The Architect, quando trabalhar não chega para viver
Uma série norueguesa satiriza, num futuro próximo, a crise da habitação.
Num futuro muito próximo, há uma enorme crise de habitação em Oslo, a capital da Noruega. Pessoas com trabalhos estáveis não conseguem ganhar o suficiente para garantir o sustento, uma renda e luxos como necessidades básicas. Só os ricos ou os sortudos o conseguem.
Além disso, também não há carros na rua. Não se pode estar em espaços no meio da rua sem se consumir alguma coisa no espaço de cinco minutos. Há inteligência artificial por todo o lado, mas manequins vivos e humanos nas montras das lojas. Julie é uma aspirante a arquitecta que, em vésperas de fazer 30 anos, ainda não conseguiu passar de estagiária num atelier.
É neste mundo frio e cruel, dominado por cinzentos e azuis monótonos com toques ocasionais de vermelho, que se desenrola a história The Architect, uma série satírica com um sentido de humor muito negro criada e escrita pela dupla estreante Nora Landsrød e Kristian Kilde e realizada pela um pouco mais experiente Kerren Lumer-Klabbers, que tem um percurso feito pelas curtas-metragens. A série norueguesa, feita de quatro episódios curtos, todos de menos de 20 minutos, chega nesta terça-feira à plataforma de streaming Filmin.
No centro de tudo está a actriz Eili Harboe, que este ano pôde ser vista na quarta e derradeira temporada de Succession, como a ex-namorada e directora de comunicações do multimilionário da tecnologia interpretado por Alexander Skarsgård, no papel da inexpressiva Julie. Quando a sua renda sobe, Julie tenta pedir um empréstimo para comprar casa. É-lhe negado, e não há alternativas imediatas. A única solução que encontra é arrendar um quarto que é apenas uma fracção, dividida por cortinas e sem janelas, que um senhorio montou num parque de estacionamento subterrâneo que está vazio por não haver carros. É lá que faz uma nova amiga, uma activista antiarquitectura hostil, que trará uma nova perspectiva à sua vida.
Ao mesmo tempo, o seu ex-namorado (Fredrik Stenberg Ditlev-Simonsen, de Farta de Mim Mesma), colega de faculdade com quem acabou por ter decidido dedicar-se tanto à carreira que não há espaço na sua vida para relações humanas, é contratado pela sua firma. Ou seja, ela, que tem de ser estagiária e servir cafés em vez de desempenhar a profissão para a qual estudou, porque não havia, foi-lhe dito, forma de ser contratada em pleno, vê alguém, ainda para mais uma pessoa do seu passado, passar-lhe à frente no mundo laboral. Este universo é tão distópico que o próprio ex-namorado, mesmo mais bem-sucedido do que ela, só conseguiu dinheiro para a entrada de um apartamento porque a sua nova namorada teve um acidente de trabalho e recebeu uma indemnização.
O escritório decide candidatar-se a um projecto que à partida parece impossível de concretizar: construir mil novos apartamentos para ajudar a resolver esta crise. Julie tem uma ideia brilhante, que acabará por a pôr a questionar tudo aquilo em que acreditava, incluindo a sua profissão tão almejada, a sua maneira de estar na vida e o que é que significa ter sucesso neste contexto. The Architect não tem respostas, só questões, mas tenta pensar, exagerando um bocadinho a realidade, sobre algo que se passa mesmo no mundo.