Lítio: associações criticam luz verde à mina em Montalegre

Zero, PAN, associação local e autarca de Montalegre criticam a decisão da APA sobre a exploração de lítio na Mina do Romano, no concelho de Montalegre.

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Protestos na aldeia de Morgade Adriano Miranda
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Depois de a APA ter anunciado na quinta-feira a viabilização ambiental da exploração de lítio na Mina do Romano, as críticas começaram a ouvir-se. A Associação Montalegre Com Vida realçou na quinta-feira que a mina vai ter impactos "completamente arrasadores" para as comunidades locais e garantiu que a luta contra o projecto vai continuar, apesar da viabilização ambiental da exploração mineira. Também a presidente da Câmara de Montalegre, Fátima Fernandes, lamentou nesta sexta-feira a luz verde à exploração de lítio no concelho e que se sacrifique o lobo-ibérico, garantindo igualmente que a luta contra o projecto "não terminou por aqui".

O PAN afirmou esta sexta-feira que a mina de lítio em Montalegre vai contribuir de “forma irreversível” para a perda de habitats e biodiversidade, e alertou para os riscos na conservação e protecção do lobo-ibérico. Também a associação ambientalista Zero reagiu com preocupação à viabilização da mina do Romano, considerando “absurdo” separar o projecto entre a mina e a refinaria, que será alvo de uma Avaliação de Impacte Ambiental (AIA) autónoma.

“É preocupante, estamos a falar uma vez mais de um projecto com elevados impactos ambientais, sociais, económicos, que é alvo de um parecer favorável condicionado. Este parecer tem um aspecto particular, que é parte do complexo de anexos mineiros (CAM) que vai ser alvo de um processo de AIA autónomo, o que nos parece que é no mínimo absurdo”, afirmou hoje à agência Lusa Nuno Forner, da Zero. Para Nuno Forner, “separar o projecto em várias partes não faz qualquer sentido”.

Início de uma luta

Armando Pinto, dirigente da associação que foi criada para lutar contra a exploração mineira, em Montalegre, garante que o caso não ficará por aqui: "Isto não será o fim de tudo, mas o início de uma luta. Agora sim, irá começar a luta, a contestação, os processos em tribunal. Nós iremos contestar certamente esta Declaração de Impacte Ambiental (DIA) nos tribunais e onde quer que seja”.

A Agência Portuguesa do Ambiente (APA) anunciou na quinta-feira, em comunicado, que decidiu viabilizar ambientalmente a exploração de lítio na mina do Romano, proposta pela Lusorecursos, emitindo uma DIA favorável, mas que integra um "conjunto alargado de condicionantes".

Para Armando Pinto, o projecto "vai destruir a região", principalmente a freguesia de Morgade, e irá ter "impactos completamente arrasadores" para as populações. Apesar da DIA favorável, Armando Pinto considerou que "muitas dúvidas" sobre o projecto não "foram esclarecidas", pelo que classificou como um "absurdo" esta aprovação.

"Não vamos baixar os braços, não vai ser isto que nos vai fazer desistir e nós acreditamos que ainda vamos conseguir reverter estas decisões e fazer cair este projecto", salientou.

Numa primeira reacção à notícia, a autarca de Montalegre Fátima Fernandes disse que o município está ao lado das populações na defesa dos seus interesses, do seu modo de vida e do território do Barroso, que é o único Património Agrícola Mundial em Portugal.

"Lamento que em nome da protecção do ambiente, em nome das alterações climáticas e da importância do lítio, exactamente nestas questões com que nos deparamos agora, que sacrifiquem uma espécie protegida como é o lobo", afirmou Fátima Fernandes à agência Lusa.

E continuou: "Não me parece correcto que queiram fazer um insulto à inteligência presumindo que o habitat do lobo é nas fraldas onde se vai situar a mina e que o lobo não tenha um território mais alargado".

