O Caso do Cadáver Esquisito 4: “Os nomes mudam a história”, por Paola Rolletta

O quarto “episódio” da “novela” de mistério, surreal e com muitas viagens, escrita por 22 autores. Um “cadáver esquisito” que vai dar muitas voltas e muito que falar.

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O grafismo é de Jorge Barbosa e as aguarelas são de Carlos Matos dr
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O Caso do Cadáver Esquisito: Apresentação de uma experiência surreal, misteriosa e viajada com histórias de ficção diárias na Fugas

Os nomes não são a gente. Não dizem nada, tinha dito o Ti Zé. E isto não me saía da cabeça.

Não, não, era possível. Tinha de haver uma pista dentro daqueles nomes. Girava na minha cabeça a pergunta de Gilda a Rigoletto “Que nome tens?” e a resposta dele “Que te importa?”. Os nomes são importantes e as letras que os compõem também, repetia para mim próprio.

Pensava eu que talvez encontrasse nas leis do melodrama, um indício para desvendar o segredo de Augusta e saber do meu próprio nome.

Mas Rigoletto mantém o seu nome em silêncio porque teme que nele já esteja escrita a sua história de bufão escravizado aos despotismos imorais do senhor que lhe paga e lhe dá protecção. E Augusta, será que era mesmo Augusta?

E aqueles lugares remotos, Formentosa-a-Nova, Sachola Caiada, Menestrel, Aparentela, Gaiata Formosa, Beijo das Almas? Será que eram apenas acidentes geográficos, apontados de propósito para camuflar a realidade?

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Carlos Matos

Enquanto esperava que o Ti Zé saísse da adega, aqueles nomes tornaram-se uma dança. Serviam para disfarçar a realidade ou serviam para determinar a substância da história?

As gotas da chuva banhavam-me o rosto. Sentia a cabeça a rebentar à medida que o meu olhar se tornava cada vez mais velado. Estava dentro da síntese da minha própria biografia, que a minha bisavó Augusta tinha marcado, comprometendo-se com o futuro. Tinha a certeza disso.

Quando o Ti Zé reaparece do fundo da rua.

— Ti Zé, conta-me bem quem foi a Augusta.

— Filho, deixa-te disso. Quem era Augusta já to disse, mas tu não entendeste, ou fizeste de conta de não entender. Não me sinto culpado por não te dizer a verdade: cheguei até aqui para desempenhar a função que as leis da vida me impõem. Está só nisso a verdade. Tão simples quanto isso. Aquela verdade que tu, com a tua ingénua, ou talvez demasiado inteligente, pergunta querias destruir. Muda-lhe o nome, e a história muda. O resto não conta.

Que direito tinha eu de infringir, por curiosidade anagráfica e onomástica, por presunção causal, as leis da vida dele?

Fiquei mudo.


A AUTORA: Paola Rolletta​
Nasceu à meia-noite, na região de Ciociaria (Itália), mas não é falena. Sempre quis ser borboleta, daquelas coloridas que se chamam vanessas. Desde que se conhece como gente, saltita por aqui e acolá, de país em país — Itália, Portugal, Moçambique — de continente em continente, de língua em língua, para conhecer pessoas e escrever as suas estórias. Escrever estórias como fazem as borboletas nas flores e no ar. Mas como há sempre algo a estragar tudo, vê-se obrigada — ai que frustração! — a considerar que é alta, um metro e setenta e quatro, e desde sempre com um corpinho robusto que não a deixa voar como queria. Tanto faz! Desde há muitos anos que agarra as palavras onde calha, em meios de transporte, por exemplo, e também na fantasia. Faz delas as estórias que envia a leitores dispostos a lerem-na. Um dia, um antigo editor disse-lhe: “Tens tantos L na tua graça de nome que ainda ficas mais engraçada.” De uma vez por todas, quer aqui afirmar: não se chama Paolla nem Maria Albertina. É uma vanessa que tem nas asas a curiosidade dos destinos, a mesma que a poisa onde o olhar vê o que há para contar.

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