O mundo não está no caminho certo para controlar as alterações climáticas. Os compromissos de redução das emissões de gases com efeito de estufa feitos pelos perto de 200 países que assinaram o Acordo de Paris, de 2015, ficam aquém do que seria necessário para limitar a subida da temperatura média do planeta a 1,5 graus ou, no máximo, dois graus Celsius, conclui o relatório da avaliação global da aplicação do Acordo de Paris, apresentada nesta sexta-feira pelas Nações Unidas.
O mundo emitiu mais 20,3 a 23,9 gigatoneladas (milhões de toneladas) de dióxido de carbono-equivalente (CO2-eq) do que seria necessário para que o aquecimento não ultrapassasse 1,5 graus, conclui o relatório da avaliação global da aplicação do Acordo de Paris, apresentada nesta sexta-feira. Durante este Verão, a temperatura média do planeta esteve 1,5 graus acima da média antes da Revolução Industrial, que é o ponto de comparação.
Este relatório é apresentado em 2023 nos termos do Acordo de Paris, para verificar como têm evoluído os compromissos nacionais (conhecidos pela sigla NDC) dos países. A partir daqui, esta avaliação deve ser feita de cinco em cinco anos.
Na próxima Cimeira do Clima das Nações Unidas (COP28), no Dubai, em Novembro, será discutido este documento, que será usado para desenhar novas políticas climáticas e financiamento para projectos de energia limpa. Por exemplo, para indicar que os objectivos de redução de emissões nacionais devem alargar-se a toda a economia e um país, e não apenas alguns sectores, diz a Reuters
“É necessária mais ambição na actuação e no apoio para pôr em prática medidas de mitigação ao nível nacional, e estabelecer metas mais ambiciosas nos compromissos nacionais (conhecidos pela sigla NDC) para (…) reduzir as emissões globais de gases com efeito de estufa em 43% até 2030, e em 60% até 2035, tendo como referência os valore de 2019, e atingir a neutralidade carbónica ao nível global em 2050”, lê-se no relatório. Estes números foram calculados pelos cientistas do Painel Intergovernamental para as Alterações Climáticas (IPCC) para limitar o aquecimento a 1,5 graus.
Para fazerem este caminho, as emissões de todo o planeta deviam ter atingido o pico em 2020, o mais tardar em 2025. Mas esse pico ainda não ocorreu, e vai levar mais tempo nos países em desenvolvimento que são signatários do Acordo de Paris.
“As emissões globais não estão em linha com o que os modelos de mitigação [redução de emissões] mostram ser consistente com os objectivos de temperatura do Acordo de Paris”, diz o documento divulgado pela Convenção das Nações Unidas sobre as Alterações Climáticas. “Há uma janela de oportunidade que está a fechar-se rapidamente para aumentar a ambição e aplicar os compromissos existentes para limitar o aquecimento a 1,5 graus acima dos valores anteriores à Revolução Industrial”, alerta.
Falha no compromisso e na redução
As lacunas são em duas frentes: por um lado, a ambição dos compromissos de redução das emissões apresentados pelos países é insuficiente para atingir os objectivos de temperatura do Acordo de Paris; e, por outro, há um hiato entre a redução que as políticas actualmente postas em prática e aquilo que é prometido. “É preciso agir para aumentar a ambição dos compromissos nacionais e avançar para cumprir os objectivos”, salienta o documento.
Em 2019, as concentrações de dióxido de carbono (CO2, o principal gás de efeito de estufa) na atmosfera atingiram a média anual de 419 partes por milhão (ppm), salienta o relatório. O valor actualizado para 2023 calculado pelo Met Office britânico é já de 420ppm. Seja como for, é um valor mais elevado do que em qualquer outra altura nos últimos dois milhões de anos. Nunca nenhum ser humano habitou a Terra nestas circunstâncias. A temperatura média à superfície do planeta em 2011-2020 foi 1,1 graus mais alta do que a média anterior à Revolução Industrial.
Para conseguir chegar à neutralidade carbónica, é preciso agir em todos os sectores, sublinha esta análise. Aumentar as energias renováveis ao mesmo tempo que se vai abandonando os combustíveis fósseis, acabar com a desflorestação e reduzir as emissões de CO2 são os conselhos generalistas para os governos.
“Peço aos governos que estudem cuidadosamente os resultados deste relatório e compreendam o que significa para eles e quais as acções ambiciosas que devem tomar a seguir”, disse Simon Stiell, secretário executivo da Convenção da ONU das Alterações Climáticas, citado num comunicado de imprensa.
“Para chegar a emissões zero de CO2 globalmente em meados do século, é preciso haver uma descarbonização radical de todo os sectores da economia”, defende o relatório. Os governos devem usar uma abordagem que inclua toda a sociedade, aumentando a ambição a curto prazo e assegurando-se de que todos têm acesso a energia.
Aumentar financiamento
Se o aquecimento global for limitado aos valores estabelecidos no Acordo de Paris (1,5 ou dois graus Celsius, no máximo), reduzir-se-iam significativamente os riscos e impactos das alterações climáticas, em comparação com níveis mais altos de aquecimento, frisa o relatório. Mas espera-se um cenário mais grave: “Os impactos projectados vão exceder os limites da adaptação, sobretudo nos sistemas naturais. Alguns impactos serão irreversíveis quando a temperatura aumentar mais de 1,5 graus”, pode ler-se.
“A avaliação do progresso colectivo na adaptação revelou uma necessidade urgente de aumentar a escala do financiamento para medidas de adaptação, para ir ao encontro das prioridades e necessidades crescentes dos países em desenvolvimento”, sublinha o relatório.
É preciso procurar “fontes de financiamento alargadas e inovadoras”, para tornar “os fluxos financeiros consistentes com um desenvolvimento resiliente ao clima”.
“Apelo aos líderes tanto do sector público como privado para que venham para a COP28 com compromissos reais e possíveis de pôr em prática para lidar com as alterações climáticas”, pediu o presidente da COP28, o Sultan Al Jaber, citado num comunicado de imprensa.
“Precisamos de triplicar as energias renováveis até 2030, comercializar outras soluções neutras em carbono como o hidrogénio e dar maior escala ao sistema energético sem combustíveis fósseis, ao mesmo tempo que eliminamos as emissões das energias que usamos hoje”, acrescentou.