Ondas de calor afectaram qualidade do ar em 2022. Em 2023 será ainda pior

Boletim da OMM sobre o Clima e a Qualidade do Ar mostra que ondas de calor não apenas criam condições para incêndios, mas têm também efeito na concentração de ozono na troposfera.

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Cidades com poucos parques são mais propícias ao efeito de "ilha de calor urbana" GettyImages
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As ondas de calor têm impacto na saúde humana muito além do efeito das altas temperaturas no corpo: ao exacerbarem condições para mais incêndios florestais e poeiras, têm também um forte impacto na qualidade do ar e na emissão de gases que potenciam o efeito de estufa, alerta um relatório publicado esta quarta-feira pela Organização Meteorológica Mundial (OMM) com base em dados de 2022.

O boletim anual da OMM sobre o Clima e a Qualidade do Ar mostra a distribuição global de partículas finas em 2022 e desvenda um pouco mais sobre como as ondas de calor afectam a composição atmosférica. “As alterações climáticas e a qualidade do ar não podem ser tratadas separadamente. Andam de mãos dadas e devem ser abordadas em conjunto para quebrar este ciclo vicioso”, afirma o secretário-geral da OMM, Petteri Taalas, citado em comunicado.

O relatório mostra os efeitos desencadeados pelas vagas de calor, que criam condições para incêndios florestais mas não se ficam por aí: “O fumo dos incêndios florestais contém uma mistura de químicos que afecta não só a qualidade do ar e a saúde, mas também danifica as plantas, os ecossistemas e as colheitas - e conduz a mais emissões de carbono e, por conseguinte, a mais gases com efeito de estufa na atmosfera”, nota Lorenzo Labrador, responsável científico da OMM no programa Global Atmosphere Watch.

Calor e poeiras na Europa

O Verão de 2022 era o mais quente registado na Europa (antes, claro, de chegar o Verão de 2023), com uma onda de calor prolongada que levou a um aumento das concentrações de partículas finas e de ozono a nível da troposfera (a camada mais perto da superfície terrestre). E embora os grandes incêndios e as tempestades de poeira tenham sido, em geral, menos frequentes em 2022, segundo o documento, houve vários exemplos de eventos intensos.

O relatório descreve que “dois tipos de ondas de calor ocorrem tipicamente” na Europa: a cúpula de calor e o chamado fluxo do Sul, que ocorre quando há “intrusão de poeiras provenientes dos desertos do Norte de África”, em que “a temperatura aumenta devido à intrusão de ar quente proveniente das regiões desérticas”.

Durante a segunda metade de Agosto de 2022, registou-se ainda uma “intrusão invulgarmente elevada de poeiras do deserto” no Mediterrâneo e na Europa. Já agora, as “intrusões” de poeiras do deserto são comuns em Agosto - só que não a este nível.

Esta sobreposição das ondas de calor com quantidades elevadas de aerossóis e outras partículas finas “afectou a saúde e o bem-estar humanos”, constatam os autores do relatório.

E a situação promete agravar-se, à medida que são desencadeados mecanismos de feedback positivo, alertam os cientistas: a atmosfera seca e quente também contribui para os processos de desertificação na Europa, aumentando potencialmente a presença de poeiras nos países europeus.

Além do caso da Europa, o boletim a OMM também destaca o aumento da gravidade dos incêndios florestais em zonas como a parte ocidental da América do Norte, afectada por vagas de calor em Agosto e Setembro de 2022.

Efeitos na saúde

Para este relatório os cientistas analisaram os dados de 2022, mas prevêem já que a análise sobre 2023 traga resultados mais graves, com incêndios florestais como os do Canadá, Havai e na região mediterrânica, juntando-se um mês de Julho que foi o mês mais quente de sempre desde que há registo.

O que estamos a testemunhar em 2023 é ainda mais extremo”, alerta Petteri Taalas. “Esta situação provocou níveis de qualidade do ar perigosos para muitos milhões de pessoas e enviou nuvens de fumo através do Atlântico até ao Árctico”, descreve o cientista.

Há ainda uma nota sobre como as temperaturas elevadas podem ser “exacerbadas” nas cidades, em particular onde há edifícios altos e poucas áreas verdes, criando o efeito de “ilha de calor urbana”. A diferença entre as temperaturas à superfície nestas “ilhas de calor”, por comparação a localidades próximas em meio rural, pode atingir até 9 graus Celsius durante a noite.

A solução? Os investigadores olharam para o estudo de caso do Parque Ibirapuera, em São Paulo, e concluem que os parques podem beneficiar os centros urbanos, arrefecendo o ar e absorvendo CO2.

Ozono

Numa nota mais complexa, o boletim da OMM analisa ainda a influência das ondas de calor nas reacções químicas que aumentam a emissão e a concentração de determinados gases. Por exemplo, as ondas de calor que afectaram a Europa entre Junho e Agosto de 2022 influenciaram as concentrações de ozono na troposfera, a camada mais baixa da atmosfera terrestre.

No continente europeu, centenas de locais de monitorização da qualidade do ar excederam os níveis de ozono previstos nas orientações da Organização Mundial da Saúde para a qualidade do ar. A situação ocorreu primeiro no sudoeste da Europa, mas à medida que a onda de calor se propagava pelo continente foi passando para a Europa Central, até chegar ao nordeste do continente.

Enquanto o ozono estratosférico (ou seja, a grande altitude) nos protege dos raios ultravioleta do sol, este ozono troposférico (próximo da superfície da Terra) é prejudicial para a saúde humana, podendo mesmo reduzir a quantidade e a qualidade do rendimento das plantações. Aliás, também outros poluentes atmosféricos, como o azoto e o enxofre, são absorvidos pelas plantas, reduzindo o rendimento das culturas e prejudicando o ambiente.