A autarca, que também lamentou ter tido conhecimento da viabilização do projecto apenas através da comunicação social, considerou ainda que não foram acauteladas as preocupações levantadas em relação à água ou mesmo em relação a outras espécies, para além do lobo, e disse que deveriam ter sido analisados, "de uma forma mais sustentada", os pareceres emitidos por universidades.

"Esta luta não terminou por aqui, é evidente que não vão ver a presidente da câmara em manifestações que eu considero que são exercícios de populismo barato e, portanto, nunca tive esse espírito, mas sei exactamente aquilo que poderemos fazer para chamar a atenção para este território sempre pelas melhores razões – e temos muitas", realçou, sublinhando que o município "tudo fará que a exploração não venha para aqui".

A decisão da APA aprova a exploração mineira e a localização da instalação de resíduos, mas quanto ao complexo de anexos mineiros (CAM), que inclui a refinaria, lavaria e edifícios administrativos, a DIA diz que a sua localização "deve ser aprofundada, ao abrigo de procedimento de AIA autónomo", devendo incidir preferencialmente na localização correspondente à solução A, caso "seja ultrapassada a situação de incompatibilidade do projecto com o Plano Director Municipal (PDM) de Montalegre".

"A câmara não tem resposta para dar a isso, porque o território está classificado como está e se temos tanta dificuldade às vezes em permitir que um emigrante faça uma casa na horta que o pai lhe deixou, mas porque está desviada do perímetro urbano 100 metros já não pode construir no único terreno que tem, então nós não podemos também permitir que seja alterado o PDM só porque alguém nos diz que há hipótese, muito remota, de vir para aqui uma refinaria", frisou.

A autarca classifica esta questão como "estranhíssima" e até uma "coisa do domínio do surreal".

“Há uma certa pressão para que o município vá ao encontro da importância deste projecto e proceda a uma alteração em termos de PDM”, considerou ainda Nuno Forner, da Zero.

A esta preocupação, Nuno Forner acrescentou outra: “Preocupa-nos que ao nível das medidas de compensação e de minimização seja mencionada a possibilidade de as populações poderem ser ressarcidas monetariamente de forma a poderem comprar uma outra habitação ou um outro terreno, ou mesmo serem compensados pelo terminar da sua actividade na agricultura”.

O que, na sua opinião, “nitidamente mostra que é um projecto com elevados impactos”, nomeadamente na componente social, que “dificilmente são minimizáveis” e que “a solução será empurrar as pessoas para fora daquele território".

O projecto da mina do Romano foi alvo de uma reformulação, que esteve em consulta pública entre Junho e Julho e teve como objectivo analisar as localizações do complexo de anexos mineiros, bem como das medidas de minimização com incidência na população do lobo-ibérico.

Sobre o lobo-ibérico, uma espécie protegida em Portugal, impõe medidas de minimização e/ou compensatórias para a alcateia do Leiranco e alcateias contíguas que possam vir ser afectadas indirectamente. Nuno Forner disse que, neste aspecto, a DIA “deu razão” à Zero, porque inviabilizou a solução a sul, que tinha “graves impactos” para a alcateia do Leiranco.

Segundo informou a APA, o "projecto inclui desde já um pacote de compensações socioeconómicas, incluindo a alocação de 75% dos encargos de exploração (royalties) ao município de Montalegre" e incorpora um "conjunto alargado de condições" a cumprir pela Lusorecursos, como, por exemplo, medidas compensatórias dirigidas às comunidades locais, considerando os impactes expectáveis ao nível da socioeconomia na fase de exploração.

A mina do Romano tem uma área total de 825,4 hectares na zona de Morgade, propõe uma exploração mista (céu aberto e subterrânea) e prevê um período de vida útil de 13 anos, podendo vir a ser ampliado.

A decisão da APA foi "favorável condicionada para a exploração mineira e para a solução dois (a sudeste da zona mineira) de localização da instalação de resíduos". Este é o segundo projecto de lítio aprovado em Portugal, depois da DIA favorável condicionada à mina do Barroso (em Maio), proposta pela Savannah para Covas do Barroso, no concelho vizinho de Boticas.