Um protesto contra “o protesto a favor de uma Floresta do Futuro”

Não nos deixemos iludir por soluções milagrosas de “replantar Portugal”. Portugal não precisa de ser replantado. Precisa de políticas fortes, que incentivem e permeiem uma gestão florestal robusta.

Ouça este artigo
00:00
06:49

Exclusivo Gostaria de Ouvir? Assine já

Com algum humor e ironia…

Juntando “três ou quatro dezenas de pessoas no Porto” (segundo o jornal PÚBLICO), decorreu, no passado domingo, um protesto pela “Floresta do Futuro”, convocado para seis cidades do país. No total seriam, portanto, seis vezes “três ou quatro dezenas de pessoas”, admitindo que Vila Nova de Poiares, Sertã, Coimbra, Lisboa e Odemira terão contribuído com igual número de protestantes. Ou seja, qualquer coisa entre 180 e 240 respeitáveis protestos.

Felizmente, e porque vivemos em democracia, o protesto é livre, independentemente daquilo contra o que se protesta e do número daqueles que protestam. Neste caso, mais original, o protesto não era contra, mas sim a favor, da floresta do futuro, o que quer que isso seja no imaginário dos protestantes. Um dos males menores desta virtude da democracia, é que os fundamentos para um protesto não têm que ser sólidos, não têm que ser bem informados, não têm que ser submetidos a contraditório. Muito menos a razão dos que protestam tem que ser comprovada pelos factos, pelo conhecimento, ou balizada pela ciência. Tão pouco é pedido aos promotores de um qualquer protesto que se responsabilizem por eventuais consequências das suas protestantes acções. A bem da democracia, é assim mesmo que deve ser. Dito isto, será interessante que os jornalistas, se não estiverem também em protesto, cuidem de ouvir o contraditório, de juntar alguns factos, de confrontar o conhecimento e a Ciência. Mas adiante, e voltando ao meu “protesto contra”.

Apesar de ter sido um protesto a favor da Floresta do Futuro, citados pelo PÚBLICO, os seus promotores reconhecem que, afinal, tal protesto decorreu “contra os incêndios, as políticas florestais, a monocultura do eucalipto e a indústria da celulose”. O bom deste esclarecimento, é que afinal o protesto em causa “foi contra”. O mau, é quase todo o resto!

Ser contra os incêndios e contra as políticas florestais, por muito bem que o “sound bite” resulte, são duas generalidades que, infelizmente, pouco resolvem. Contra os incêndios, na acepção popular, seremos todos, apesar de hoje ser bastante consensual, para o conhecimento científico, que o nosso problema é termos incêndios a menos no Outono-Inverno e de forma controlada. E como assim é, quando o território arde, arde em escala e com uma severidade exacerbada devido à acumulação dos combustíveis finos. Contra as políticas florestais, genericamente, penso que também seremos quase todos. Até os nossos Governos que, de há quase oito anos a esta parte, terão desistido de ter uma “Política Florestal”, passando a subordinar a Floresta aos caprichos dos desenhadores da paisagem, dos zelotas do ambiente, do carbono e da gestão do fogo. Tudo muito legítimo, mas de Política Florestal … nada.

E chegamos aos restantes “contras”, porventura os verdadeiros motivos do protesto de domingo: contra a monocultura do eucalipto e contra a indústria da celulose. Expressões utilizadas por alguns dos manifestantes (segundo o Público, que não encontrei outros relatos dos protestos) dão o tom dramático que se pretende: “Não estás a lutar por esta ou por aquela espécie. Neste momento estás a lutar pela sobrevivência da espécie humana”. E pronto. Afinal, garantir a sobrevivência da espécie humana é simples: erradica-se uma espécie do país, fecham-se umas fábricas de pasta e papel e está feito! É por este tipo de soluções simplistas propostas para resolver problemas complexos que não nos devemos admirar da crescente adesão a movimentos populistas.

… e já sem ironia ou humor.

E terminam aqui as tiradas irónicas e o meu (duvidoso) sentido de humor. Com todo o respeito por quem pensa diferente, independentemente dos fundamentos para tal, “acabar com os eucaliptos” ou ser “contra as celuloses” não resolve nenhum problema ao país: nem o problema dos incêndios, nem os muitos problemas das florestas, nem os problemas dos territórios desertificados, nem os problemas do crescimento económico, nem o problema dos baixos salários ou da falta de qualificação de mão-de-obra, nem os problemas das empresas e profissionais das florestas que (ainda!) resistem apesar de tudo. As Florestas podem contribuir para a resolução dos problemas enunciados? Podem certamente. Portugal tem território com dimensão e diversidade suficientes para albergar uma área significativa de povoamentos de eucalipto (sim, povoamento monoespecífico de qualquer espécie florestal são Floresta), de pinhal ou de sobreiros e de azinheiras? E áreas de floresta com composição diversa, mais ou menos autóctone, com finalidades igualmente diversificadas? É evidente que sim.

Onde está então o problema? Por onde começar? Correndo o risco de ser simplista em demasia (prometo complexificar a coisa noutra oportunidade para não dar azo a populismos), o passo decisivo é gerir, gerir e gerir. Gerir aquilo que está no território. Intensificar a gestão, quer se trate de povoamentos de pinheiro, de eucalipto ou de outra espécie ou conjunto de espécies. Só gerindo intensamente (incluindo nas práticas de gestão florestal o fogo controlado em escala) conseguiremos reduzir a carga de combustíveis de modo a evitar tragédias (sim, a floresta gerida pelas “celuloses” arde muito menos do que a restante floresta, segundo todas as estatísticas disponíveis). Só gerindo intensamente conseguiremos aumentar a produtividade, potenciar o sequestro de carbono e a zelar pela rentabilidade da floresta nacional. Nas nossas condições (e não, não somos um país com um clima igual ao da Europa Central e do Norte), só gerindo intensamente conseguiremos melhorar os níveis de biodiversidade, proteger os solos, melhorar o regime hidrológico e gerar amenidades de paisagem para serem usufruídas por uma população urbana crescente. E sim, é uma vantagem (ia escrever sorte!) termos em Portugal uma indústria de celulose robusta, uma indústria da cortiça que dá cartas, uma indústria de transformação da madeira de pinho diversificada, uma indústria da resina em expansão e robustecimento. Porquê? Porque desta forma estaremos sempre mais perto de gerar mais valor para reinvestir na floresta, alimentando assim o círculo virtuoso que perseguimos. Assim tenhamos as Políticas Públicas que para isso são necessárias.

Não nos deixemos iludir por soluções milagrosas de “replantar Portugal”. Portugal não precisa de ser replantado. Portugal precisa de políticas florestais fortes, que incentivem e permeiem uma gestão florestal robusta e sustentável. Necessita de uma política florestal em que as fileiras florestais economicamente mais robustas sejam comprometidas na defesa e na gestão de áreas mais sensíveis e mais frágeis.

Termino com uma nota dirigida àqueles que, legitimamente, protestaram no passado domingo: penso que seja mais proveitoso e eficaz para a defesa do ambiente e para a minimização dos efeitos da crise climática que vivemos, uma solução que parta da realidade existente no território do que a promessa de uma “terra de leite e mel” construída sobre os escombros do que existe.

Mas isto sou eu a pensar cá para comigo, na esperança que tenho de estar a pensar bem.