Book 2.0: quando as mulheres têm palco e precisam de falar da sua luta

Discutir o futuro dos livros foi o desafio da Book 2.0, uma conferência que terminou nesta sexta-feira, em Lisboa, e que juntou autores, editores, professores, livreiros, políticos e… leitores.

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Discutir o futuro dos livros foi o desafio da Book 2.0, uma conferência que terminou nesta sexta-feira, em Lisboa, e que juntou autores, editores, professores, livreiros, políticos e… leitores. Os dois dias foram pautados pelo amor aos livros, enquanto objectos aos quais atribuímos valor emocional e cultural, e pela vontade e importância de incentivar e potenciar novos leitores.

O vídeo que apresenta a conferência refere que 750 milhões de pessoas no mundo ainda não sabem ler, sendo que dois terços são mulheres. Estes números alarmantes enfatizam a importância dos Objectivos de Desenvolvimento Sustentável 2030, em particular os objectivos 1, 4 e 5: erradicar a pobreza, educação de qualidade e a igualdade de género.

A dada altura, a crítica literária Filipa Melo enuncia dados que revelam que os autores homens são mais publicados e escolhidos mais jovens comparativamente às autoras mulheres. As suas obras também são mais vendidas. No entanto, as editoras recebem mais manuscritos originais escritos por mulheres.

Ou seja, persiste o preconceito não só nos editores, mas também nos leitores, em relação às mulheres. Uma ideia feita que, no painel intitulado “Escolhas da Next Generation”, a escritora Helena Magalhães (em conjunto com as autoras Rita da Nova e Maria Francisca Gama) confirma, ao focar-se nos preconceitos comummente associados a autoras mulheres e jovens.

O elitismo com que alguns dos outros oradores falaram torna evidente a ideia de que existe a Literatura com “L” maiúsculo e depois existe a “literatura light” escrita por mulheres jovens, sob a ideia de que estas não têm nada para acrescentar ao cânone.

Confesso que nunca li nenhuma das três autoras, mas fiquei cheia de vontade de o fazer, pois explicaram que partem de experiências pessoais para escreverem. Lembrei-me imediatamente do argumento de Judith Butler: o que acontece na vida privada tem impacto na esfera pública. E é precisamente por isso que a escrita destas mulheres chega a uma grande audiência, que se identifica com as suas tramas e se revê nas suas personagens. Porque as vidas das mulheres jovens têm interesse e conseguem ser de teor universal, e por isso, relevante e não “light”.

Outro dado, mais positivo, é que no ano de 2022, a faixa etária que comprou mais livros foi a dos jovens dos 15 aos 34 anos, mostrando uma nova tendência no mercado literário. Esta deve muito à disseminação da paixão pelos livros nas redes sociais. E se os ecrãs são palco para conteúdo rápido, imediato e simples, os booktokers e bookstagrammers estão a usar as plataformas digitais para gerar entusiasmo em torno dos livros, objectos complexos que requerem atenção e tempo. Marcelo Rebelo de Sousa lembrou como a sua presença semanal na televisão em que durante o seu comentário apresentava uma quantidade significativa de livros, foi também tendo melhor recepção pela audiência ao longo dos anos. Muito antes destes novos divulgadores, já Marcelo utilizava a sua plataforma para partilhar a paixão pelos livros.

Maria Francisca Gama explicou que, actualmente, um escritor também tem de ser um vendedor, tem de se expor e divulgar o seu trabalho se quer ter sucesso. É isso mesmo que esta nova geração de escritoras faz. E talvez porque vendem nas redes sociais também são levadas menos a sério pela elite cultural. No entanto, ao fazerem-no estão não só a ser grandes impulsionadoras desta tendência no mercado literário, mas também a contribuírem para que os leitores cheguem a novos (ou já consagrados) autores.

O que mais me impressionou foi que, enquanto alguns oradores se puderam focar no facto do livro ser um veículo para a imaginação, criatividade e sonho, as três jovens autoras ao terem um palco para falar, tiveram de usar essa oportunidade para sublinhar a sua luta pela igualdade. Enquanto não houver paridade entre homens e mulheres na indústria literária (e não só), não lhes é dada a mesma oportunidade para falar de assuntos que talvez preferissem, em lugar da luta feminista, que permanece urgente.

O mais fascinante de ver tantas pessoas reunidas para pensar e discutir o futuro dos livros é saber que ainda que para muitos haja o lado comercial (porque este não deixa de ser um negócio), a paixão pelo mundo literário tem um valor nobre, pois baseia-se na crença de que promover literacia é promover uma sociedade mais livre e mais democrática. Como disse Paulo Portas, ainda que os ditadores totalitários do século XX tivessem bibliotecas e salas de cinema, o livro não deixa de ser um convite à democracia e à tolerância.

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