o período de ondas de calor. Muitas vezes, não têm qualquer documentação regularizada ou acesso a serviços médicos.”
Uma convenção internacional da OIT concede aos trabalhadores o direito de abandonar o local de trabalho sem medo de represálias se tiverem uma “justificação razoável” para acreditar que estão em perigo, mas os defensores dos trabalhadores dizem que poucos conhecem a convenção ou se atrevem a utilizá-la.
Muitos países europeus e outros países de clima (pelo menos historicamente) temperado ainda não têm leis que estabeleçam temperaturas máximas de trabalho. Nos casos em que existem — como na China, com o seu limite máximo de 40 graus Celsius, que já existe há uma década —, o controlo e a aplicação são variáveis.
Muitas vezes, isso deve-se à falta de recursos das entidades reguladoras dos locais de trabalho: a Autoridade de Saúde e Segurança Ocupacional dos EUA (OCHA) precisaria de 165 anos para verificar cada local de trabalho sob a sua alçada, estima o grupo de defesa do trabalho National Employment Law Project (NELP).
“Tem de haver incentivos e sanções — e sem aplicação da lei não há sanções suficientes”, afirmou Anastasia Christman, analista de políticas do NELP.
Papel da automatização
Embora os limites de temperatura no local de trabalho possam evitar alguns acidentes, não têm em conta o facto de os trabalhadores sentirem o stress de forma diferente, de acordo com a sua função e perfil de saúde.
“O número no termómetro não é tão crucial como a avaliação dos riscos e o diálogo com os trabalhadores”, afirma Owen Tudor, secretário-geral adjunto da Confederação Internacional dos Sindicatos.
As consultas podem produzir soluções relativamente baratas: Tudor cita o exemplo de um matadouro que descobriu que podia reduzir a transferência de calor de trabalhador para trabalhador ao simplesmente aumentar o espaço entre as pessoas.
Outras soluções têm repercussões sociais mais vastas. A frequentemente citada mudança do horário de trabalho para as horas mais frescas do início da manhã ou do fim da tarde deixa os trabalhadores obrigados a reorganizar os cuidados com os filhos ou a enfrentar opções limitadas de transportes públicos.
A automatização também poderá ter um papel a desempenhar. Este ano, o produtor de vinho francês Jerome Volle fez a vindima antes do amanhecer — mecanizando grande parte do processo — para evitar temperaturas diurnas de 42 graus Celsius que, segundo disse à Reuters, “sobrecarregam tanto as plantas como os trabalhadores”.
A exposição ao calor já está a emergir como uma fonte de queixas dos trabalhadores — seja nas greves do pessoal do lugar turístico da Acrópole de Atenas, em Julho, ou no processo bem-sucedido contra um empregador chinês, no ano passado, na sequência da morte de um empregado de limpeza por insolação.
À medida que as temperaturas aumentam, as práticas salariais e de desempenho praticadas actualmente em alguns sectores — por exemplo, o trabalho à peça e os objectivos de produção que desencorajam os trabalhadores de fazerem pausas para descanso — podem vir a tornar-se inaceitáveis. E se um fenómeno meteorológico extremo, como um tornado, destruir uma fábrica, deverão os trabalhadores continuar a ser pagos?
“As alterações climáticas representam uma mudança de paradigma tal que todos nós temos de repensar estes pressupostos económicos tradicionais”, afirmou Christman, da NELP. “Cumprir apenas as actuais normas de protecção no local de trabalho não será suficiente.”